Descrição de chapéu The New York Times

Nas eleições da África do Sul, partido governista não conta com votos dos negros da classe média

CNA, partido de Mandela, gerou desilusão por não cumprir promessas e sofrer acusações de corrupção

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Chantelle (África do Sul) | The New York Times

Antes das eleições gerais que acontecem esta quarta-feira (8) na África do Sul, Josiah Tsheko fazia parte de uma categoria hoje muito comum entre a crescente classe média negra do país: a dos eleitores indecisos.

Tsheko gostava do presidente Cyril Ramaphosa, ex-grande empresário e líder do partido Congresso Nacional Africano (CNA), há anos no governo. Mas numa manhã recente, enquanto supervisionava pedreiros que estavam construindo um anexo à sua casa, ele disse que tem desconfianças profundas em relação ao partido.

“Meus amigos gostam de Cyril. Eu também”, falou Tsheko, 42, gerente de recursos humanos de uma mineradora. “O cara entende de negócios e empresas. O problema é que ele está cercado pela máfia do partido.”

O atual presidente da África do Sul e candidato, Cyril Ramaphosa, em local de votação em Joanesburgo
O atual presidente da África do Sul e candidato, Cyril Ramaphosa, em local de votação em Joanesburgo - Mike Hutchings/Reuters

É quase certo que o CNA, o partido que foi liderado por Nelson Mandela e ajudou a libertar os sul-africanos negros, receba a maioria dos votos ao nível nacional, garantindo que Ramaphosa seja eleito para um mandato presidencial de cinco anos.

 

Mas a margem de vitória do partido será determinada em parte pelo número de eleitores negros de classe média que voltarem a votar no CNA.

E, o que é mais importante, o voto da classe média vai determinar se Ramaphosa vai conseguir ou não uma base forte para levar adiante sua campanha contra a corrupção e os esforços para realizar uma faxina em seu próprio partido.

Quase igualmente importante é o fato de que o destino político de Gauteng –a província mais rica do país, onde ficam Joanesburgo, Pretória e a maior concentração de eleitores da classe média negra— vai depender do voto deles.

A perda de Gauteng seria um golpe pesado contra o CNA, que perdeu o controle da segunda mais rica província sul-africana, o Cabo Ocidental, uma década atrás.

Isso transformaria o CNA cada vez mais em um partido dependente dos eleitores pobres urbanos e rurais –sobre os quais ele exerce forte influência graças aos benefícios sociais e subsídios.

“Esta é a última chance que o CNA tem de conservar o apoio da classe média, em Gauteng com certeza”, comentou David Everatt, diretor da Escola Wits de Governança na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.

Cabe a Ramaphosa convencer os eleitores negros de classe média que ele conseguirá transformar o CNA, “hoje identificado com corrupção e má administração”, disse Everatt, que realizou sondagens para o partido na província.

Revoltado com a corrupção endêmica no CNA, Tsheko votou contra o partido pela primeira vez nas eleições locais de 2016. Seu voto ajudou a derrotar o partido em Chantelle, subúrbio de Pretória onde ele e seus vizinhos, reunidos em um grupo do WhatsApp, reclamam sobre falta de iluminação e buracos nas ruas.

Devido às grandes perdas que sofreu em Chantelle e outras áreas de classe média negra naquele ano, o CNA perdeu o controle da Câmara Municipal de Pretória, a capital nacional.

Sua derrota em duas outras grandes cidades –incluindo Joanesburgo, a capital comercial da África do Sul— acabou simbolizando o repúdio dos profissionais liberais negros urbanos, no passado uma parte da base principal de apoio do partido.

Líder sindicalista e anti-apartheid que fez fortuna como empresário antes de voltar à política ativa em 2012, Ramaphosa foi eleito líder do CNA, por margem estreita, no final de 2017. Dois meses mais tarde assumiu a Presidência do país depois de forçar a saída de seu predecessor, Jacob Zuma, envolvido em escândalos.

Zuma, cuja base era formada pela população pobre, especialmente da zona rural, tinha uma relação tensa com os eleitores da classe média negra.

Ele os desprezava como “negros astutos”, que, segundo ele e seus aliados, deixaram de demonstrar gratidão pelas políticas de ação afirmativa e funcionalismo público adotadas pelo CNA que ajudaram a alimentar a mobilidade social negra.

Reagindo contra a corrupção que correu solta durante os anos de Zuma no poder, muitos eleitores negros da classe média começaram a dar as costas ao partido.

Esse repúdio se evidenciou mais claramente nas eleições locais de 2016 em comunidades como Chantelle, uma área que sob o apartheid era totalmente branca, mas onde hoje 90% dos residentes são negros.

O CNA recebeu apenas 40% dos votos no distrito que abrange Chantelle, sendo que na eleição local anterior, em 2011, recebera 69%.

Sybil Louw tem 66 anos e se aposentou recentemente depois de trabalhar 47 anos como enfermeira.

Desde 2014 ela parou de se registrar para votar. Seguidora vitalícia do CNA até aquele momento, ela se desiludiu com o que enxerga como sendo a cultura do partido de priorizar os ganhos pessoais para os filiados e seus aliados.

“São ladrões, eles roubam tudo”, disse Louw, sentada no alpendre de sua casa em Chantelle, de frente para um gramado grande e bem cuidado.

“É o dinheiro dos nossos impostos que eles roubam. Por isso não me registrei para votar. O que eu ganharia com isso?

Um número crescente de sul-africanos está fazendo o mesmo que ela e não se registrando para votar. É um fato notável em um país onde os cidadãos negros conquistaram o direito ao voto há pouco mais de uma geração e onde o nível de participação eleitoral geralmente é alto.

Em um país de 58 milhões de habitantes, 90% dos quais negros, a classe média negra é composta hoje de 5,6 milhões de pessoas, segundo o Instituto Unilever de Marketing Estratégico, ligado à Universidade da Cidade do Cabo. As estimativas de outros especialistas são mais baixas.

O interesse suscitado por Ramaphosa chegou ao auge nos meses depois de ele assumir a Presidência, quando ele fez questão de buscar o apoio da classe média, pedindo que ela “devolvesse seu amor” ao CNA.

Mas o entusiasmo esfriou na medida em que Ramaphosa não injetou novo ânimo na economia nem corrigiu os problemas das estatais, entre elas a Eskom, a empresa nacional de eletricidade que vem promovendo os piores blecautes programados em anos.

Além disso, muitos eleitores e comentaristas manifestaram decepção profunda pelo fato de que, não obstante a promessa de Ramaphosa de combater a corrupção, nem um único membro do CNA foi responsabilizado judicialmente.

Agora o próprio Ramaphosa está sendo investigado pelo Escritório de Proteção Pública, a agência governamental de combate à corrupção, por aceitar uma doação de campanha da Bosasa, empresa de logística acusada de ter sistematicamente pago propinas enormes a líderes do CNA em troca de contratos com o governo.

Tradução de Clara Allain

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