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Premiê Shinzo Abe quer ser chamado de Abe Shinzo em respeito à tradição japonesa

Ministro do Exterior Taro Kono, ou Kono Taro, pediu a mudança a veículos de mídia internacionais

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Motoko Rich
Tóquio | The New York Times

Por enquanto, o presidente americano Donald Trump e o o primeiro-ministro japonês se tratam pelo prenome.

Mas isso pode em breve se tornar mais complicado. No Japão, um primeiro nome quer dizer algo diferente.

Os japoneses se apresentam primeiro pelo sobrenome e depois pelo prenome. E o ministro das Relações Exteriores do país diz que é hora de o mundo ocidental respeitar a tradição do Japão e usar essa ordem de palavras ao grafar nomes japoneses em inglês.

Assim, o homem que os ocidentais conhecem como primeiro-ministro Shinzo Abe deveria ser chamado de Abe Shinzo.

O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, durante encontro com Donald Trump em Washington
O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, durante encontro com Donald Trump em Washington - Mandel Ngan - 26.abr.19/AFP

O ministro do Exterior, Taro Kono (ou na verdade Kono Taro) fez essa solicitação aos veículos de mídia internacionais durante uma entrevista coletiva na terça-feira.

"Muitas organizações noticiosas internacionais grafam o nome do presidente chinês como Xi Jinping e o do presidente sul-coreano como Moon Jae-in", disse Kono, apontando que o modelo de sobrenome precedendo o prenome era seguido, no caso de outros líderes asiáticos.

"É desejável que o nome do primeiro-ministro Abe Shinzo seja grafado de maneira semelhante."

Desde a abertura do país ao Ocidente, um século e meio atrás, os japoneses aceitam que os ocidentais se refiram a eles não na forma comum no Japão —sobrenome primeiro, prenome depois— mas em ordem inversa.

Nos cartões de visita —cuja troca é parte essencial da etiqueta de negócios do país—, muita gente no Japão faz imprimir primeiro o sobrenome e depois o prenome, no lado grafado em japonês, e em ordem invertida no avesso, impresso em inglês.

Mas Kono sugeriu que o momento poderia ser propício para que as organizações noticiosas repensem suas práticas, porque Trump deve chegar a Tóquio no sábado (25) para uma visita de Estado, e uma reunião do G-20 acontecerá em Osaka no mês que vem.

Os Jogos Olímpicos acontecerão em Tóquio no ano que vem, e Kono disse que os nomes dos atletas japoneses aparecerão com o sobrenome à frente, nas legendas de TV, da mesma forma que acontece com os nomes dos atletas da China, Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul e Coreia do Norte.

A solicitação do ministro das Relações Exteriores surge em um momento no qual o governo japonês está fomentando uma retomada do nacionalismo e liderando um esforço para atrair mais estrangeiros ao país, em função da queda da população japonesa.

Abe conta com forte apoio da ala direitista do Partido Liberal Democrata, que governa o país; essa ala é tradicionalista e tende a ser insular.

Mas ele prioriza a política externa e trabalhou para elevar o Japão à posição de líder internacional, e também vem tentando promover maior abertura do país, forçando a aprovação, no final do ano passado, de uma lei que autoriza aumento acentuado no número de trabalhadores estrangeiros que poderão ser admitidos no Japão.

Os japoneses internacionalistas dizem que, à medida que os Estados Unidos reavaliam seu papel como defensores da ordem democrática mundial, na era Trump, seu país não deveria fazer qualquer coisa que pareça indicar um afastamento da comunidade internacional.

"O que acho negativo é a mensagem subliminar que a mudança poderia enviar caso adotada", disse Nobuko Kobayashi, sócia da divisão japonesa da consultoria internacional Ernst & Young.

Se o Japão insistir em que os ocidentais adotem a convenção tradicional na grafia de nomes, ela disse, pode ser que algumas pessoas vejam "o Japão se afastando do mundo ocidental, e essa é exatamente a mensagem que não desejamos enviar".

Kobayashi, que se formou na Universidade de Tóquio, uma instituição de elite, e tem pós-graduação na escola de administração de empresas da Universidade Harvard, disse que desde que o Japão se abriu ao Ocidente, no século 19, seu povo se acostumou a incorporar costumes ocidentais.

Reverter a ordem de grafia do nome, em diferentes contextos, é "uma demonstração de que a cultura japonesa é flexível", ela disse. "Da mesma forma que os japoneses usam confortavelmente garfos e facas, ao comer comida ocidental, eles se sentem confortáveis ao usar 'hashis' para comer pratos japoneses".

Não está claro qual é a opinião de Abe sobre a proposta de Kono. Ele não comentou, ainda que seu chefe de gabinete, Yoshihide Suga, tenha dito a repórteres que, dada a prática longamente estabelecida de grafar o prenome primeiro, em contextos ocidentais, "precisamos considerar muitos elementos" antes de o governo fazer uma recomendação.

O ministro da Educação do Japão, Masahiko Shibayama, endossou a proposta de Kono, que ecoa uma recomendação semelhante feita quase duas décadas atrás pelo Conselho Nacional do Idioma, que adjudica diversas questões linguísticas japonesas.

Pouco depois que a recomendação foi feita, em 2000, o Ministério de Educação reformulou os livros didáticos usados nas aulas de inglês do ensino médio, adotando a ordem de sobrenome primeiro. Mas a mídia estrangeira não adotou a prática recomendada.

No Twitter, alguns críticos atacaram Shibayama, cujo nome no site em inglês do Ministério da Educação estava grafado como "Masahiko Shibayama" —um exemplo do grande trabalho que seria requerido para mudar a prática em todo o governo.

Shibayama ordenou que a ordem de grafia de seu nome fosse invertida, na terça-feira.

Kumiko Torikai, professora aposentada de educação em inglês e comunicação transcultural na Universidade Rikkyo, disse que a adoção histórica da ordem ocidental de grafia de nomes era um "insulto" à tradição japonesa.

"A grande tendência no planeta é aceitar uma sociedade multicultural", disse Torikai. "É normal que diversas culturas coexistam e que cada uma respeite as demais culturas. Creio que copiar os países ocidentais seja uma prática desatualizada".

Na Coreia do Sul, o governo divulgou orientações oficiais antes da Olimpíada de Londres, em 2012, solicitando que as transliterações dos nomes de seus atletas fossem realizadas no estilo cultural tradicional de sobrenome primeiro.

"Os coreanos individualmente, e o nome de cada coreano", afirmava a orientação, "podem parecer pouco importantes, mas somados eles todos formam a imagem da República da Coreia".

No entanto, mesmo aqueles que apoiam a ideia de respeitar a tradição cultural de grafia de nomes dizem que não é simples reverter práticas estabelecidas.

"Eu reconheço o argumento, de alguma forma, mas creio que se trate de um exercício fútil, que provavelmente causará confusão", disse Koichi Nakano, cientista político da Universidade Sophia, em Tóquio.

"É ingênuo que o governo japonês pense que pode convencer a mídia internacional, e outras instâncias, a mudar suas práticas de imediato".

(O New York Times em geral grafa nomes chineses e coreanos com o sobrenome primeiro, e usa a ordem ocidental para nomes japoneses —ainda que sua política geral seja a de grafar os nomes das pessoas do modo que elas preferem.) 

Tradução de Paulo Migliacci

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