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'Refúgio' de Bolsonaro após protestos em NY, conservador Texas vê crescimento da esquerda

Presidente do Brasil visita a partir desta quarta (15) o Estado americano, em que mudanças demográficas colocam em risco dominância do Partido Republicano

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Alessandra Corrêa
Winston-Salem (EUA) | BBC News Brasil

Considerado um bastião do conservadorismo americano, o Estado do Texas, que o presidente Jair Bolsonaro visita a partir desta quarta-feira (15), vem assistindo nos últimos anos a um fortalecimento da esquerda que, segundo analistas, pode colocar em risco a dominância do Partido Republicano.

Bolsonaro anunciou sua visita de dois dias à cidade texana de Dallas depois que o plano inicial de viajar a Nova York para receber uma homenagem foi cancelado em meio a protestos contra sua presença. O presidente brasileiro espera ser bem recebido no Texas, reduto tradicional do Partido Republicano.

Mas apesar de o partido do presidente Donald Trump controlar há anos o governo, o Senado estadual e a Câmara estadual do Texas, suas margens de vantagem vêm diminuindo a cada eleição, resultado, segundo analistas, de profundas mudanças demográficas no Estado.

Um exemplo recente foram as eleições legislativas do ano passado, nas quais o democrata Beto O'Rourke surpreendeu ao quase derrotar o senador federal republicano Ted Cruz, que concorria à reeleição. Depois de ter vencido sua primeira disputa ao Senado, em 2012, com 16 pontos percentuais de vantagem, desta vez o conservador Cruz enfrentou uma batalha acirrada.

Nas eleições legislativas, o democrata Beto O'Rourke surpreendeu ao quase derrotar o senador federal republicano Ted Cruz - Brian Snyder/Reuters

No final, Cruz manteve sua vaga por pouco, com 50,89% dos votos, ante 48,33% recebidos por O'Rourke. Além do susto no Senado federal, os republicanos perderam 12 cadeiras na Câmara estadual e duas no Senado estadual. Embalado pelo bom desempenho, O'Rourke agora é pré-candidato à Presidência, concorrendo à indicação do Partido Democrata.

Dois anos antes, nas eleições presidenciais de 2016, a democrata Hillary Clinton já havia surpreendido ao perder para Donald Trump no Texas por apenas nove pontos percentuais —diferença bem menor que os 16 pontos com que Barack Obama perdeu no Estado para o republicano Mitt Romney em 2012.

"Quando você combina as eleições de 2018 e 2016, observa um padrão, do Partido Democrata melhorando seu desempenho. Isso pode ser resultado do impacto de mudanças demográficas no Estado", diz à BBC News Brasil o cientista político Juan Carlos Huerta, professor da Texas A&M University-Corpus Christi.

Histórico

Até pouco tempo atrás, esses resultados seriam inconcebíveis. O Texas tem uma longa tradição de ser um Estado conservador. No passado, era controlado por democratas conservadores. A partir dos anos 1960, houve uma mudança gradual do eleitorado conservador no sul dos Estados Unidos passando do partido Democrata para o Republicano, e o Texas seguiu essa tendência.

O poder no Estado se consolidou nas mãos do Partido Republicano a partir de 1994, quando a então governadora democrata Ann Richards perdeu o cargo para o republicano George W. Bush, futuro presidente.

A democrata Hillary Clinton já havia surpreendido nas eleições presidenciais ao perder para Trump no Texas por apenas nove pontos percentuais - Paul J. Richards/AFP

O domínio republicano aumentou ainda mais a partir de 2002, quando o partido também assumiu o comando do legislativo estadual. Desde então, os republicanos controlam completamente a política no Texas.

Mas as recentes mudanças demográficas geram temor entre os republicanos e esperança entre os democratas de que o Estado se torne mais competitivo. "A cada ano, o percentual da população composto por brancos não-hispânicos vem caindo", ressalta Huerta.

Em 2000, os brancos de origem não-hispânica formavam 53% da população do Texas. Atualmente, estima-se que sejam 42%. No mesmo período, a parcela da população formada por latinos, negros e outras minorias passou de 47% para 58%.

Eleitorado

Estatísticas indicam que, enquanto eleitores brancos e mais velhos tendem a ser mais conservadores e votar no Partido Republicano, os eleitores latinos, negros e de outros grupos minoritários, assim como os brancos mais jovens, costumam votar nos democratas.

Nos últimos anos, o Texas também recebeu um grande fluxo de moradores de outras partes do país, atraídos por ofertas de emprego e custo de vida mais baixo. Segundo o Censo, entre 2000 e 2016 cerca de 5 milhões de pessoas se mudaram para o Estado. Muitos desses novos moradores são jovens e vieram de redutos liberais, como Califórnia e Nova York.

Essa dinâmica faz com que o Estado registre forte crescimento nas grandes cidades e zonas urbanas. Dallas, que vai receber o presidente Bolsonaro, é governada por um prefeito democrata. Outras importantes cidades texanas, como Houston e Austin, também têm liderança democrata.

"A cada ano, o eleitorado está mudando e ficando mais favorável aos democratas", observa Huerta.

"Os texanos brancos mais velhos são os mais fortes apoiadores do Partido Republicano, e representam grande parcela da população. Mas a cada eleição, seu número diminui. E a população que está entrando no eleitorado é cada vez mais de latinos, negros e outras minorias, que tendem a votar no Partido Democrata", ressalta.

"Os texanos brancos (de origem não-hispânica) mais jovens formam uma parcela menor da população e, além disso, não são tão fortemente republicanos quanto os brancos mais velhos."

Mas o cientista político adverte que a mudança demográfica não significa automaticamente que o Partido Democrata será vitorioso no Estado em eleições no futuro próximo. O desempenho depende de diversos fatores, entre eles a capacidade de mobilizar esses novos eleitores e fazer com que compareçam às urnas —nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório, e os jovens costumam ter taxa de comparecimento mais baixa.

Huerta ressalta ainda que os democratas eleitos no Texas devem ser menos liberais que os de redutos como Nova York, por exemplo. "São democratas mais moderados", afirma.

Agenda

A agenda do presidente Bolsonaro nesta quarta inclui um encontro com o ex-presidente americano George W. Bush (2001-2009), líder de uma das principais dinastias políticas conservadoras dos Estados Unidos, com grande influência no Texas.

Seu pai, George H. W. Bush, morto no ano passado, presidiu o país de 1989 a 1993. O irmão, Jeb Bush, que foi governador da Flórida, concorreu à indicação republicana nas eleições de 2016, mas foi derrotado por Donald Trump, que o apelidou de "Jeb Baixa Energia".

O histórico de animosidade dos Bush com Trump vem de antes da eleição. Trump criticou George W. Bush diversas vezes no passado. Este, por sua vez, já fez várias críticas veladas ao presidente.

Na quinta, Bolsonaro será homenageado em um almoço pelo World Affairs Council de Dallas-Fort Worth e receberá o prêmio "Personalidade do Ano" da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro - Norberto Duarte/AFP
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