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Venezuela: é o momento dos militares

É hora de o Exército interpretar o que ocorre no país e decidir o que está disposto a fazer

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Em 30 de abril, a marcha da Operação Liberdade, encabeçada por Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, tinha por objetivo estimular a alta cúpula do Exército a declarar sua adesão a ele, que se autodeclarou presidente interino do país.

Guaidó havia tentado a mesma coisa em Cúcuta, na fronteira com a Colômbia, em fevereiro, para forçar a entrada de cargas de assistência humanitária. Mas em abril, de maneira mais desafiadora, ele foi à base militar de La Carlota, no centro de Caracas, flanqueado por uma dezena de militares rebeldes e pelo respeitado líder oposicionista Leopoldo López, seu mentor, que estava até então em prisão domiciliar.

O resultado do confronto foi a morte de cinco pessoas, dezenas de feridos, e a deserção de alguns elementos da Guarda Nacional, especialmente o chefe da Agência de Inteligência Nacional. Parecia o desenlace final para um regime que vinha se deteriorando lentamente diante dos olhos do planeta, mas o plano terminou fracassando.

A maioria dos oficiais superiores cerrou fileiras com Maduro, que conseguiu se manter no poder. No entanto, um resultado claro da trama foi o enfraquecimento dos dois protagonistas, Guaidó e Maduro, e, bem pior, o enfraquecimento ainda maior de um país que já se encontra em situação muito precária.

Maduro se declarou vencedor dessa batalha, mas os últimos acontecimentos expuseram claramente a sua fraqueza, porque é sabido –ainda que não admitido– que três das principais figuras do regime –o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López; o presidente da Corte Suprema, Maikel Moreno; e o diretor de contrainteligência das forças armadas, Iván Hernández Dala– estavam negociando com a oposição, e também com Washington, tendo em vista uma saída negociada para Maduro. Algumas outras fontes adicionam à lista de possíveis desertores o ministro do interior Néstor Luis Reverol.

De acordo com fontes da oposição, o plano era que a Corte Suprema de Justiça declarasse a Assembleia Nacional como instituição legítima de poder, dando assim ao Exército uma justificativa legal para abandonar Maduro completamente. Um elemento essencial para a seriedade do plano foi a libertação de Leopoldo López pelo chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência, Christopher Figuera.

E o que deu errado? Especula-se que as figuras chaves do regime mencionadas acima mantinham contato com a oposição e estavam de acordo com seu plano de ação. Mas também atuavam como informantes para Maduro. Essa é a linha que veio a ser adotada pelos apontados como supostos infiltrados, depois do fracasso do levante, especialmente Vladimir Padrino López, que garantiu publicamente que a oposição tentou "comprá-lo".

Os Estados Unidos revelaram que Padrino López, Moreno e Hernández Dala aceitaram o plano e dele participaram, embora os acusados o neguem veementemente. Também existem registros no Twitter, por alguns diplomatas em Caracas, que garantem que, dos supostamente envolvidos na conspiração, Padrino López era o agente duplo mais provável.

Também existem outras teorias, como a de que a oposição jogou muito mal as suas cartas, porque, ao ouvir rumores de que a trama havia sido descoberta, seus líderes colocaram o movimento nas ruas antes do planejado, o que assustou os conspiradores mais próximos do regime e condenou o plano ao fracasso.

Qualquer que tenha sido a sequência real dos acontecimentos de 30 de abril, Maduro sem dúvida perdeu força. A deserção do chefe do serviço de inteligência, Figuera –que aparentemente deixou o país– foi a mais séria que o regime sofreu até o momento.

Assim, Maduro agora está tentando reforçar seu apoio entre os militares, pois restam dúvidas sobre a lealdade de outros líderes a ele, por exemplo o ministro da defesa Freddy Bernal, uma figura leal ao regime que supervisiona o programa governamental de distribuição de alimentos e alertou que a primeira tentativa de rebelião foi só um ensaio e pode se repetir a qualquer momento.

Mas o levante foi positivo para a oposição? Tampouco. Por prometer que o regime de Maduro estava chegando ao fim, Guaidó perdeu credibilidade nas fileiras da oposição e junto ao público mais amplo.Também existem sinais de fadiga e desânimo, na oposição. Um exemplo disso foi a convocação de um protesto em 5 de maio, diante de bases militares venezuelanas, que foi atendida por poucos militantes.

As divisões existentes na oposição também são evidentes. Em um dos extremos, há quem peça a Guaidó que solicite uma intervenção militar dos Estados Unidos, enquanto no extremo oposto a pressão é pela busca de um acordo negociado. As divisões também cresceram com a decisão do Grupo de Lima de convidar Cuba para agir como intermediária, e também com a libertação de Leopoldo López, que além de ser uma figura carismática mas controversa na oposição, tem inimigos dentro dela.

É pouco provável que vejamos Juan Guaidó encarcerado, apesar das constantes ameaças do governo. Os membros mais leais do regime parecem ter chegado à conclusão de que Guaidó é mais inofensivo do que parece, e de que prendê-lo representa o risco de criar um "mártir" para a população, e provocar reação dos Estados Unidos.

A situação é muito delicada e o aprofundamento das rachaduras no regime reforça minha impressão de que Nicolás Maduro renunciará ao cargo no segundo semestre deste ano ou no começo de 2020. Ainda que haja muitos riscos nessa previsão, é importante assinalar que, historicamente, levantes bem sucedidos costumam ser antecedidos por levantes fracassados.

Chegou o momento de os militares interpretarem o que está acontecendo e decidir o que estão dispostos a fazer em resposta. É possível que, em um futuro não muito distante, vejamos a Venezuela avançar para um cenário no qual os militares tomem o controle total, sem Maduro, mas não necessariamente em linha com os termos e a agenda de Guaidó para a transição. O que virá serão tempos de grande incerteza, para uma Venezuela já muito combalida.

Ricardo Aceves é um economista mexicano radicado na Espanha. É especializado em temas macroeconômicos latino-americanos, e trabalha como analista de riscos para a agência de classificação de crédito italiana CRIF Ratings. Anteriormente trabalhou como economista sênior para a América Latina na consultoria FocusEconomics.

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Tradução de Paulo Migliacci

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