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A portas fechadas, Pompeo critica plano de Trump para o Oriente Médio

Secretário de Estado diz entender porque as pessoas acham que proposta é favorável a Israel

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The Washington Post

Em reunião a portas fechadas com lideranças judaicas, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, apresentou uma visão pouco otimista das perspectivas de êxito do longamente aguardado plano de paz no Oriente Médio preparado pela administração Trump, dizendo que “seria possível argumentar” que o plano é “inexequível” e talvez não “ganhe impulso”.

Ele expressou esperança de que o plano não seja simplesmente rejeitado sem ser estudado seriamente.

“É possível que seja rejeitado. Pode ser que no fim das contas as pessoas digam ‘não é muito original, não funciona muito bem para mim’, ou ‘o plano tem duas coisas boas e nove coisas ruins, estou fora’”, disse Pompeo, segundo gravação de áudio da reunião a portas fechadas à qual o jornal The Washington Post teve acesso.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, durante visita a Berlim na sexta (31)
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, durante visita a Berlim na sexta (31) - Fabrizio Bensch - 31.mai.19/Reuters

“A grande pergunta é se vamos conseguir espaço suficiente para termos uma discussão real sobre como isto pode ser desenvolvido”, ele disse.

São os comentários mais francos ouvidos até agora de um representante dos EUA sobre algo que o presidente Donald Trump descreveu como “o acordo do século”, um esforço para resolver a disputa entre israelenses e palestinos, que ele confiou a seu genro, Jared Kushner, e a seu ex-advogado Jason Greenblatt.

O anúncio do plano já foi adiado várias vezes, algo ao qual Pompeo chamou a atenção.

“Estamos levando mais tempo para lançar nosso plano do que eu pensei originalmente que levaria, para dizer pouco”, ele disse numa reunião na terça-feira (28) da Conferência de Presidentes das Grandes Organizações Judaicas, uma entidade sediada em Nova York que trabalha com questões que afetam a comunidade judaica.

Procurando controlar as expectativas, Pompeo disse que “não há garantias de que sejamos nós que vamos desbloqueá-lo”, aludindo ao conflito israelo-palestino. “Espero que todos se engajem de maneira séria.”

Pompeo também reconheceu a visão comum de que o acordo será unilateralmente favorável ao governo de Israel. “Entendo por que as pessoas pensam que este será um acordo que só os israelenses podem apreciar”, ele disse. “Entendo essa percepção. Espero que todos criem um espaço para ouvir e deixar a proposta penetrar um pouco na cabeça das pessoas.”

Desde que o presidente americano anunciou planos para resolver o conflito que se arrasta há décadas, os Estados Unidos adotaram uma série de medidas que atraíram oposição palestina veemente, incluindo o reconhecimento de Jerusalém como a capital israelense sem um acordo de status final, o corte de assistência à Autoridade Palestina e à agência de refugiados da ONU que os auxilia, obrigar a representação diplomática palestina em Washington a ser fechada e reconhecer a soberania israelense sobre as Colinas de Golã.

Duas pessoas presentes na reunião disseram ter ficado com a impressão de que Pompeo não está otimista quanto às chances de êxito do plano. Ambas exigiram anonimato para falar porque os termos da reunião não podem ser divulgados publicamente.

Elan Carr, o enviado especial do Departamento de Estado para o combate ao antissemitismo, esteve presente na reunião e expressou visão diferente. Para ele, Pompeo “fez uma avaliação esperançosa das perspectivas de um acordo de paz entre Israel e os palestinos”.

Em comunicado divulgado pelo Departamento de Estado, Carr disse: “Foi um briefing excelente que foi muito bem recebido pela conferência”.

Aaron David Miller, ex-negociador e analista de questões do Oriente Médio em administrações republicanas e democratas, disse que a fala de Pompeo foi “a avaliação mais realista e reveladora do plano que ouvi até agora”.

“O fato de Pompeo reconhecer tão prontamente a percepção –provavelmente a realidade— de que o plano é fortemente estruturado e enviesado em favor de Israel é surpreendente”, disse Miller.

O CEO da organização que sediou o evento, Malcolm Hoeinlein, considerou que as declarações de Pompeo refletiram sua consciência das alegações sobre um viés pró-Israel, mas não a opinião que Pompeo tem do plano. “Ele quis dizer que é muito fácil cair na armadilha dessas avaliações negativas”, disse Hoeinlein.

Diferentemente de secretários de Estado anteriores, Pompeo não está no comando do esforço de paz, mas disse às lideranças judaicas que é mantido a par de todos os detalhes da proposta, incluindo a estratégia de o que fazer no caso de Israel anexar territórios na Cisjordânia. “Creio que já tive acesso a todos os detalhes do que vamos lançar”, disse Pompeo.

Kushner, investidor imobiliário de Nova Jersey, e Greenblatt, o ex-assessor jurídico chefe de Trump e da Organização Trump, lideram a iniciativa desde que o presidente chegou ao poder. Os dois, ambos judeus ortodoxos praticantes, não tinham experiência política anterior, mas compartilham vínculos e um interesse de longa data pelo Estado de Israel.

Pompeo disse que a administração nunca pensou que seria fácil fechar um acordo de paz duradoura. “Não temos nenhuma ilusão de que vamos apresentar este plano e que todo o mundo diga ‘onde vai ser a cerimônia de assinatura?’. As coisas não funcionam assim.”

Quando Pompeo fez suas observações, na noite de terça-feira, tudo já indicava que o plano de paz seria uma batalha difícil. Mas ela topou com mais um obstáculo importante um dia depois, quando o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, não conseguiu formar uma coalizão para governar o país, e o Parlamento israelense votou para se dissolver, obrigando o país a encarar novas eleições em setembro.

Agora, se a Casa Branca quiser evitar o lançamento de um plano de paz durante um período complicado de campanha eleitoral para Netanyahu, terá que aguardar pelo menos até novembro, quando se prevê que seja formado um novo governo israelense. Nessa época Trump estará intensificando sua própria campanha de reeleição.

Pompeo disse que o Departamento de Estado considerou detalhadamente o que fazer se o plano “não ganhar ímpeto”.

“Não quero dizer que ele pode falhar”, disse Pompeo. “Podemos chamar a isso como quisermos. Eu cometo muitas falhas, por isso não quero usar uma palavra desse tipo.”

Os planos de contingência abrangem a resposta a ser dada no caso de o governo israelense decidir anexar territórios na Cisjordânia, algo que, para muitos, representaria a sentença final de morte de uma solução de dois Estados.

Em sua campanha eleitoral, Netanyahu prometeu que, se vencesse a eleição, anexaria assentamentos israelenses na Cisjordânia, uma medida vista por boa parte da comunidade internacional como ilegal. É possível que ele também enfrente pressão de parceiros de direita na coalizão para aproveitar o tempo restante antes da próxima eleição nos Estados Unidos.

Um plano de paz que preveja o direito de soberania de Israel sobre certas áreas da Cisjordânia pode reforçar os chamados dos setores que defendem a anexação.

Se Israel levar as anexações adiante, a administração americana analisará “quais seriam as melhores maneiras de alcançar os resultados que acreditamos ser os melhores interesses dos EUA e de Israel”, disse Pompeo.

Quando um participante perguntou se há algum esforço sendo feito para conseguir a adesão dos palestinos ao plano, Pompeo respondeu que “todo o mundo encontrará algo para odiar na proposta”, mas que todos, incluindo os palestinos, “verão que ele traz algo a partir do qual é possível construir mais”.

Autoridades palestinas enxergam o plano da Casa Branca como sendo inevitavelmente enviesado contra os palestinos.

Em discurso transmitido recentemente pela Palestine TV, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse que o “acordo do século” e a cúpula econômica próxima no Bahrein organizada pela administração Trump para os palestinos podem “ir para o inferno”.

O objetivo da cúpula no Bahrein é angariar apoio ao componente econômico do plano de paz da administração, sem se deixar atolar nas disputas territoriais, mais contenciosas

Abbas disse que as autoridades palestinas vão boicotar a cúpula.

Pompeo disse que, se o Kuait participar da cúpula, todos os Estados do Golfo Pérsico estarão representados no Bahrein, “pelo menos para ouvir”. Ele disse que seria difícil esperar que os países do Golfo manifestassem apoio pleno ao processo quando ainda não tiveram acesso ao plano na íntegra.

Críticos da abordagem da administração Trump chamaram a atenção para o fato de que a cúpula econômica não está sendo promovida em conjunto com discussões políticas.

“Não dá para discutir desenvolvimento econômico sério sem resolver as questões de segurança e políticas que permitem a atuação de investidores, o crescimento econômico interno e o emprego”, disse Miller.

Tradução de Clara Allain

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