Acordo com Trump vira desafio para a popularidade de presidente do México

AMLO adota tom vitorioso, mas não explica como lidará com aumento da imigração

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Buenos Aires

“Ganhamos! Emergimos desta crise com a dignidade intacta”, disse o presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, ao dirigir-se no sábado (8) a uma multidão que o ovacionava em Tijuana, na fronteira com os EUA.

A ideia do comício próximo da divisa a princípio era dar uma demonstração de que o México resistiria às tarifas que a administração Donald Trump pretendia impor aos produtos do país a partir desta segunda (10). O americano acabou derrubando a medida na sexta (7) à noite.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, participa de comício em Tijuana, próxima à fronteira com os Estados Unidos, neste domingo (9)
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, participa de comício em Tijuana, próxima à fronteira com os Estados Unidos, neste domingo (9) - Fernando Ramírez/Xinhua

Mas AMLO (como é conhecido) impôs seu estilo, transformando o evento no símbolo de uma vitória, mencionando que as tarifas caíram, mas sem tocar no assunto mais grave: o custo que o acordo terá para o México, que agora terá de deter a volumosa imigração proveniente da América Central

A celebração deu ao presidente mexicano mais uma oportunidade de usar e abusar de seu discurso populista. 

Numa das entrevistas coletivas da semana passada, uma jornalista lhe perguntou se “o México dependia dos EUA mais que os EUA do México”. AMLO respondeu de braços abertos e o sinal de paz e amor, dizendo “sou dono de meu silêncio”.

“O presidente é muito hábil com suas palavras, e seu discurso é nacionalista, paternalista e populista, além de evocar líderes da Revolução Mexicana (1910), algo que é muito valioso para a população”, diz à Folha Jean François Prud’homme, diretor do centro de estudos internacionais do Colegio de México.

Até agora, alguns desses gestos garantiram sua alta popularidade: abrir mão de parte de seu salário, desistir de viver no palácio presidencial, insistir em usar aviões comerciais e dispensar a segurança (“o povo me protege”, diz).

Outra de suas características que a população adora é a de não apegar-se a uma liturgia do cargo, cercado de solenidades e simbologias que reforçavam a ideia de que o poder no México pertencia a uma aristocracia sólida, sistema instituído pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou o país por mais de 70 anos.

Essa postura vem segurando sua aprovação popular em níveis altos, apesar de uma leve deterioração. 

Quando terminou seus primeiros 100 dias de governo tinha 80% —agora, passados seis meses, tem 70%.
Porém, apesar de ter evitado a maior crise diplomática com os EUA dos últimos anos, AMLO se encontra diante de um grande problema.

O México terá de conter a imigração centro-americana, formada por hondurenhos, salvadorenhos e guatemaltecos que fogem da crise humanitária em seus países.

A primeira ação mexicana será enviar cerca de 6.000 soldados para a fronteira com a Guatemala. A ideia é impedir a entrada de novos imigrantes e também perseguir os “coyotes” —responsáveis por traficar os refugiados por pontos não vigiados da fronteira.

Para quem havia anunciado, em campanha, um trato mais humanitário no tema da imigração, a administração AMLO tem feito justamente o contrário. 

Nos primeiros cinco meses de 2019, por exemplo, triplicou o número de deportações em relação ao mesmo período no ano passado, na administração de Enrique Peña Nieto. E esse esforço agora terá de aumentar ainda mais.

Outro desafio é o que fazer com os centro-americanos que já estão no México e que planejavam chegar aos EUA.  

Segundo o acordo firmado na última sexta, caberá ao México fornecer segurança, alimentação e documentação a esse contingente para que eles permaneçam no país e desistam de cruzar a fronteira.

Atualmente há cerca de 30 mil pessoas nessa situação dentro do México, e a previsão é que o número em breve ultrapasse os 100 mil. 

“O custo será imenso, incalculável neste momento” disse Duncan Wood, diretor do Mexico Institute, do Wilson Center de Washington.

 O ex-chanceler e analista político Jorge Castañeda acrescenta: “Terão de ser recrutados muitos oficiais e aumentar o número de pessoas nos postos alfandegários. Mandar tantas tropas para a fronteira sul significará tirar segurança de outras partes do território.”

A crise migratória colaborou ainda para que a confiança dos investidores estrangeiros no México caísse. As agências Fitch e Moody’s rebaixaram nas últimas semanas suas notas com relação ao país.

As previsões de crescimento da economia neste ano também vêm caindo. Projeção da OCDE  feita no ano passado era de crescimento de 2,5% para 2019. Aos 100 dias de governo, caiu para 2%. Agora, já se fala em 0,8% apenas.

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