Descrição de chapéu The Washington Post

Agulhas usadas podem ser responsáveis por surto de HIV em crianças no Paquistão

Médico foi preso, acusado de contaminar dezenas de pacientes com o vírus

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Shaiq Hussain Siobhán O'Grady
Islamabad | The Washington Post

As autoridades de saúde do Paquistão estão tentando urgentemente controlar um surto de HIV no sul do país depois de o vírus ter sido diagnosticado em 700 pessoas, em sua maioria crianças, nas últimas semanas.

Autoridades de saúde acreditam que o surto se deva em parte à reutilização em crianças de seringas não esterilizadas na província de Sindh, no sul do país. O surto vem provocando ansiedade generalizada em um país onde o sistema de saúde já é visto com desconfiança e há ceticismo em relação aos programas de imunização.

Um surto desse tipo é incomum entre crianças, que geralmente contraem HIV de suas mães durante a gestação, no parto ou quando são amamentadas. Com o aumento do número de casos, especialistas temem que o vírus da Aids se alastre.

“As investigações iniciais revelam que seringas usadas estão sendo reembaladas e reutilizadas. Isso provocará um aumento grande não apenas nos casos de HIV, mas de outras doenças também”, disse em entrevista coletiva na semana passada Zafar Mirza, diretor de saúde do Paquistão. “O uso de seringas não seguras pode ser uma dos motivos do alastramento da doença, mas o governo está fazendo um esforço coordenado para averiguar a causa exata.”

O receio de que o HIV esteja se alastrando rapidamente cresceu em abril, depois de pais na cidade de Ratodero terem alertado médicos locais que seus filhos adoeceram com febres incontroláveis, um sintoma precoce comum do HIV. Quando exames revelaram que essas crianças tinham contraído HIV, sendo que a maioria dos pais não tem o vírus, autoridades de saúde ficaram perplexas.

As autoridades então identificaram um médico individual ligado a várias das famílias. Ele foi preso no final de abril, acusado de contaminar dezenas de pacientes com o vírus, graças a seringas não seguras. A polícia mais tarde arquivou um inquérito para apurar se ele infectou as crianças intencionalmente, mas a investigação continua e o médico continua detido.

O advogado do médico disse à CNN que seu cliente não usou seringas contaminadas e que está sendo usado “como bode expiatório para explicar uma crise maior na região”.

Enquanto se espalhava pela província de Sind a notícia de que muitas crianças tinham sido contaminadas com HIV, milhares de pessoas foram a centros de saúde locais pedindo para ser testadas. Os hospitais ficaram superlotados, disse Mirza, e centenas de outras pessoas receberam diagnósticos positivos.

Nisar Ahmed, cuja filha de um ano recebeu recentemente um resultado positivo em seu exame de HIV, disse à agência de notícias AFP que muitas crianças em seu povoado receberam o mesmo diagnóstico.

Médico paquistanês realiza exame de HIV - Rizwan Tabassum/AFP

“Amaldiçoo esse médico que espalhou esta doença entre as crianças”, disse.

Desde que o surto começou, as autoridades fecharam clínicas que não teriam condições de segurança apropriadas. Especialistas disseram que é provável que o programa ultrapasse de longe um único médico, porque a reutilização de seringas é comum na região.

“Acho difícil imaginar que seria apenas uma seringa, um médico ou apenas um lote de seringas”, disse Werner Buehler, gerente sênior de portfólios do Fundo Global para o Combate à Aids, Tuberculose e Malária.

Quando centenas de pessoas recebem diagnósticos positivos em um prazo tão curto, tudo indica que a reutilização de seringas é uma prática comum, disse. E o fato de uma grande maioria das pessoas contaminadas ser crianças é “excepcional”. Já houve surtos de HIV anteriores nessa região do Paquistão, mas normalmente afetaram setores mais velhos da população e se deveram aos altos índices de soropositivos entre trabalhadores sexuais e usuários de drogas injetáveis.

A reutilização de seringas em clínicas e hospitais é proibida porque agulhas podem facilmente transmitir vírus como o HIV e o da hepatite C entre pacientes. Embora seja considerado imperícia médica, a reutilização de seringas é frequente no Paquistão, “especialmente entre os setores pobres da população”, disse Quaid Saeed, assessor do Programa Nacional de Controle da Aids.

No final de maio a Organização Mundial de Saúde enviou uma equipe à região, a pedido do governo paquistanês, para investigar a causa do surto. A equipe vai anunciar suas conclusões neste mês.

Enquanto isso, o diretor de saúde Mirza disse que o país pediu 50 mil kits adicionais de exames e pretende montar três novos centros de tratamento na província de Sindh, onde o surto começou.

Mesmo antes do surto atual o Paquistão estava muito longe de alcançar a meta ambiciosa de “90-90-90” definida pelas Nações Unidas para o tratamento e a prevenção global do HIV. Até 2020 o Unaids (o programa das Nações Unidas para o combate à Aids) visa ter diagnosticado o HIV em 90% das pessoas contaminadas, dado retrovirais a 90% delas e suprimido o vírus em 90% das pessoas tratadas.

Mas a agência avisou que a epidemia está crescendo no Paquistão, com os casos entre jovens aumentando 29% entre 2010 e 2017.

De acordo com Mirza, há 163 mil soropositivos e portadores do vírus HIV no Paquistão, o que seria uma estimativa conservadora. Mas apenas uma parcela pequena está cadastrada em programas públicos de atendimento, em grande medida, segundo Mirza, porque a Aids é estigmatizada no país, vista como motivo de vergonha.

O fato de a maioria dos diagnósticos das últimas semanas ter sido de crianças cria outro desafio: o número de retrovirais próprios para crianças é limitado, porque o HIV é menos comum em crianças que em adultos. Antes deste surto a OMS havia documentado apenas 1.200 casos de crianças sendo tratadas com antiretrovirais em todo o país.

O aumento nos casos de HIV será um revés sério para as autoridades de saúde paquistanesas.

O país luta há décadas contra a visão equivocada de que a vacina antipólio causa paralisia e infertilidade. Foram feitos avanços grandes em persuadir comunidades ainda resistentes a aceitar a vacina, que é administrada por uma gota na boca. O número de casos de pólio caiu de 20 mil em 1994 para apenas 12 no ano passado.

Mas neste ano houve pânico quando circularam rumores de que a vacina antipólio estaria levando crianças a adoecer. Em questão de três semanas, seis vacinadores ou seus guardas foram mortos a tiros, obrigando as autoridades a suspender temporariamente os esforços de vacinação, e pelo menos 15 novos casos de pólio foram informados este ano.

Tradução de Clara Allain

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