'É possível destruir relação entre países muito rapidamente', diz embaixador do Irã no Brasil

Seyed Ali Saghaeyan defende relacionamento com governo brasileiro, mas pede foco em perspectiva pragmática

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São Paulo

O Irã não está inclinado a deixar que questões no Oriente Médio afetem as relações com países amigos como o Brasil, mesmo que eles queiram se alinhar aos EUA.

Essa é a opinião do embaixador do Irã no Brasil, Seyed Ali Saghaeyan, em relação à aproximação do Brasil a inimigos geopolíticos dos iranianos, como os EUA, que acabam de impor mais sanções contra o país persa, e Israel. 

Saghaeyan, porém, adverte que uma boa relação, construída ao longo de mais de um século, pode ser destruída rapidamente.

“Construir uma relação forte e amigável entre países leva tempo e precisa de muito investimento”, afirma ele por email à Folha, em rara entrevista. “Mas é possível destruir essa relação muito fácil e rapidamente.” O representante do Irã está no Brasil desde fevereiro de 2017.  

Saghaeyan também passa um recado ao governo brasileiro em relação às exportações para o Irã, um dos maiores compradores de carne bovina, milho e soja do Brasil: “O governo brasileiro poderia lidar com esses problemas bancários [decorrentes das sanções dos EUA] para que possamos manter nossas importações agrícolas do Brasil, sem ter que pensar em outras fontes para nossas necessidades.” 

Seyed Ali Saghaeyan, embaixador do Irã , durante audiência em Brasília
Seyed Ali Saghaeyan, embaixador do Irã , durante audiência em Brasília - Washington Costa - 18.out.18/Ministério da Economia/Divulgação

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, participou de uma reunião em Varsóvia, em fevereiro, promovida pelos EUA para fortalecer a coalizão contra o Irã. O deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, afirmou que o Brasil deveria ajudar na contenção do Irã e se aproximar de países sunitas como Arábia Saudita e Emirados Árabes. O Brasil ainda é um país amigo do Irã? 

Irã e Brasil, duas potências regionais e internacionais emergentes, mantêm uma relação formidável há mais de um século [desde 1903]. 

Após a revolução islâmica no Irã em 1979, os governos iranianos sempre tiveram um relacionamento bom e construtivo com absolutamente todos os governos brasileiros, independentemente de suas filiações políticas ou ideológicas, seja o governo FHC, Lula, Rousseff ou Temer. 

O governo do presidente Bolsonaro não é exceção, e nós demonstramos em diferentes ocasiões, como no caso das congratulações do presidente Rouhani apenas uma semana após a eleição do presidente Bolsonaro.

Eu também tive a honra de encontrar o vice-presidente, general Hamilton Mourão, duas vezes nos meses recentes [segundo a agenda de Bolsonaro, ele não esteve com o embaixador iraniano, mas recebeu o embaixador de Israel e o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos]. 

Construir uma relação forte e amigável entre países leva tempo e precisa de muito investimento político, econômico e cultural, mas é possível destruir uma relação muito fácil e rapidamente. 

Eu acho que o Brasil e o Irã, até agora, têm demonstrado a maturidade e vontade de construir essa relação. Achamos que é do interesse das duas nações que os governos superem as diferenças políticas e ideológicas e se concentrem em uma perspectiva construtiva e pragmática.

Filipe Martins, assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, afirmou que “o Oriente Médio vem se tornando uma região mais calma do que o usual, graças principalmente à diplomacia de Trump, que reconstituiu e aprofundou a aliança com regimes tradicionais sunitas”. 

Nós acreditamos que nossos problemas regionais, sejam as tensões desnecessárias com países vizinhos no Golfo Pérsico ou a questão da Palestina ocupada, são muito distantes geograficamente desta parte do mundo [América do Sul]. 

Além disso, são decorrência de nossas relações com os EUA, que são os maiores patrocinadores de Israel. Nós não estamos inclinados a deixar que questões no Oriente Médio afetem nossas relações com países amigos, mesmo que eles queiram se alinhar aos Estados Unidos.

O presidente do Irã, Hassan Rouhani, afirmou na terça-feira (25) que a Casa Branca é “retardada mental” e que as últimas sanções americanas são “idiotas e ultrajantes”. Qual é o impacto das sanções sobre a população?

A saída dos EUA do acordo nuclear de 2015, que foi endossado por resolução do Conselho de Segurança da ONU, foi uma quebra da lei internacional. 

Após essa saída ilegal, em maio de 2018, o governo Trump reimpôs todas as sanções extraterritoriais contra o Irã que haviam sido retiradas com o acordo. 

Esse terrorismo econômico de Trump impõe pressões sobre o dia a dia dos iranianos, porque produz uma inflação artificial e escassez de produtos, em decorrência do bloqueio à livre circulação de mercadorias, principalmente no setor de energia [proibição de compra e investimento no setor iraniano de petróleo e gás], e proibição de transações bancárias e financeiras em dólar com o Irã.

Mesmo assim, o Irã continua a fazer comércio com países amigos, embora com mais dificuldade.

Os EUA também anunciaram que irão impor sanções contra o chanceler iraniano, Mahammad Javad Zarif.

 

As sanções absurdas da semana passada e as que possivelmente serão impostas contra o ministro Zarif nos próximos dias são apenas ações de guerra psicológica, sem nenhum efeito econômico concreto. 

No entanto, essas ações podem fechar permanentemente a janela de diálogo entre o Irã e o governo Trump. Alguns atores domésticos e estrangeiros, que o ministro Zarif chama de equipe B [ele se refere ao assessor de segurança nacional, John Bolton, e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que pregam ações mais enérgicas contra o Irã], estão tentando arrastar os EUA para uma armadilha e usando o dinheiro do contribuinte americano para seu próprio proveito. 

Sob o governo Trump, os EUA estão perdendo legitimidade como líder mundial, até para seus aliados mais próximos, como os europeus. E é por isso que o establishment político e a opinião pública querem uma mudança de inquilino na Casa Branca em 2020. 

O Irã é um dos maiores compradores de carne bovina brasileira. Mas exportadores disseram ao jornal Valor que as novas sanções americanas afetaram o comércio com o Irã, e que nos últimos dois meses importadores iranianos não fizeram compras, por falta de acesso a divisas. Há queda nas importações iranianas de carne brasileira? 

O Irã tem sido um dos maiores compradores de carne bovina, milho, soja, sementes e trigo do Brasil. Nenhuma das sanções americanas proíbe diretamente a compra de alimentos e remédios —por isso tivemos um aumento significativo nas compras de soja americana neste ano, por exemplo. 

Mas há alguns problemas bancários devido às sanções. Na nossa visão, o governo brasileiro poderia lidar com esses problemas bancários para que possamos manter nossas importações agrícolas do Brasil, sem ter que pensar em outras fontes para nossas necessidades. 

Como o chanceler Ernesto Araújo disse na Fiesp no dia 8 de abril, o Brasil tem um grande comércio com o Irã e quer mantê-lo e expandi-lo. Apesar dessa situação, o comércio entre Irã e Brasil vem se mantendo, e até se ampliando. 

De janeiro a maio deste ano, exportações brasileiras para o Irã chegaram a US$ 1,1 bilhão, aumento de 22,6% em comparação ao mesmo período no ano anterior. As exportações do Irã para o Brasil foram de US$ 11 milhões no período, aumento de 401%. E a exportação de carne bovina para o Irã não sofreu interrupção e chegou a US$ 32 milhões somente em maio deste ano.

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