Mohamed Mursi, primeiro presidente do Egito eleito democraticamente, foi enterrado de maneira discreta nesta terça (18) em Medinat Nasr, um bairro da cidade do Cairo, informou um de seus filhos, Abdullah Mohamed Mursi.
O ex-governante morreu aos 67 anos na segunda (17) após ter um ataque cardíaco durante uma audiência na qual era julgado por acusações de espionagem.
Ele foi sepultado em uma pequena cerimônia familiar em um túmulo próximo a outros líderes da Irmandade Muçulmana, grupo do qual fazia parte.
"Lavamos seu corpo nobre no hospital da prisão de Tora e oramos por ele", disse outro de seus filhos, Ahmed Mursi, em uma rede social.
Jornalistas foram impedidos de entrar no cemitério para acompanhar o enterro, e a imprensa do país, fortemente controlada pelo governo, deu pouca atenção ao funeral —somente um jornal privado, Al-Masry Al-Youm, mencionou o ex-presidente na primeira página.
A Irmandade Muçulmana, banida no Egito, descreveu a morte de Mursi como um "assassinato" e convocou a multidão a se reunir para marcar sua morte.
Houve forte presença de segurança na noite de segunda-feira em torno da prisão do Cairo onde Mursi estava detido. Contudo, não havia sinais de protesto nas ruas da cidade na manhã desta terça.
Membros da Irmandade Muçulmana tomaram as ruas de Ancara e Istambul, na Turquia, em um misto de funeral e protesto. O governo turco era próximo a Mursi, e líderes muçulmanos prometeram funerais simbólicos nas 81 províncias do país. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, chamou o ex-líder de "mártir".
Outros ex-aliados de Mursi e opositores do atual presidente do Egito, o ex-chefe do exército Abdel Fattah al-Sisi, expressaram condolências pelas mídias sociais, alguns condenando as condições em que o dirigente era mantido.
A morte do ex-presidente é um momento delicado para as autoridades egípcias. Sob o comando de Sisi, que, como chefe do exército, liderou a saída de Mursi, os oficiais reprimiram a Irmandade Muçulmana e seus seguidores. Segundo eles, o grupo é uma ameaça contínua à segurança do país.
A Irmandade afirma que é um movimento não violento.
Autoridades egípcias negaram acusações de que a saúde de Mursi, preso há seis anos no complexo de Tora, foi negligenciada. A morte aumentará a pressão internacional sobre o governo do Egito em relação às condições nas prisões onde milhares de islamistas e ativistas seculares são mantidos.
A ONU pediu nesta terça uma investigação independente sobre a morte do ex-presidente, dizendo que o inquérito deve questionar todos os aspectos de seu tratamento durante os anos em que ficou sob custódia.
“Preocupações sobre as condições de detenção do sr. Mursi foram levantadas, incluindo o acesso a cuidados médicos adequados, bem como acesso suficiente aos seus advogados e familiares, durante seus quase seis anos sob custódia. Ele também parece ter sido mantido em confinamento solitário prolongado ", disse o porta-voz dos direitos humanos da ONU, Rupert Colville.
Primeiro e único presidente democraticamente eleito do Egito, Mursi chegou ao poder em junho de 2012, na esteira da Primavera Árabe, que derrubou o ditador Hosni Mubarak. Mursi também foi o primeiro civil a comandar o país de maneira não interina.
A vitória por meios democráticos marcou uma mudança radical na história do país, cuja escolha de líderes, desde o fim da monarquia, em 1952, era baseada no apoio de militares.
Líder da Irmandade Muçulmana no país, Mursi prometeu uma agenda islâmica moderada que colocaria o Egito em uma nova era democrática, na qual a autocracia seria substituída por um governo transparente, com respeito pelos direitos humanos e que traria de volta a riqueza de um poderoso país árabe em declínio.
Ele acabou sendo derrubado um ano depois, em julho de 2013, por um golpe militar, em meio a uma série de protestos contra seu governo. O novo regime logo prendeu o ex-presidente, baniu a Irmandade Muçulmana e deteve uma série de intelectuais e políticos adversários.
Mursi cumpria pena de 20 anos pela morte de manifestantes durante os protestos em 2012 e de prisão perpétua por espionagem em um caso relacionado ao Catar —ele negava todas as acusações.
Galeria: Confrontos no Egito
Egito moderno tem história marcada por poder dos militares
1922 Egito oficialmente se torna independente e vira uma monarquia; o Reino Unido, porém, mantém o controle militar e diplomático
1952 Revolta contra a influência britânica derruba o rei e país se transforma em uma república; o general Mohamed Naguib assume como presidente
1954 Líder da Revolução de 1952 e figura mais popular do país, o coronel Gamal Abdel Nasser força Naguib a renunciar após este se recusar a banir a Irmandade Muçulmana
1956 Nasser é eleito presidente e nacionaliza o canal de Suez; com discurso contra Israel e defensor do pan-arabismo, ele aproxima o Egito da União Soviética
1970 Nasser morre em setembro após sofrer um ataque cardíaco e uma multidão acompanha seu funeral; seu vice, o coronel Anwar Sadat, assume a Presidência e aproxima o país dos EUA
1981 Sadat é assassinado por fundamentalistas islâmicos que estavam insatisfeitos com o acordo feito por ele com Israel; ele é substituído por seu vice, o marechal do ar Hosni Mubarak
2011 Em meio a Primavera Árabe, milhões vão às ruas protestar contra o regime e Mubarak renuncia, cedendo o poder para uma junta militar, que permite a volta dos partidos e da Irmandade Muçulmana
2012 Nas primeiras eleições livres da história do Egito moderno, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, é eleito presidente
2013 Mursi é derrubado por um golpe militar liderado pelo general Abdel Fattah el-Sisi, que nomeia o presidente da Suprema Corte, Adly Mansour, como presidente interino
2014 Com opositores barrados e a Irmandade Muçulmana impedida de concorrer, Sisi vence a eleição com 96,9% dos votos e se torna presidente; em 2018 ele é reeleito com 97% de apoio
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.