Filme desvela cotidiano de refugiados sírios em acampamento

Documentário mostra a vida em Zaatari, na Jordânia, um dos maiores assentamentos do mundo

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São Paulo

Uma mulher com o rosto quase coberto por uma burca tapa seus olhos com as mãos e relembra, em voz alta, as manhãs de domingo em que cozinhava arroz e assava pão para seus filhos.

Dois homens pintam um mural para recordarem Homs, a terceira maior cidade da Síria, destruída pela guerra civil que assola o país há oito anos. "Vamos pintar a Homs real", diz um deles.

As cenas fazem parte do documentário "Zaatari - Memórias do Labirinto", em cartaz em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em noventa minutos, o espectador acompanha o cotidiano dos moradores de um campo de refugiados no deserto de Mafraq, na fronteira norte da Jordânia com a Síria.

Zaatari é um dos maiores assentamentos de refugiados do mundo, no qual vivem 78,5 mil pessoas, segundo dados da ONU. Localizado em território da Jordânia, compreende uma área delimitada por "cercas, trincheiras e blindados", diz o diretor paulistano Paschoal Samora, 51.

O campo existe há sete anos, período no qual passou de uma pequena coleção de barracas a um local com funcionamento típico de uma cidade, com ruas de comércio, escolas, postos de saúde e casas pintadas pelos moradores.

A trama acompanha a rotina de personagens como Fatima Ahmad Al-Dabaas, que se tornou fotógrafa após um curso breve no acampamento.

Para ela, que hoje é professora de fotografia, o ofício é não só uma técnica, mas também um recurso para expressar sua subjetividade. "Numa sociedade machista, expressar seu olhar é uma forma de resistir", diz o diretor.

Ou a rotina do agricultor Bader Al-Shilbi, que cuida de um jardim em sua nova casa para lembrar do "terreno de 70 ou 80 mil metros quadrados" que tinha na Síria. As flores são plantadas com a única coisa que conseguiu trazer do país natal: um punhado de terra.

"O que fiz foi um filme sobre a guerra, mas que se passa no exílio", afirma o diretor. "O mais traumático no exílio é que você deixa para trás toda a sua memória afetiva. Tudo desaparece, a relação que você tem com a rua, com o espaço."

A guerra civil na Síria começou em 2011, com a repressão do governo a protestos pacíficos em Damasco e Deraa contra o ditador Bashar al-Assad. 

O saldo até hoje é de mais de 500 mil mortos e seis milhões de deslocados internos, de acordo com a Acnur, a agência para refugiados da ONU. Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, o confronto criou a pior crise de migração desde a Segunda Guerra, e os sírios representam um terço da população total de refugiados do mundo.

Filmar em um acampamento de refugiados constantemente vigiado pela polícia da Jordânia não foi tarefa fácil, diz o diretor. Durante os 45 dias de gravação, no final de 2016, os passaportes da equipe eram checados diariamente, e um policial os acompanhava todo tempo, auxiliando na entrada do acampamento e em eventuais situações que pudessem ocorrer.

A equipe se deslocava todos os dias de Amã, capital da Jordânia, até Zaatari --1h30 para cada trecho--, e dispunha de uma média de cinco horas diárias para a captação de imagens no campo.

Os refugiados não têm liberdade para sair do campo e seus passaportes são confiscados quando chegam, explica Samora. Isso significa que eles não podem se mudar para uma cidade da Jordânia sob risco de serem enviados de volta para a Síria. Portanto, acabam vivendo em uma espécie de limbo.

"Tentamos construir uma cartografia deste não-lugar, resgatar a paisagem do passado que está com os refugiados apesar da escuridão que eles vivem", conclui o diretor.

Zaatari - Memórias do Labirinto

  • Quando Em cartaz nos cinemas Espaço Itaú
  • Onde São Paulo e Rio de Janeiro
  • Produção Brasil e Alemanha
  • Direção Paschoal Samora
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