Magnatas de Hong Kong começam a transferir ativos devido a projeto de lei de extradição

Temor é de que fique mais fácil para Pequim se apropriar de fundos; líder afirmou que projeto será arquivado

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Greg Torode
Hong Kong | Reuters

Alguns milionários de Hong Kong começaram a transferir sua fortuna pessoal para o exterior devido ao aumento os temores sobre o plano do governo local de permitir a extradição de suspeitos para serem julgados na China.

É a primeira vez que isso acontece, segundo consultores financeiros, banqueiros e advogados habituados a essas transações.

Um magnata, que se considera em potencial risco político, começou a transferir mais de US$ 100 milhões (R$ 386 milhões) de uma conta local do Citibank para outra conta no banco em Singapura, de acordo com um consultor envolvido nas transações.

Mulher passa por Citibank em Hong Kong - Bobby Yip - 28.jul.14/Reuters

Segundo ele, que não pode ser identificado, há um temor que fique mais fácil para Pequim se apoderar dos ativos em Hong Kong. O consultor disse ainda que Singapura é o destino preferido da maioria. 

Hong Kong e Singapura competem ferozmente para serem consideradas o principal centro financeiro da Ásia.

As fortunas dos magnatas de Hong Kong até agora tornaram a cidade a maior base de riqueza privada, com 853 indivíduos avaliados em mais de US$ 100 milhões (R$ 386 milhões) —pouco mais que o dobro de Singapura—, segundo um relatório de 2018 do Crédit Suisse.

O projeto de lei de extradição abrangerá todos os moradores de Hong Kong, incluindo estrangeiros e chineses, e visitantes.

Isso provocou uma preocupação generalizada no território e parte da população entende que a lei seria uma ameaça ao estado de direito que sustenta a posição financeira internacional de Hong Kong.

A líder de Hong Kong, Carrie Lam —que é apoiada por Pequim—, defendeu o projeto, dizendo que é ele necessário fechar brechas que permitem que os criminosos procurados no continente usem a cidade como refúgio. Ela disse que os tribunais salvaguardariam os direitos humanos.

Os protestos e a violência fizeram que um debate legislativo inicial fosse arquivado na última quarta-feira (12), e não ainda não há uma data para a discussão ser retomada.

O professor Simon Young, da faculdade de direito da Universidade de Hong Kong, disse à agência Reuters que é compreensível que alguns moradores de Hong Kong considerem a possibilidade de transferir ativos para fora, devido ao pouco conhecido alcance financeiro da lei.

Se a lei for aprovada, será possível que os tribunais chineses do continente solicitem aos tribunais de Hong Kong que congelem e confisquem bens relacionados a crimes cometidos no continente, além de uma disposição existente relativa a crimes relacionados a drogas.

"Isso tem sido amplamente desprezado no debate público, mas é realmente uma parte significativa das emendas propostas", disse Young. "Pode não ter sido negligenciado, é claro, pelos magnatas e por seus assessores jurídicos."

O chefe das operações de private banking de um banco internacional em Hong Kong, que não quis ser identificado, disse que os clientes estão transferindo dinheiro de Hong Kong para Singapura.

Ele afirmou que esses clientes são apenas milionários que vivem em Hong Kong e que não estão politicamente expostos. O grupo, diz o executivo, está bastante assustado com a situação e decepcionado com Lam por não perceber o prejuízo econômico que a medida pode causar. 

Um porta-voz do governo de Hong Kong não respondeu diretamente às perguntas da Reuters sobre a fuga de capitais, mas disse que a infraestrutura financeira de classe mundial e o mercado internacional de Hong Kong têm um regime regulatório totalmente compatível com o de mercados externos.

As emendas visam simplificar as extradições caso a caso para jurisdições, incluindo a China continental, além das 20 com as quais Hong Kong já tem tratados de extradição.

Além de remover um bloqueio explícito às extradições para a China continental no atual Decreto de Infratores Fugitivos, as alterações também eliminam as restrições no continente à Lei de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal, conhecida em inglês como MLAO.

Segundo um recente estudo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, a MLAO permite que jurisdições estrangeiras peçam às autoridades de Hong Kong que reúnam provas para uso fora da cidade "e prestem outras formas de assistência, como congelar e confiscar os bens das pessoas procuradas por crimes em outras jurisdições".

A busca, apreensão e confisco podem envolver casos com pena de dois anos de prisão ou mais, comparados com o limite de sete anos para extradições sob o Decreto de Infratores Fugitivos. Os pedidos também podem ser feitos na fase de investigação, e não de processo penal.

A associação observa que as emendas de assistência jurídica mútua "reforçariam significativamente o impacto do Decreto de Infratores Fugitivos alterado em relação aos processos criminais no continente".

O porta-voz do governo de Hong Kong observou que qualquer ordem externa de confisco deve ser registrada em um tribunal de Hong Kong e pode ser contestada. Ela teria de cumprir um critério de "dupla criminalidade", segundo o qual deveria se basear em conduta que também seja crime em Hong Kong.

"Os direitos e as liberdades da população de Hong Kong e estrangeiros em Hong Kong, incluindo seus bens, estão totalmente protegidos pela Lei Básica", acrescentou o porta-voz, referindo-se à Constituição de Hong Kong.

O renomado advogado comercial Kevin Yam disse estar ciente do deslocamento de ativos para Singapura quando eles amadurecerem ou as condições de mercado forem favoráveis, mas disse tratar-se de um gotejamento constante e não de uma debandada.

Três outros banqueiros privados disseram ter recebido consultas de clientes sobre o impacto do projeto, mas ainda não viram a movimentação dos fundos.

Yam disse que poucos esperam que o projeto seja amplamente explorado por Pequim de um dia para o outro se for aprovado, mas está criando um clima de profunda inquietação, com o receio de que possa ser usado de forma mais liberal nos próximos anos.

"É ótimo para Singapura", disse ele. "E um gol contra para Hong Kong."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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