Mexicanos entram na Justiça por direito a ar limpo e vencem

Em 2017, poluição provocou morte prematura de 48,1 mil no país

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Vista aérea da cidade de Puebla, no centro do México, coberta por camada de poluição

Vista aérea da cidade de Puebla, no centro do México, coberta por camada de poluição Jose Castanares - 16.mai.2019/AFP

Anna Portella
Cidade do México

No México, o ar sujo pode ser mais letal que o crime organizado. Em 2017, segundo a organização civil Semáforo Delictivo, que mede a criminalidade no país, 19 mil pessoas foram assassinadas.

No mesmo ano, 48,1 mil pessoas morreram prematuramente devido à poluição atmosférica de acordo com o relatório Estado do Ar Global, feito pelo Instituto de Métrica e Avaliação da Saúde, da Universidade de Washington.

A Cidade do México vem arrastando uma crise ambiental desde o início de 2019, que já provocou a ativação de cinco contingências ambientais —medidas extraordinárias que são aplicadas quando os níveis de ozônio ou de partículas finas são considerados perigosos para a saúde. 

Em maio, devido à poluição e à fumaça de diversos incêndios que ocorreram na cidade, escolas tiveram aulas suspensas e uma partida de futebol da primeira divisão teve de ser transferida para Querétaro.

A última vez que moradores da capital mexicana viveram situação semelhante foi em 2016, quando em dez ocasiões o nível de ozônio superou os limites permitidos. Mas agora os cidadãos defenderam seus direitos ambientais —e ganharam.

“Em 2018 houve duas contingências ambientais. Isso demonstra que a qualidade do ar piorou”, afirma o especialista em direito ambiental Bernardo Bolaños. 

Ao ver que a tosse de seu filho se tornava crônica, o professor da Universidade Autônoma-Cuajimalpa decidiu, em abril, processar o governo da Cidade do México por infringir o direito constitucional a um ambiente saudável.

Doze cidadãos aderiram à causa, como Ximena Galícia. “Estive três meses na França e não fui a nenhum hospital. Desde que voltei, em janeiro, passei a tomar de 12 a 15 comprimidos por dia”, afirma. Segundo ela, seus sintomas de esclerose múltipla e lúpus foram agravados pela poluição.

A tese que defenderam no tribunal foi a que Bolaños vinha denunciando há semanas: para permitir que um número maior de veículos circule pela cidade, a nova prefeita, Claudia Sheinbaum, relaxou o controle de emissão de gases poluidores dos carros.

Desde janeiro, o governo eliminou uma das duas provas de verificação nos veículos. “Isso é populismo ambiental”, diz Bolaños. Para ele, a “verificação light” causou as contingências ambientais por excesso de ozônio, ao colocar nas ruas quase 200 mil automóveis a mais.

O governo nega. “Dizem que nosso programa de verificação não exige mais o conversor catalítico. É verdade, mas desde 1994 todos os veículos já o utilizam”, afirma o diretor-geral de qualidade do ar, Sergio Zirath Hernández, referindo-se a um dos testes que não constam na norma. 

Segundo ele, as condições meteorológicas excepcionais deste ano —ventos fracos, seca e altas temperaturas— provocaram as contingências.

Mesmo assim, no início de maio os denunciantes conseguiram que o Tribunal Colegiado (instância federal, cujas decisões não podem ser revistas na Suprema Corte) obrigasse o governo a seguir aplicando as verificações anteriores a 2019. 

Os magistrados se basearam no senso comum: mais veículos em circulação representam “um aumento lógico dos poluentes”. Agustín García, do Centro de Ciências da Atmosfera, concorda que com menos carros haverá menos poluição, mas não necessariamente menos ozônio.

“Reduzir a frota pode aumentar a produção de ozônio, porque a relação não é linear. Por isso, nos fins de semana, quando há menos tráfego, o ozônio aumenta”, explica.

O ozônio se forma a partir de uma reação fotoquímica de óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis —dois dos principais poluentes. A principal fonte dos primeiros na Cidade do México é o transporte (82%), enquanto a dos segundos são as residências (42%), segundo o governo.

Especialistas, como o pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) em Singapura Erik Velasco, indicam que as políticas públicas deveriam prestar mais atenção a outros emissores de gases precursores do ozônio.

“Em Los Angeles há um problema de ozônio semelhante. Agora sabem que a principal fonte não são tanto os veículos nem as fábricas, mas os solventes —como os produtos de limpeza das casas— e as emissões das atividades agrícolas na região”, afirma.

O especialista diz que nem cidadãos nem autoridades entendem como funcionam a química e a física da atmosfera na Cidade do México, que mudou durante a última década com o desenvolvimento urbano.

Por isso, os níveis de ozônio estancaram a partir de 2009, depois de terem alcançado 400 partículas por bilhão (ppb) nos anos 1980, quando os pássaros caíam mortos das árvores. Em 2017, o pico máximo registrado foi de 190 ppb.

Para Velasco, portanto, limitar a circulação de veículos equivale a testar a sorte se não há um conhecimento científico de como os poluentes na atmosfera interagem. “É preciso ver quantos veículos tirar e em que horários.”

Por enquanto, o governo da Cidade do México já afirmou que acatará a sentença que o obriga a exigir o sistema de controle de poluição em todos os veículos. As autoridades também restringiram parcialmente a circulação de carros às quartas-feiras.

Bolaños afirma que a resolução marca um precedente histórico que será usado para conseguir que o governo suspenda definitivamente seu programa de “verificação light” em vigor desde o primeiro semestre.

Enquanto isso, a capital mexicana, com 8,8 milhões de habitantes e frota de 5,5 milhões de veículos, trabalha com as autoridades do resto da área metropolitana para preparar um novo plano de qualidade do ar para 2021. 

Para tanto, contam com a assessoria do químico Mario Molina, vencedor de um Prêmio Nobel justamente por seus estudos sobre a atmosfera. 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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