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The Washington Post

Oito dos 10 candidatos a premiê no Reino Unido confessaram uso de drogas no passado

Agora imprensa e redes sociais querem saber que substâncias foram usadas e quando

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William Booth Karla Adamdo
Londres | The Washington Post

Esta é uma história sobre líderes do Partido Conservador britânico que usaram drogas e querem ser o próximo primeiro-ministro.

Podemos supor que poucos dos dez candidatos selecionados na noite de segunda (10) por membros do partido no Parlamento vão querer falar de seu consumo passado de drogas ilegais no momento em que iniciam suas campanhas para tomar o lugar de Theresa May.

Azar deles. O fato é que os líderes do partido farrearam quando eram jovens.

Michael Gove, secretário do Meio Ambiente, durante lançamento de sua candidatura para a liderança do Partido Conservador, em Londres
Michael Gove, secretário do Meio Ambiente, durante lançamento de sua candidatura para a liderança do Partido Conservador, em Londres - Tolga Akmen - 10.jun.19/AFP

E agora a imprensa e as redes sociais britânicas querem saber quem fumou ou cheirou o quê e quando. Dos dez candidatos a chefe de governo, oito já admitiram ter usado drogas no passado.

O jornal The Guardian achou necessário publicar um texto explicativo intitulado: “Os altos conservadores: as drogas e o passado dos vários candidatos à liderança”.

É um pouco constrangedor ver os candidatos confessando no Twitter as indiscrições juvenis que cometeram quando estudavam nas universidades de elite da Inglaterra –e, ao mesmo tempo, tentando dar atenção à questão do que vão fazer sobre o Imposto de Valor Adicionado, por exemplo. 

E está pouco claro o que os cerca de 120 mil membros do Partido Conservador –que vão escolher entre dois últimos finalistas— pensam sobre um ex-ministro fumando um baseado quando estava em Oxford, ou mesmo se eles se importam com isso.

A discussão toda começou quando um dos candidatos mais bem cotados, o secretário do Meio Ambiente, Michael Gove, admitiu ter usado cocaína “em várias ocasiões” no passado. Várias? Obviamente a imprensa britânica quis saber mais.

Imediatamente surgiram reportagens nos tabloides sobre uma suposta “vida secreta” e uma “turma arriscada” em cassinos de Mayfair e clubes de Soho nos tempos em que Gove era um jovem jornalista.

Então alguém recordou que o ex-secretário das Relações Exteriores Boris Johnson –que lidera a corrida para substituir Theresa May, por enquanto— já confessou que lhe ofereceram cocaína um dia.

“Acho que me ofereceram cocaína uma vez, mas eu espirrei e por isso ela não entrou no meu nariz. Na realidade, posso ter cheirado açúcar de confeiteiro”, disse o ex-prefeito de Londres no programa de TV da BBC “Have I Got News For You” em 2005.

Johnson admitiu ter experimentado cocaína e maconha na juventude, mas disse à Gentleman’s Quarterly em 2007 que as drogas “não tiveram nenhum efeito farmacológico, psicotrópico ou qualquer outro sobre mim”.

O candidato Rory Stewart, secretário de Desenvolvimento Internacional britânico, foi quem contou a melhor história.

Sim, disse Stewart, ele fumou um pouco de ópio. Em um casamento. No Irã.

“Fui convidado à casa da família, e o cachimbo de ópio foi passado entre todos os presentes num casamento”, ele disse ao Telegraph. Mas a família era tão pobre que colocou pouco ópio no cachimbo.

E você pensava que correr atrás do brexit é perseguir uma fantasia. Ah, sim, os candidatos à liderança conservadora também andam falando do brexit.

Cada um diz que ele ou ela é o único (a) a ter um plano novo, ousado e digno de crédito para tirar o Reino Unido da União Europeia.

Para os críticos, os planos não são ousados nem novos. E não condizem com a realidade.

Mas a curiosidade em relação ao passado dos candidatos vem suscitando mais interesse que a discussão sobre o futuro do Reino Unido.

O secretário Rory Stewart em evento que marcou início de sua campanha à liderança dos Conservadores, em Londres
O secretário Rory Stewart em evento que marcou início de sua campanha à liderança dos Conservadores, em Londres - Tolga Akmen - 11.jun.19/AFP

Seguindo o exemplo de políticos em todo o mundo que se desculpam sem pedir desculpas de fato, os candidatos britânicos fizeram confissões não confessionais.

Eles não “fumaram” maconha quando estavam na faculdade. Em vez disso, “experimentaram” cannabis. Como se fosse um prato da culinária etíope. Ou uma calça xadrez. “Experimentei cannabis na universidade”, admitiu o ex-secretário do Brexit, Dominic Raab. “Não com frequência. Eu gostava de esportes.”

A ex-secretária das Pensões, Esther McVey, disse à rede ITV que nunca usou drogas pesadas. “Mas, se experimentei um pouco de maconha? Sim. Quando eu era bem mais jovem.”

O ex-secretário das Relações Exteriores Jeremy Hunt disse ao London Times: “Se não me engano, tomei um lassi com cannabis quando viajei pela Índia como mochileiro”. Um “bhang lassi” é um iogurte com infusão de maconha.

“Todo o mundo tem direito a uma vida privada antes de tornar-se parlamentar”, argumentou Andrea Leadsom, que admitiu ter fumado maconha na universidade.

A enxurrada de confissões arrastou até a pobre Theresa May, que respondeu certa vez, em declaração que ficaria famosa, que “a coisa mais atrevida” que já fez na vida foi correr no meio de um campo de trigo. Seu porta-voz disse em comunicado à imprensa: “Theresa May nunca usou drogas ilegais”.

Nicola Sturgeon, a líder do Partido Nacional Escocês, descreveu a corrida pela liderança conservadora como “um show de horrores”.“Cortes nos impostos para os mais ricos, ataques ao direito ao aborto, hipocrisia sobre o consumo de drogas, ilusão contínua em relação ao brexit”, ela escreveu no Twitter.

“Os conservadores estão realmente mostrando a que vieram.”

A aflição dos políticos na questão de seu uso de drogas reforça as críticas de que os conservadores estão à deriva –envolvidos em intermináveis discussões e manobras políticas internas e deixando de cuidar das necessidades do país.

O fato de ter consumido drogas –perdão, experimentado drogas— no passado não é uma confissão que precise necessariamente acabar com a carreira de um político, como no passado, nem na Europa nem nos Estados Unidos.

Barack Obama admitiu ter cheirado um pouco de pó antes de se candidatar à Presidência. Bill Clinton fumou um baseado –mas disse que não tragou.

David Cameron nunca refutou os boatos segundo os quais teria usado cocaína. Apesar dos rumores, tornou-se líder do Partido Conservador e mais tarde primeiro-ministro.“Fiz muitas coisas que eu não deveria ter feito antes de entrar para a política”, disse Cameron certa vez. “Todos fizemos.”

Mas é a campanha de Michael Gove, em especial, que parece ter sofrido impacto negativo, pelo menos no curto prazo.

Ao lado de Boris Johnson, Gove liderou a campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. A rivalidade dos dois frustrou as chances de ambos de chegarem a Downing Street em 2016.

Desta vez, analistas políticos pensavam que Johnson e Gove poderiam terminar como os dois finalistas que seriam submetidos ao voto dos membros do Partido Conservador.

Gove se mostrou combativo no lançamento de sua campanha, na segunda-feira, acompanhado por música em alto volume de Pharrel Williams (“Happy”) e Katy Perry (“Roar”). Ele estava animado e cheio de ideias.

Muitos consideraram que ele fez um bom trabalho, embora os jornalistas não tenham resistido à oportunidade de caçoar um pouco.

Mas, por mais que Gove tentasse mudar de assunto, as perguntas sobre seu consumo de cocaína não paravam.

O que devemos pensar sobre “os dois pesos e duas medidas”, alguém lhe perguntou, haja visto que ele cheirou cocaína num jantar em Londres 20 anos atrás e depois tornou-se ministro da Justiça, presidindo um sistema carcerário que colocava na prisão o tipo de pessoas que lhe haviam vendido drogas.

Além disso, em 1999 Gove escreveu um artigo no Times de Londres em que criticou os profissionais liberais que tomam drogas.

Gove disse que lamenta seu comportamento passado –foi “um erro profundo”, disse— e pediu que as pessoas o julguem por sua atuação como ministro da Justiça.

Quando outro jornalista lhe perguntou se não seria melhor desistir de sua candidatura, Gove respondeu: “Estou nesta corrida para ganhar”. É provável que as acusações de hipocrisia o tenham prejudicado mais que as próprias drogas.

“Gove, Hipócrita das Drogas” foi a manchete da primeira página do Mail on Sunday. “Gove é tachado de hipócrita depois de admitir que usou cocaína”, dizia a primeira página do Observer.

Os únicos candidatos que negaram ter usado drogas foram o ex-líder da bancada parlamentar na Câmara dos Comuns Mark Harper e o secretário do Interior Sajid Javid.

Este último disse à Sky News: “Qualquer pessoa que consome drogas pesadas precisa pensar na cadeia de fornecedores, que vem da Colômbia, digamos, para chegar a Chelsea, em Londres, e no número de vidas destruídas ao longo desse caminho”.

​As primeiras pesquisas de intenção de voto entre ativistas conservadores sugerem que nem Javid nem Harper estão entre os candidatos mais bem cotados. Podemos prever mais escaramuças pela frente.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior informava que 120 mil membros do Partido Conservador vão reduzir a lista de candidatos para apenas dois nomes; na verdade, eles vão escolher entre os dois últimos finalistas

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