Tensões entre Merkel e Macron complicam disputa por cargos na UE

Nesta semana, começa seleção de presidentes de organismos do bloco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alex Barker Victor Mallet Guy Chazan
Bruxelas, Paris e Berlim | Financial Times

A União Europeia escolhe nesta semana uma nova leva de presidentes, e a parceria franco-alemã, que já foi a força motriz do projeto europeu, está dando sinais de tensão.

Uma cúpula em Bruxelas dará a largada para as indicações de novos presidentes para suas principais instituições —a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Banco Central Europeu (BCE) e o Parlamento Europeu.

É uma chance para os dois parceiros veteranos moldarem o resultado. Mas em vez de correr para Berlim para selar um acordo, Emmanuel Macron está abertamente desafiando a chanceler Angela Merkel.

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, deixam entrevista em Paris - Gonzalo Fuentes - 27.fev.19/Reuters

Seu principal alvo é Manfred Weber, líder do Partido do Povo Europeu (direita conservadora) e escolha de Merkel para a comissão. Mas o objetivo de Macron é mais amplo: “reequilibrar a Europa” por meio de alianças com progressivos e liberais para pôr fim ao que os franceses chamam de “hábitos hegemônicos” alemães. 

Com seu eufemismo característico, Merkel admitiu que os dois líderes têm “diferenças de mentalidade”, bem como “diferenças sobre como entendemos nossos papéis”. 

A aliança continua sendo o que acadêmicos chamam de o relacionamento bilateral mais institucionalizado do mundo. Mas, nos últimos meses, algumas regras não escritas —como evitar surpresas, a coordenação de posições antes de grandes decisões e a manutenção de disputas na esfera privada— foram deixadas de lado pelo lado francês. 

“Com Macron, a França está de volta. Isso aconteceu em um momento em que [Merkel] estava politicamente encurralada. Ela está de saída. Macron acaba de chegar”, disse Pascale Joannin, diretor da Fundação Robert Schuman. 

A questão agora é se a fricção franco-alemã é o prelúdio de um acordo sobre a futura liderança europeia ou o sinal de o quão prolongado e sangrento o processo se tornará. Diferenças fundamentais de interesse —e o desejo de superá-las— são o que deram à aliança sua potência histórica. 

Mas desde o fim da Segunda Guerra o eixo Paris-Berlim sofreu uma mudança profunda. Dentro de uma UE expandida, o poder econômico de uma Alemanha reunificada eclipsou a influência política e militar francesa, um desequilíbrio evidente durante a crise financeira. 

Como seus predecessores, Macron sabe que um acordo entre Paris e Berlim é essencial para o projeto europeu —mas tem outras ambições. 

Suas iniciativas —como seu discurso na Sorbonne descrevendo uma “Renascença  Europeia”— parecem ter caído em solo árido, no entanto. Merkel culpou os ciclos eleitorais fora de sincronia entre os dois países pela reação lenta.

Como resposta, a líder de seu partido, Annegret Kramp-Karrenbauer, defendeu que a França cedesse seu assento no Conselho de Segurança da ONU para a UE.

“Isso foi visto como uma verdadeira afronta em Paris”, disse Claire Demesmay, do Conselho Alemão de Relações Exteriores. 

Macron então mudou de tática: passou a acentuar suas diferenças com Merkel, em vez de minimizá-las.

As disputas irromperam de uma maneira que antes teria sido incomum, para não dizer impensável: sobre se dar ou não ao Reino Unido uma extensão do brexit; sobre lançar negociações comerciais com os EUA, ao que Macron resistia devido à rejeição de Trump ao Acordo de Paris; sobre o plano francês para um orçamento conjunto para a zona do euro; sobre restrições alemãs à exportação de armas produzidas conjuntamente para o Oriente Médio; e finalmente sobre a candidatura de Weber para a comissão. 

“Em dois anos, Macron não obteve resposta de Angela Merkel, então decidiu restaurar o balanço de poder e fazer alianças”, afirmou o historiador Édouard Husson, que chefia o Instituto Franco-Alemão de Estudos Europeus da Universidade Cergy-Pontoise.

Negociadores comparam a rodada de 2019 com um sistema de equações matemáticas. Há mais questões como equilíbrio geográfico, competência, gênero, afiliação partidária e orgulho nacional para lidar do que vagas a preencher. Par uma fonte europeia, não haverá uma solução limpa. 

Apontar o presidente da comissão é processo completo que requer a maioria ponderada dos líderes nacionais —que indicam os candidatos— e uma maioria no Parlamento Europeu —que os aprova. 
França e Alemanha não podem impor suas vontades, mas como os dois maiores membros, a ideia de que percam na votação é impensável. 

A comissão é a primeira e mais importante peça do quebra-cabeças, com posições subsequentes sendo apontadas para equilibrar os interesses respectivos. Franceses estão competindo com alemães e holandeses pelas vagas na comissão e no BCE.  A política europeia se tornou importante demais para se sentar no banco de trás. 

Mas se Weber for descartado, Berlim vai deixar claro que nenhum candidato francês —como Michel Barnier para a comissão, ou Benoît Cœuré ou François Villeroy de Galhau para o BCE— vingará.

Uma decisão antes da cúpula de 20 de junho parece improvável. Nenhum lado deu o primeiro passo decisivo; ao contrário, estão mais entrincheirados.

O PPE, que perdeu assentos nas eleições de maio mas ainda emergiu como o maior partido, quer seu prêmio na comissão e está ameaçando vetar todas as alternativas. Desafiada por Paris, o apoio antes morno de Merkel a Weber se fortaleceu. Desafiada por Paris, o apoio antes morno de Merkel a Weber se fortaleceu. 

Uma opção para quebrar o impasse é se os progressistas de Macron tomarem a primeira comissão desde os anos 1990, enquanto Berlim fica com a opção de escolher as outras vagas —inclusive a chefia do BCE para Jens Weidmann, presidente do Bundesbank.

Paris e Berlim veem Vestager como uma opção viável. Há ainda conversas para que Weber assuma um post-chave como vice. A equipe de Macron tem dito que não tem interesse em pôr um francês no BCE e não descartou Weidmann.

Mas alguns diplomatas não estão convencidos, suspeitando que Paris esteja fazendo um jogo duplo em que conta com a rejeição dos países do sul da Europa a Wiedemann. Segundo uma fonte, ninguém sabe o que Macron quer porque ele diz uma coisa diferente para cada pessoa.

Outra alternativa é que a Alemanha e o EPP fiquem com a comissão, enquanto aliados políticos de Macron fiquem com os demais postos, com um francês no BCE.

Alguns suspeitam que Macron ficaria feliz com o BCE, mas o Eliseu avisou Berlim que isso não seria suficiente para contrabalancear a perda da comissão. Nomes citados como alternativas são o premiê irlandês, Leo Varadkar, e Alex Stubb, ex-premiê finlandês, ambos do PPE. 

O acordo franco-europeu final seria indicar Merkel como presidente do conselho. Mas as negativas dela são categóricas. A razão? Merkel se pergunta se realmente poderia fazer o papel de mediação, correndo para Paris para negociar com Macron. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.