Descrição de chapéu The New York Times

A vida 'dentro do armário' de candidato gay à Presidência dos EUA

Democrata Pete Buttigieg lutou para superar medo de que ser homossexual fosse 'sentença de morte profissional'

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Jeremy W. Peters
The New York Times

O "armário" que Pete Buttigieg construiu para si mesmo no final dos anos 1990 e nos 2000 era muito parecido com os que outros gays de sua idade e ambição usaram para se esconder. Ele saía com mulheres, engrossava a voz e olhava furtivamente os perfis do MySpace e Friendster de homens que tinham "saído" —ao mesmo tempo imaginando quando seria seguro para ele fazer isso.

Chris Pappas, que estava dois anos à frente de Buttigieg em Harvard e hoje é um congressista democrata de New Hampshire, disse que chegou à faculdade "praticamente convencido de que não poderia ter uma profissão ou tentar a política como uma pessoa LGBT". 

Jonathan Darman, que estava uma turma à frente de Buttigieg, lembrou-se de como as pessoas na época muitas vezes reagiam quando um político se "assumia": "Não era uma história de amor, mas de reconhecer um desejo ilícito". 

Foto de 2002 mostra Pete Buttigieg (à direita) com amigos no estado de Massachusetts - Handout/NYT

E Amit Paley, que se formou na classe de Buttigieg, lembrou que "ainda era uma época em que manifestar sentimentos anti-gays não era apenas comum, como bastante aceito, eu acho".

A ideia de que 15 anos depois alguém com quem compartilharam um dormitório ou se sentaram numa sala de aula seria o primeiro candidato sério abertamente gay à Presidência dos Estados Unidos não passava por suas cabeças. Mas ninguém teria achado essa possibilidade mais implausível que o jovem que todos conheciam como Peter.

Buttigieg, hoje prefeito de South Bend, no estado de Indiana, lutou durante uma década depois de deixar Harvard para superar o medo de que ser gay fosse "uma sentença de morte profissional", como ele colocou em suas memórias.

Muitos de sua geração e da sua turma na faculdade decidiram se assumir quando jovens adultos, tivessem ou não a confiança de que seriam aceitos, e tiveram seus 20 anos para lidar com a revelação de sua identidade —processo que ajudou a tornar os americanos mais conscientes e aceitar seus amigos, familiares e colegas de trabalho gays. Em vez disso, Buttigieg passou aqueles anos tentando conciliar sua vida privada com as aspirações de uma carreira de alto nível no serviço público.

As atitudes em relação aos direitos dos homossexuais mudaram imensamente durante esse período, embora ele reconheça que nem sempre foi capaz ou esteve disposto a ver o que as amplas mudanças sociais e jurídicas significavam para ele pessoalmente. "Porque eu estava lutando com isso, não tenho certeza se processei totalmente a ideia de que se relacionava a mim", disse ele numa entrevista.

Mais que a maioria das pessoas de sua idade —ainda mais que a maioria dos rapazes e moças ambiciosos com quem competiu em Harvard— , ele possuía um impulso extraordinariamente forte para a perfeição. Passou a estudar com uma bolsa Rhodes, trabalhou em uma campanha presidencial, entrou para os militares e se elegeu prefeito antes de completar 30 anos. Finalmente se assumiu em 2015, quando tinha 33.

Ele fez um percurso mais longo do que seus pares, explicou, por causa do tumulto interno que experimentou sobre se realmente queria ser conhecido como um "político gay".

Seu histórico de realizações durante esses anos "trancado no armário" é impossível de separar do isolamento e da ansiedade que sentia quando pesava o custo de contar a sua família, amigos e eleitores quem ele realmente era.

Perseguir tantos objetivos teve dois resultados, intencionalmente ou não: distraiu seu cérebro ocupado de uma realidade que ele não estava pronto para enfrentar e lhe forneceu a armadura de uma experiência de vida que tornaria sua orientação sexual apenas uma em uma lista de atributos.

"Peter me impressionou muito cedo, aos 18 ou 19 anos, como alguém que disputaria a Presidência de qualquer modo", disse Randall Winston, amigo íntimo de Buttigieg, de Harvard, quando o prefeito era conhecido como Peter. Com cervejas e comida chinesa, disse Winston, eles passaram noites no campus falando sobre as razões certas e erradas para se entrar na política.

"Se você quer ser um líder político, por quê?", lembrou. "É por você mesmo? É realmente pelo bem da nação? Eu acho que ele se fazia essas perguntas desde o início."

Candidato democrata à presidência dos EUA, Pete Buttigieg visita loja de discos na cidade de Rochester - Brian Snyder/Reuters

Buttigieg disse na entrevista que se estivesse interessado numa carreira que não fosse a política teria sido muito mais fácil decidir se assumir. "As artes são o lugar onde você poderia ter se jogado nos anos 2000, e teria sido incidental", disse ele. "Enquanto algo como finanças já seria mais difícil. E na política teria sido completamente definidor."

Poucas experiências na juventude foram tão formadoras de sua identidade quanto o ambiente hipercompetitivo que encontrou em Harvard. Até a liberal Cambridge, onde conhecer um estudante ou professor gay teria sido relativamente comum, nem sempre nutria a sensação de confiança que ele e muitos de seus colegas gays achavam que precisavam para ser eles mesmos. Às vezes, o entorno parecia fazer exatamente o oposto.

Em entrevistas com uma dúzia de amigos e colegas de classe de Buttigieg, as pessoas descreveram uma cultura em que uma mistura de ambição demasiada e insegurança juvenil tornava os alunos cuidadosamente cientes da forma como se apresentavam aos outros.

Winston relembrou as duplas pressões de ter altas expectativas para si próprio, ao mesmo tempo em que estava ciente —às vezes realisticamente, às vezes não— de que seus colegas e professores tinham ideias próprias sobre quem você era, e que você desejaria manter.

"Não estou dizendo que é tudo artifício —muito disso é comum no amadurecimento", disse ele. Mas uma cultura competitiva como Harvard, acrescentou, fazia muitos estudantes pensarem: "Ok, vou manter essa aura, essa impressão que estou passando aos outros".

Descrevendo as inseguranças que sentia quando jovem, Buttigieg disse que às vezes se espanta com a maneira diferente como o mundo o trata hoje, em comparação com o que ele esperava quando tinha muito medo de se assumir. No dia em que iniciou sua campanha presidencial, imaginou o que diria para si mesmo como adolescente. "Dizer que no dia em que ele anunciaria sua campanha para presidente, o faria com o marido olhando", disse ele num tom de descrença. "Ele acreditaria em mim?"

Amigos e colegas lembraram de Buttigieg como alguém pensativo e claramente numa trajetória que lhe daria algum tipo de sucesso, mesmo que poucos pudessem imaginar que seria a Casa Branca.

Uma coisa que ninguém parecia pensar era que fosse alguém lutando com o fato de ser gay. Ele era tão discreto que muitos de seus amigos e colegas de classe disseram em entrevistas que nunca teriam imaginado que ele estivesse escondendo alguma coisa, até que ele lhes contou. Ele deixou as brincadeiras sexuais do campus, cheias de testosterona, para os outros. Hegel e Tocqueville eram mais do seu gosto para conversas.

"Sua sexualidade não se apresentava como algo realmente importante em sua vida", disse Joe Flood, um colega de classe. "Acho que ele sempre pensou em si mesmo politicamente", acrescentou, observando que Buttigieg se tornaria ativo no Instituto de Política da universidade, uma organização da Escola de Governança Kennedy que era dirigida por estudantes de graduação e abrigou grandes nomes da política como o senador Edward Kennedy e o governador Howard Dean durante seus tempos na escola. "Você não vai parar lá por acaso", disse Flood.

Havia um pequeno círculo social de estudantes LGBT. Mas eles existiam em um mundo à parte da Harvard de Buttigieg.

"Estávamos definitivamente em lados opostos do espectro gay —ele estava no armário, e eu era literalmente a 'drag queen' do campus, Miss Harvard 2002", disse William Lee Adams, que se formou na classe de Buttigieg e hoje é apresentador no Serviço Internacional da BBC em Londres.

Adams começou a se assumir gay aos 12 anos. Chegar a Harvard, vindo de sua casa na Geórgia, disse ele, foi como "fugir do deserto". Os dois não eram amigos, embora Adams se lembre do colega de classe como "gentil, mas muito sério".

Adams disse que na época ficava meio ressentido com os colegas que escondiam suas identidades, pois ele sofreu intimidações na escola quando menino. Hoje, porém, ele é muito mais compreensivo, porque sabe que se revelar gay é algo muito pessoal. "Senti uma grande sensação de liberdade em Harvard que nunca havia sentido antes, porque podia me liberar sem que alguém atirasse comida em mim", disse ele. "Pete devia se sentir preso, como numa camisa de força."

Mas quando Buttigieg e seus colegas terminaram a faculdade e começaram suas vidas profissionais, o país estava mudando de forma profunda, modificando sua noção do que significava ser abertamente gay e ter uma carreira de destaque.

Um dos maiores avanços estava exatamente no quintal de Harvard. Em 2004, Massachusetts tornou-se o primeiro Estado em que casais do mesmo sexo puderam se casar. Os estudantes lotaram a Prefeitura de Cambridge nas primeiras horas da manhã de 17 de maio para assistir aos primeiros casamentos LGBT às 12h01 —o primeiro minuto possível pela nova lei. Buttigieg lembra a ocasião, mas não estava lá. "Não me lembro de me sentir muito ligado a isso, na verdade", afirmou.

Logo, Estados de Iowa ao Maine começariam a permitir que pessoas do mesmo sexo se casassem.

Então o Congresso revogaria a tradição dos militares de "não pergunte, não conte" da proibição de servir abertamente como gay ou lésbica. E a Suprema Corte declararia os direitos de gays e lésbicas terem seus relacionamentos reconhecidos pelo Estado, primeiro em 2013, quando derrubou a Lei de Defesa do Casamento, no caso Estados Unidos versus Windsor, e novamente na decisão de 2015 que garantiu o casamento homossexual como um direito protegido pela Constituição, em Obergefell versus Hodges.

Em 2004, quando a turma de Buttigieg se formou, as pesquisas de opinião pública mostravam que cerca de um terço dos americanos eram favoráveis a permitir que pessoas do mesmo sexo se casassem. Uma década depois, era mais da metade do país, e o número aumentava.

Depois de se formar, Buttigieg foi contratado pela campanha presidencial de John Kerry no Arizona para fazer o trabalho de imprensa, e rapidamente mergulhou na tarefa. Mara Lee, que trabalhou com ele na época e continua sua amiga, lembrou-se de quando conheceu o colega.

"Lá estava aquele cara fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo. Tinha sete ou oito TVs ligadas para monitorar as notícias locais e nacionais. Ele se apresentou a mim —sendo genuíno—  e conversou enquanto digitava." Ela se lembra de duas telas de computador na mesa dele.

Foto de 26 de junho de 2015 mostra a Casa Branca iluminada nas cores do arco-íris em homenagem à decisão da Suprema Corte americana que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo nos 50 estados dos EUA - Zach Gibson/The New York Times

Depois que ele se assumiu, Lee disse que ser gay nunca foi a primeira coisa que ele queria que as pessoas vissem quando o conheciam —um veterano, bolsista Rhodes, poliglota, que foi eleito prefeito de South Bend aos 29 anos. "Embora seja uma parte importante de quem ele é, não é a única parte."

Quando ele concorreu a prefeito em 2011 e venceu, estava no armário. Um grupo local de direitos dos gays não o apoiou inicialmente nessa disputa, optando por um candidato com um histórico mais definido sobre essas questões. Buttigieg suportou alguns momentos difíceis, como a assinatura de uma lei municipal que proíbe a discriminação com base na orientação sexual, em 2012. Não pensar em como a lei o afetava diretamente, admitiu ele, "exigiu uma certa compartimentalização".

Seus funcionários e eleitores viam um solteiro bom-partido no jovem prefeito e queriam aproximá-lo de suas filhas. Alguns funcionários até brincaram sobre seu velho Ford Taurus verde-claro como um "ímã para garotas". Ele não se deu o trabalho de corrigi-los.

Quando saiu do armário, no verão de 2015, o lugar que escolheu foi um editorial em "The South Bend Tribune". "Foram necessários anos de luta e crescimento para eu reconhecer que é apenas um fato da vida, como ter cabelos castanhos, e uma parte de quem eu sou", escreveu.

Ele pode ter esperado muito mais do que a maioria dos jovens gays de hoje. Mas, sempre um realizador, levou um tempo recorde para criar um novo parâmetro. Em menos de quatro anos, passou de solteiro a casado e um candidato gay à Presidência.

 
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