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Financial Times Brexit

Boris Johnson precisa compreender a responsabilidade do alto cargo que conquistou

Novo premiê britânico precisa fugir da ilusão perigosa de uma saída da UE sem acordo

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Financial Times

O texto abaixo é um editorial publicado pelo jornal Financial Times.

Poucas vezes um primeiro-ministro britânico em tempos de paz enfrentou circunstâncias tão graves quanto as que aguardam Boris Johnson em sua chegada a Downing Street na quarta-feira (24). 

E poucas vezes um novo premiê pareceu tão inadequado –por seu temperamento, caráter e histórico passado— para encarar uma tarefa de tal magnitude. 

Johnson foi alçado para o cargo não por uma eleição geral, mas por uma eleição limitada, restrita a membros do Partido Conservador. 

O novo líder do Partido Conservador, Boris Johnson, deixa escritório de sua campanha, em Londres
O novo líder do Partido Conservador, Boris Johnson, deixa escritório de sua campanha, em Londres - Tolga Akmen/AFP

A tarefa de traçar um caminho para tirar o país do campo minado do brexit terá que ser confiada a um homem que contribuiu em muito para atrair o país para esse atoleiro. 

Se Johnson fracassar em sua missão, correrá o risco de destruir seu partido. Na pior das hipóteses, como avisou um predecessor seu, ele poderá se tornar o último primeiro-ministro do Reino Unido.

A elevação de Johnson completa a tomada do Partido Conservador e do governo pelos chamados brexiters.

Até agora eles podiam atribuir o fracasso em realizar o brexit aos que descreviam como “destruidores”. Agora, eles não têm mais onde se esconder.

O novo primeiro-ministro poderá escolher a dedo o gabinete que acredita que lhe permitirá ter sucesso na empreitada em que sua predecessora Theresa May fracassou tão redondamente.

No entanto, ele enfrentará a mesma aritmética renitente no Parlamento. A maioria de dois parlamentares do Partido Conservador será reduzida para um se o partido for derrotado numa eleição complementar que terá lugar na próxima semana. 

Vários ministros renunciaram a seus cargos antes de Johnson assumir o poder.

Um grupo de conservadores seniores diz que vai derrubar o governo pelo voto, se isso for preciso para evitar um catastrófico brexit sem acordo com a UE.

Apesar disso, a lógica da posição cada vez mais linha dura seguida por Johnson durante sua campanha aponta para esse resultado. O líder prestes a assumir se encurralou desnecessariamente em uma posição. 

Ele definiu o prazo rígido de até 31 de outubro para o Reino Unido sair da UE, “aconteça o que acontecer”, e ao mesmo tempo excluiu a possibilidade de qualquer concessão –como modificar o backstop na Irlanda (medida para impedir um controle aduaneiro rígido na fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte) ou “enterrá-lo” em um período de transição pós-brexit mais longo— que talvez lhe possibilitasse renegociar um acordo aceitável dentro desse prazo.

Políticos conservadores geralmente ausentes das sessões do Parlamento estão incentivando Johnson a apostar no brexit sem acordo. Eles temem ser superados pelo Partido do Brexit, de Nigel Farage. É um conselho péssimo. Johnson precisa saber que uma saída da UE sem acordo é uma ilusão perigosa.

Mesmo que o Reino Unido saia da União Europeia sem acordo, ainda precisará chegar a um acordo sobre o relacionamento que terá com seu maior parceiro comercial. 

Esse acordo incluirá todos os elementos –o backstop, o pagamento do que o Reino Unido deve ao orçamento da UE— que tornaram o acordo de saída tão difícil de ser negociado. 

Uma saída sem acordo obrigará o governo a voltar à mesa de negociações em algum momento futuro com o rabo no meio das pernas, tendo enfraquecido a economia nacional e sua posição negociadora.

Diferentemente da pouco carismática Theresa May, Boris Johnson possui ousadia de sobra. Isso lhe foi muito útil quando foi prefeito de Londres.

Mas o cargo de primeiro-ministro envolve responsabilidade em uma escala diferente. Em um tempo de crise nacional, só podemos esperar que o jovial Johnson e sua nova equipe tomem consciência da gravidade do momento.

Embora tenham pouco apreço por Johnson, os líderes da UE, incluindo a alemã Angela Merkel, já assinalaram que estão dispostos a tratar com um novo líder britânico, dentro de parâmetros rígidos. Johnson possui uma margem estreita de manobras que ele fará bem em aproveitar.

Para isso ele terá que se engajar ativamente com a UE em áreas nas quais o acordo proposto por Theresa May poderia ser retrabalhado, como reescrever a declaração política não vinculante sobre as relações futuras do Reino Unido com o bloco europeu. 

O novo premiê também precisará trabalhar com o Parlamento, e não contra ele.

É preciso acabar com conversas irresponsáveis sobre suspender a Câmara dos Comuns para possibilitar um brexit sem acordo.

​É preciso evitar a qualquer custo um brexit sem acordo. Boris Johnson não tem o direito de buscar essa alternativa sem para isso solicitar uma autorização genuína da população britânica, ou por meio de uma eleição geral –que seria arriscada para seu partido— ou de um novo referendo.

Tradução de Clara Allain

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