Briga pela Grande Buenos Aires será chave para decidir eleição presidencial

Candidatos apostam em pleito para governador da região, que reúne 40% dos eleitores do país

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Buenos Aires

Numa tarde fria da semana em que foram registradas as mais baixas temperaturas deste inverno na Argentina, um grupo de jovens conversava no lugar onde um raio de sol iluminava uma franja da plaza San Martín, em San Justo, capital do distrito de La Matanza, na Grande Buenos Aires.

Essa região é mais conhecida como “conurbano” bonaerense, uma área de 3.830 km², com 13 milhões de habitantes em seus 24 distritos, em geral de classe média e média baixa, mas que inclui cidades prósperas, com atividade econômica própria e universidades.

Distrito de La Matanza, na Província de Buenos Aires  -  5.jun.19/Clarín

Os estudantes debatiam o futuro da Província de Buenos Aires, cuja capital é La Plata.

“Magario é melhor do que Vidal”, disse Alejandro, 22, referindo-se à peronista Verónica Magario, prefeita de La Matanza e candidata a vice-governadora pela chapa kirchnerista, e à atual governadora, María Eugenia Vidal, do partido de Macri (PRO).

“Sim, mas Magario é candidata a vice, o candidato mesmo é [Axel] Kicillof, que afundou a gente na crise”, responde Natalia, 24, referindo-se ao ex-ministro da economia de Cristina Kirchner.

“Não foi Kicillof, foram os ajustes de Macri”, entra na conversa Nahuel, 23, refletindo a polarização entre macristas e kirchneristas que vem se impondo nas eleições de outubro.

Natalia, estudante de direito, abandona a discussão com os colegas e diz à Folha: “Nunca na Argentina demos bola para quem é o vice. Nesta eleição está tudo diferente. Os kirchneristas vão votar em Alberto Fernández achando que quem governará é Cristina, e em Kicillof aqui porque acham que quem vai mandar é a Magario. Mas não caio nessa. Vice não serve pra nada”.

A disputa entre Kicillof e a atual governadora está acirrada. Levantamento da Query Argentina y M&R Asociados divulgado no início do mês mostra a governadora com 41,5% das intenções de voto, e o kirchnerista, com 41%.

As pesquisas refletem a competitividade da eleição nacional, em que os dois principais candidatos à Presidência estão separados por uma diferença entre 0,5% e 4%, ou seja, dentro da margem de erro. Ter um bom desempenho na região, o maior reduto eleitoral do país, com 40% dos votantes de todo o país, é essencial.


  • A Grande Buenos Aires, mais conhecida como “conurbano” bonoarense, é parte da região metropolitana de Buenos Aires, mas vota para governador da Província de Buenos Aires, cuja capital é La Plata
  • A cidade de Buenos Aires tem status de Província e não vota para a governador da Província de Buenos Aires, e sim no chefe de governo do município de Buenos Aires

Ao chegar da reunião do G20, no Japão, Macri deu início à campanha de reeleição colocando foco no conurbano. 

Do mesmo modo, a chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner necessita de uma boa performance de Kicillof. 

Isso porque, na Argentina, partidos ou coligações criam “boletas” —listas— de candidatos. Nas eleições presidenciais, por exemplo, o cabeça da lista é o candidato à Presidência; os demais, à Província e ao Congresso.

O eleitor tem a opção de “cortar boleta”, ou seja, recortar cédulas para votar em candidatos de distintas alianças, mas a prática é trabalhosa e não muito comum. Quem vota no presidente de uma coalizão costuma votar para o governador da mesma aliança.

Alguns quarteirões perto dali, a discussão é resumida pelo comerciante José Moncada, 54: “Aqui votamos em Cristina para presidente e em Cristina para governadora”.

A reportagem lembra que ela não é candidata a nenhum dos cargos. Ele ri. La Matanza, com 1,7 milhão de habitantes, é um reduto peronista histórico.

O cientista político Rodrigo Martínez, da consultora Isonomia, uma das mais confiáveis na Argentina, diz que tem sido assim mesmo. “Em muitos lugares do conurbano, temos recebido essa resposta, que as pessoas estão votando na Cristina seja qual for o cargo.”

Em outros distritos, porém, a hegemonia é menos clara. Até porque, nas eleições de 2015, uma grande surpresa ocorreu na Província onde o peronismo costumava ser quase hegemônico.

A votação na então oposicionista Vidal foi tão alta que fez com que, em vários distritos, jovens políticos da aliança de Macri, o Cambiemos, destronassem clãs peronistas que governaram há anos.

Hoje, a imagem da governadora está desgastada, mas sua aprovação ainda ronda 40%. 

Em Quilmes, a reportagem da Folha encontrou clima mais agressivo de ambos os lados. Eleitores de Vidal reclamam dela. “Ela sabia que Macri cortaria subsídios, que a inflação ia continuar batendo mais forte nos mais pobres, e não fez nada”, diz o motorista de ônibus Manolo Antero, 47.

“Na minha família só eu tenho emprego, e agora todo mundo faz bico. Mal chegamos ao fim do mês. Não era assim.”

A maioria das reclamações ouvidas nas localidades da Grande Buenos Aires se referia à inflação, que acumula 57% nos últimos 12 meses.

Nos distritos de classe média baixa ou ainda mais pobres da região estão parte da população que foi mais afetada pela política nacional de cortes de subsídios a transporte, luz, água e gás promovida por Macri desde 2015.

“Como vou comer tendo que pagar 600 pesos (cerca de R$ 55) de luz, se antes pagava 25?”, diz a costureira Lucy Salgado, 34. Ela, porém, não culpa o atual governo. “Macri e Vidal estão fazendo o que podem com a economia destruída pela corrupção que os kirchneristas deixaram.”

Todos reclamam da economia. A diferença é que há os que culpam o atual governo pelo ajuste, e os que culpam o anterior, kirchnerista, por ter causado a má situação que Macri e Vidal teriam herdado.

Segundo a pesquisa realizada pela Query Argentina, o que mais preocupa os eleitores na Província de Buenos Aires é a economia (58%), a segurança (28%) e a corrupção (10%).

O fato de a economia ser a principal preocupação vem direcionando a campanha governista a enfatizar que as cifras estão melhorando lentamente.

De fato, a inflação mensal diminuiu de 4,7% para 2,6% em junho. “A questão é saber se essa melhora da economia não está vindo tarde demais para os que passaram mais dificuldades nos últimos anos”, diz o cientista político Marcos Novaro. “E a maioria destes está mais no conurbano mesmo.”

A ênfase em mostrar protagonismo da Argentina nas negociações do acordo do Mercosul com a União Europeia faz parte da mesma estratégia. Macri, agora, está percorrendo a Província ao lado de Vidal para reforçar esse discurso.

Por outro lado, Kicillof, excelente orador ao falar de economia, insiste em apontar os erros da política econômica de Macri e reforça que a inflação, com essas medidas, continuará fazendo com que os pobres sofram.

Algo que ajuda os kirchneristas na Província, segundo Martínez, do Isonomia, é o fato de a preocupação com a corrupção ser baixa (10%).

A candidata a vice-presidente, a senadora Cristina Kirchner, está respondendo a dez processos na Justiça.

Em sua defesa e durante a campanha, ela insiste que as acusações não passam de uma perseguição política.


Candidatos ao governo da Província de Buenos Aires

María Eugenia Vidal, 45
Aliada de Maurício Macri
Atual governadora da província de Buenos Aires, foi secretária de Desenvolvimento Social e vice-chefe de governo da prefeitura de Buenos Aires 

Axel Kicillof, 47
Aliado de Cristina Kircher
É deputado federal e foi ministro de Economia e secretário de Política Econômica no governo de Cristina Kirchner

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