Nancy Pelosi, a presidente democrata da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, sepultou as esperanças de um impeachment contra Donald Trump meses atrás. Na quarta-feira (24), Robert Mueller, que serviu como procurador especial na investigação sobre o presidente, garantiu que o cadáver não voltasse à vida.
Em um depoimento singularmente parcimonioso, Mueller se recusou repetidamente a expressar de forma clara a substância de seu relatório de 448 páginas. As frases que ele mais repetiu foram "isso não é da minha alçada", "por favor se refira ao texto" e "você pode poderia repetir a pergunta?".
A recusa de Mueller em se tornar testemunha de acusação foi ajudada pela desorganização com que os legisladores democratas apresentaram suas muitas questões.
Se o partido tivesse desejado extrair mais suco do limão de Mueller, os legisladores teriam cedido seu tempo a um único questionador. Mas cada um deles preferiu desfrutar de seus cinco minutos de televisão.
O resultado foi uma audiência desperdiçada que reforçou a impressão de desordem nas fileiras democratas. Só um ato espetacular de autoflagelação de Trump —o que é sempre perfeitamente possível— poderia ressuscitar o impeachment agora.
A questão é: por que um relatório tão fortemente incriminador terminou sem efeito? No topo da lista de respostas está a disposição de perdoar de Mueller, digna de um monge trapista.
O relatório dele mencionou dez atos claros de tentativa de obstrução da justiça da parte de Trump, entre os quais esforços para encerrar a investigação.
Mas Mueller optou por seguir orientações de funcionários do Departamento da Justiça redigidas por subordinados de Richard Nixon e atualizadas na era Bill Clinton —os dois últimos presidentes americanos submetidos a processos de impeachment.
As orientações sugerem que um presidente em exercício tem imunidade e não pode ser processado. Mueller poderia ter ignorado os controversos memorandos.
Em suas respostas na quarta-feira, Muller se esquivou, tergiversou e empregou jargões em latim para evitar dizer qualquer coisa que pudesse ser usada como citação nos telejornais noturnos.
Ele chegou até mesmo a mostrar deferência às afirmações republicanas de que a investigação do FBI (a polícia federal americana) havia sido uma trama tecida por funcionários públicos tendenciosos e agentes de Hillary Clinton.
Mueller poderia ter esmagado essas teorias de conspiração ou instilado vida em seu relatório. Em lugar disso, optou por sugar toda a emoção que ele possuía.
Sua postura fez lembrar o momento em que o presidente Dwight Eisenhower disse ao seu secretário de Imprensa: "Não se preocupe, Jim. Se o tema surgir, eu os confundirei", depois de falar longamente sobre o assunto de maneira privada.
É justo apontar que Mueller já havia feito o que foi apontado para fazer. Tendo recebido grande volume de provas, a escolha quanto a apanhar o bastão ou não cabia ao Capitólio. Pelosi se recusou firmemente a fazê-lo.
A posição dela sobre isso mudou e oscilou diversas vezes. Inicialmente, ela afirmou que o Congresso deveria aguardar o relatório com trechos censurados, que demorou um mês para chegar. Depois, disse que era preciso aguardar o depoimento de Mueller, o que estendeu o prazo por mais dois meses.
Em outros momentos ela disse que Trump faria um "autoimpeachment". Com isso ela queria dizer que ele perderia a presidência no ano que vem. Mas o tempo todo Pelosi calculava que iniciar um impeachment beneficiaria Trump, como beneficiou Clinton.
Ela está caminhando no fio da navalha entre apaziguar a base liberal irada, que quer processar Trump, e irritar o público americano que perdeu interesse na investigação há muito tempo.
No começo do mês, 95 deputados democratas votaram a favor de abrir o debate sobre o impeachment de Trump —quase 40% da bancada controlada por Pelosi. O número quase dobrou ante o total de alguns meses atrás. Mas o público dos Estados Unidos caminha na direção oposta.
Apenas 21% dos americanos apoiavam o impeachment, de acordo com uma pesquisa recente. É difícil acreditar que muita gente tenha lido o relatório de Mueller. Dezenas de legisladores admitiram não tê-lo feito. O depoimento de Mueller provavelmente foi a chance final de Pelosi de educar os americanos sobre o relatório via telas.
O último —e maior motivo— para que o impeachment tenha morrido é Trump. Ele matou o impeachment direta e indiretamente. Quanto à primeira parte da afirmação, Trump sempre descreveu a investigação como uma caça às bruxas conduzida por procuradores democratas "raivosos" e alimentada pelo que ele chama de Estado profundo.
Quase tudo isso é ficção. Mas quanto mais uma mentira é repetida, maior a chance de que seja aceita. William Barr, o secretário da Justiça de Trump, ajudou nessa narrativa ao descrever erroneamente o relatório de Mueller como tendo inocentado o presidente.
A razão indireta é igualmente importante. Trump foi eleito porque a política dos Estados Unidos é fortemente disfuncional. Os órgãos políticos americanos já não funcionam como deveriam.
Na quarta-feira, o primeiro ramo do governo dos Estados Unidos ofereceu um caso claro de quebra institucional. O Congresso se provou incapaz de forçar o Executivo a prestar contas. Como Trump, os legisladores estavam ocupados demais tentando mostrar a cara na TV.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.