É raro um líder sair jubiloso de uma árdua cúpula internacional de três dias. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, não conseguiu esconder sua satisfação depois da maratona dos líderes da União Europeia em Bruxelas nesta semana.
Cinquenta horas de negociações, incluindo uma sessão que durou a noite toda, entre os primeiros-ministros e presidentes da UE, renderam uma equipe de políticos de alto calibre para dirigir as instituições da união nos próximos anos.
A cúpula marcou uma "profunda renovação" do projeto europeu, alegrou-se Macron, até mesmo uma nova era.
"Este acordo é fruto de um profundo entendimento franco-alemão e da nossa capacidade de trabalhar com todos os parceiros europeus", acrescentou o líder francês. "Esta decisão significa que não dividimos a Europa —nem política nem geograficamente."
Trinta horas antes, a imagem parecia completamente outra. Então, um Macron visivelmente irritado saiu das negociações estagnadas para protestar contra as "divisões" e as "agendas ocultas" que tornavam impossível para o bloco chegar a decisões.
A UE mais uma vez demonstrava hesitação num momento em que o mundo estava em tumulto. "Passamos a imagem de uma Europa que não é séria", disse o líder francês.
Os líderes da UE, privados de sono, tinham nesta fase suportado um último esforço frenético para encontrar um pacote vencedor. "Foi o caos", disse um diplomata. "Piorava a cada hora." Outro descreve a cena como "maluca".
Um primeiro-ministro havia sondado colegas sobre outros líderes que estavam ao alcance da voz. Outro propôs uma lista de políticos apenas da Alemanha e do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Então, para alívio de todos, as negociações foram suspensas durante a noite até a manhã de terça-feira (2).
Essa foi a terceira tentativa da UE de nomear novos chefes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Conselho Europeu, bem como um chefe de política externa. Parecia um quebra-cabeça impossível, mas na noite seguinte um acordo foi fechado.
Os líderes concordaram que Ursula von der Leyen, ministra da Defesa da Alemanha, deveria se tornar presidente da comissão, colocando-a no comando do braço executivo da UE.
A francesa Christine Lagarde garantiu a presidência do BCE. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, foi nomeado presidente do Conselho Europeu, o que significa que ele presidirá as reuniões dos líderes da UE, e o espanhol Josep Borrell vai liderar a política externa.
Todos puderam reivindicar pelo menos uma vitória parcial. Donald Tusk, o atual presidente do Conselho da UE, declarou que "valeu a pena esperar por tal resultado".
No entanto, para muitos, pareceu um típico acordo de bastidores para servir aos interesses do "ancien regime" da Europa. A França e a Alemanha compartilharam os dois trabalhos mais importantes.
Os espólios foram limitados às três famílias políticas estabelecidas da UE, de conservadores, socialistas e liberais —sem nada para os verdes e eurocéticos ressurgentes—, e aos países da Europa Ocidental.
O resultado também permitiu ao Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, prolongar seu mandato de 15 anos na presidência da comissão.
Mas se o resultado aparentemente manteve o status quo, o processo —um "choque entre a Europa diplomática e a Europa política", segundo Susi Dennison, do Conselho Europeu de Relações Exteriores— revelou as fortes subcorrentes de mudança.
Ele destacou o poder cada vez menor da chanceler alemã Angela Merkel, que foi criticada por seus próprios colegas do PPE e pelo potencial disruptivo dos governos do Leste Europeu.
Ele expôs a complexidade da tomada de decisões em uma UE de 28 países, cujo Parlamento se tornou fragmentado e imprevisível depois que os blocos de centro-direita e centro-esquerda perderam a maioria combinada pela primeira vez em 40 anos.
Houve também uma divisão entre a importância que se deve atribuir à busca de cargos para os "Spitzenkandidaten", ou "principais candidatos" dos maiores partidos que disputaram as eleições de maio na UE —sistema defendido pelo Parlamento Europeu e por algumas capitais, especialmente Berlim, como forma de tornar a união mais democrática.
"Eles experimentaram o sistema de Spitzenkandidaten. Não funcionou. Eles tentaram encontrar um novo caminho. Esse era o modo antigo", disse Daniela Schwarzer, diretora do grupo de estudos Conselho Alemão de Relações Exteriores. "Reflete a fragmentação e as divisões políticas na UE."
Merkel e Macron chegaram a Bruxelas no domingo com um plano conjunto. O líder alemão tinha falhado numa cúpula em junho em garantir a presidência da comissão para Manfred Weber, conservador e principal candidato do PPE nas eleições. Sua candidatura encontrou um muro de oposição, inclusive de Macron.
Agora havia um plano radicalmente diferente preparado pelos líderes franceses e alemães com seus colegas holandeses e espanhóis à margem da cúpula do G20 em Osaka no último final de semana: Weber se tornaria presidente do Parlamento Europeu, enquanto Frans Timmermans, ex-ministro holandês das Relações Exteriores que liderou a campanha de centro-esquerda, ficaria com a Comissão Europeia.
Para Merkel, a abordagem teve o benefício de satisfazer seus parceiros de coalizão social-democrata em casa, enquanto possivelmente agradaria a seu próprio partido ao encontrar uma função importante para Weber.
Pouco depois de chegar a Bruxelas, Merkel descobriu que sua própria família política via o acordo como uma rendição.
Uma tempestuosa pré-reunião dos líderes do PPE no Palais des Académies preparou o palco para o que se seguiu, enquanto os primeiros-ministros, incluindo Andrej Plenkovic, da Croácia, e Krisjanis Karins, da Letônia, se rebelaram contra um plano que eles argumentavam contrariar os interesses do PPE.
Boyko Borisov, primeiro-ministro conservador da Bulgária, chegou à cúpula rígido, dizendo: "Merkel é a presidente da CDU. Não do PPE".
Timmermans também enfrentou oposição implacável do grupo "Quatro de Visegrad" —Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Hungria. O holandês travou batalhas com os governos polonês e húngaro em seu atual cargo como primeiro vice-presidente da comissão encarregado de preservar o Estado de direito.
Recusando-se a desistir de um pacote de cargos que ela esperava que a protegesse de danos políticos em casa, Merkel manteve conversas de última hora com outros líderes do PPE na madrugada de segunda-feira que não produziram avanço, apesar do que um diplomata descreveu como "torção de braço".
Isso preparou o cenário para o período caótico de negociações que os líderes enfrentaram antes de Tusk suspender a cúpula.
O pacote que acabou surgindo depois que as negociações foram retomadas, na terça-feira, teve uma clara aprovação francesa: Macron defendeu a causa de Von der Leyen e acrescentou Lagarde ao BCE.
Ele lançou para Merkel a ideia de um pacote baseado nas duas mulheres durante uma calmaria nas negociações.
Timmermans estava fora, e a centro-direita teria a presidência da comissão, afinal. O impasse foi rompido e chegou-se a um consenso com notável rapidez, apesar de não ter cumprido um dos critérios básicos que os líderes da UE haviam estabelecido para si próprios: o equilíbrio regional. As quatro pessoas escolhidas são da Europa Ocidental e três delas são dos seis países fundadores da UE.
Varsóvia e Budapeste se gabaram sobre derrubar Timmermans. Mas acabaram com Von der Leyen, uma centrista modernizadora, pró-casamento gay, que pode se mostrar mais dura contra o retrocesso democrático no Leste do que seu antecessor. Não houve cargo importante para essa região.
Diplomatas dizem que isso reforçou a impressão de que os governos das Europas Central e Oriental, cujos interesses frequentemente divergem, podem ser bons para destruir, mas não tanto para construir.
Em uma reviravolta final, quando se chegou a uma votação de líderes da UE sobre a primeira presidente alemã da comissão em 50 anos, Merkel se viu na extraordinária posição de ter que se abster porque seus aliados social-democratas em Berlim estavam furiosos porque ela havia abandonado o sistema de principal candidato. Todos os outros líderes votaram a favor do acordo.
Os acontecimentos desta semana revelaram que a autoridade de Merkel está diminuindo. Ela já dominou o PPE, mas desta vez enfrentou uma revolta declarada.
Na Alemanha, o acordo sobre cargos na UE deu ao SPD uma razão para deixar a coalizão, o que encerraria a carreira de Merkel.
Também ilustrou o declínio do poder do PPE, que nos últimos dois anos e meio ocupou as presidências da comissão, do conselho e do Parlamento. O centro de gravidade dos deputados do PPE mudou de oeste para leste, e para uma visão de mundo nacionalista conservadora.
O acordo sobre cargos foi um golpe para o Parlamento Europeu e os defensores do sistema de principais candidatos. Mas a legislatura está longe de ser intimidada.
A nomeação de Von der Leyen requer a aprovação dos eurodeputados em votação em meados de julho. Os números podem ser apertados, o que significa que Von der Leyen terá de permitir que os deputados modifiquem o programa dela para obter a confirmação.
"Pode parecer paradoxal que esta política imprevisível numa Europa fragmentada esteja se traduzindo em um acordo muito à moda antiga, de bastidores", disse Alberto Alemanno, professor de direito europeu na escola de administração HEC em Paris. "É paradoxal, mas esse não é um acordo fechado. Longe disso."
Macron foi claramente o vencedor da semana. Ele pode ter prorrogado o mandato do PPE no topo da comissão, mas vê Von der Leyen como uma pró-europeia aberta às ideias francesas sobre defesa e integração econômica.
Ele instalou Michel, um dos seus aliados mais próximos, no Conselho Europeu. E pode contar com Lagarde no BCE fazendo o que for preciso para defender a zona do euro. Não admira que estivesse exultante.
"É um segundo ato que começa para a nossa Europa", disse. "Um novo time, profundamente renovado, novos rostos, um sopro de ar fresco."
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