Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Concurso para o Itamaraty exclui questões sobre governos do PT

Políticas econômicas de Lula e Dilma não constam do edital de 2019

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Brasília

O Ministério das Relações Exteriores excluiu conteúdos relacionados às políticas econômicas dos governos do PT da lista de conhecimentos exigidos na prova de ingresso para a carreira diplomática. 

Publicado em 8 de julho, o edital do concurso que deve ser realizado em setembro não traz temas exigidos nas duas últimas edições do exame. 

Palácio Itamaraty, sede do ministério de Relações Exteriores, em Brasília
Palácio Itamaraty, sede do ministério de Relações Exteriores, em Brasília - Marcelo Chello - 16.set.2017/CJPress/Folhapress

Foram retirados os conteúdos “diferenças na política econômica entre o primeiro e o segundo mandato do governo Lula”, “efeitos positivos das políticas distributivas de renda” e “nova matriz econômica” —medidas adotadas na gestão Dilma Rousseff.

Também foi cortado o item “reformas institucionais do governo Fernando Henrique Cardoso”, mas professores de cursos preparatórios ouvidos pela Folha afirmam que ainda há margem para que temas sobre a política econômica do tucano sejam cobrados na prova. 

Isso porque foram preservados os pontos “economia brasileira nos anos 90” e “Plano Real.” 

As alterações não se limitam a economia. O item “Políticas de identidade: gênero, raça e religião como vetores da política mundial”, que constou nas seleções de 2018 e 2017, foi trocado por “Direitos humanos, liberdade religiosa e políticas de identidade.”

O edital da seleção traz uma lista de temas que guiam os candidatos para o exame, sem descrições de cada tópico. 

Em tese, o concurso não pode cobrar uma questão sobre assunto que não tenha sido descrito no chamamento. Mas, em razão do grande número de conteúdos e da forma genérica como muitas vezes eles aparecem no documento, dificilmente uma pergunta é anulada sob argumento de que o assunto não constou no edital, segundo professores de cursos preparatórios. 

Felipe Estre, professor de Política Internacional do curso Ideg, que prepara aspirantes à carreira diplomática, opina que o novo edital foi feito com “alguma orientação ideológica”. “Suprimir o termo gênero e raça do edital têm alguma orientação”, diz.

“É possível que ainda seja cobrado, porque esses temas podem estar em outros itens. Mas na aparência houve uma mudança, associada a essa nova orientação do Itamaraty.”

A prova deste ano vai selecionar 20 candidatos para o acesso à carreira de diplomata, com salário inicial de R$ 19,1 mil.

A reformulação do conteúdo programático coincide com a mudança na entidade que organiza e aplica o exame. Nos últimos 26 anos ele foi organizado pelo Cebraspe —o antigo Cespe, vinculado à UnB (Universidade de Brasília).

Mas a chancelaria decidiu contratar neste ano o Iades (Instituto Americano de Desenvolvimento), sob argumento de “preço mais baixo na pesquisa de mercado e proposta técnica adequada às necessidades do Ministério de Relações Exteriores.”

Menos tradicional, o Iades foi fundado em 2009 e desde então realizou duas centenas de seleções para órgãos estaduais e estruturas do segundo escalão do governo federal. 

“O conteúdo programático presente no edital normativo foi elaborado de acordo com as definições do Instituto Rio Branco [escola de formação de diplomatas do ministério], cabendo ao Iades apenas a execução do processo seletivo”, disse a entidade.

Procurado na segunda (15), o Itamaraty não respondeu aos questionamentos da Folha.

O currículo de economia sofreu um considerável enxugamento neste ano. No atual, a última matéria cobrada sobre política econômica recente é “Plano Real”. Depois, os assuntos demandados pulam para “bancos digitais, meios de pagamento e os desafios da transição do ‘dinheiro de plástico’ para o ‘dinheiro digital’ na economia do século 21”.

As alterações em temas de economia dividiram professores de cursos preparatórios. 

Michelle Miltons, que leciona a disciplina para postulantes do concurso, afirma que as mudanças são positivas e que equipararam o volume de temas econômicos com as demais partes do edital. 

“A mudança viabilizou mais o estudo e permite que os candidatos se aprofundem nos demais temas com qualidade melhor. Não consigo enxergar nada além de cortes temporais”, acrescenta. 

A opinião não é compartilhada por Marcello Bolzan, coordenador do curso do Ideg, que também dá aulas de economia. “Vejo como retrocesso. Quando você contrata uma pessoa para ser diplomata, o mínimo que ela precisa conhecer é a história econômica dos últimos 20 anos do país.”

Apesar disso, ele afirma não ver ideologia na decisão, e sim preocupação em evitar assuntos mais recentes que, segundo o professor, são mais fáceis de serem alvo de contestação. 

Isso porque, explica Bolzan, questões sobre acontecimentos contemporâneos costumam ser formuladas com base em referências bibliográficas menos consolidadas, o que aumenta as chances de apresentação de recursos.

“Como trocaram a banca [que organiza o exame], não é interessante que ela comece pelo lado avesso. Estamos falando de um dos concursos mais difíceis do país, e a banca atual não tem a mesma tradição do que a anterior”, afirma.

Outra mudança é que a prova deste ano terá apenas duas fases, e não mais três.


Exemplos de questões do concurso ao Itamaraty

Os itens listados no conteúdo programático do edital servem como base para a elaboração das perguntas do exame. A Folha selecionou duas questões dos últimos anos que, segundo professores de cursos preparatórios, foram elaboradas com base nas matérias excluídas no edital atual.

Exame de 2015 — Noções de Economia 
QUESTÃO 72 Julgue (Certo ou Errado) os itens subsecutivos, referentes à economia brasileira a partir dos anos 90 do século passado.

1. Conforme o diagnóstico do Plano Real apresentado à população, a origem da inflação brasileira estava no descontrole do gasto público, motivo pelo qual os gastos
deveriam ser reduzidos. Apesar disso, o plano propiciou o aumento do Estado, particularmente para permitir a criação de agências reguladoras, garantir a competitividade e manter a oferta de bens a preços eficientes.

2. A terceira fase de implantação do Plano Real ocorreu com a adoção da nova moeda, o real. Em julho de 1994, o cruzeiro real deixou de existir e a URV transformou-se no real. Como a URV refletia a taxa de câmbio de cruzeiros reais e dólar, a taxa de câmbio foi fixada em um real por um dólar, subentendendo-se a adoção da âncora cambial da fase anterior.

3. No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, abandonou-se a manutenção da estabilidade monetária do governo de Fernando Henrique Cardoso, com a criação de um instrumento monetário que pode ser entendido como a fixação de uma meta de inflação para cada ano, o que, juntamente com uma adequada taxa de crescimento econômico, promoveu a inclusão social e a redução drástica da pobreza no Brasil.

4. Os efeitos da crise de 2008 observados no Brasil incluem a contração das exportações de maior valor agregado, decorrente de menor demanda externa, e a contração do crédito doméstico, tanto para o giro das empresas quanto para o
consumo das famílias.

Exame de 2017 —Política Internacional
QUESTÃO 20 Acerca dos direitos humanos e de questões de gênero na política internacional, julgue (Certo ou Errado) os itens a seguir. 

1. Direitos sociais relacionados à proteção do trabalho foram incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas em consequência da iniciativa do representante brasileiro no comitê de redação. 

2. A promoção dos direitos das mulheres constituiu um aspecto importante da política externa norte-americana no período em que Hilary Clinton ocupou o posto de secretária de Estado. 

3. Em 2015, o Reino Unido pôs em prática uma política externa feminista centrada na tríade: representação, direitos e recursos, o que gerou tensões com países árabes como a Arábia Saudita e o Egito. 

4. Apesar dos esforços da delegada brasileira Bertha Lutz nas reuniões preparatórias, o texto final da Carta das Nações Unidas, assinado em 1945, não menciona a igualdade entre os sexos

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