Descrição de chapéu The New York Times

Escalada de tensão com EUA faz com que iranianos linha-dura defendam negociação com Trump

Voz marcante no grupo é do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, conhecido por discurso antiamericano

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Farnaz Fassihi
The New York Times

O mais respeitado comandante da Guarda Revolucionária do Irã diz que conversar com o presidente Donald Trump seria admitir a derrota. O líder supremo do país descartou qualquer negociação com Washington.

Mas, agora, numa surpreendente divisão na linha-dura iraniana, alguns estão expressando uma opinião diferente: é hora de se sentar e resolver 40 anos de animosidade com os Estados Unidos, falando diretamente com Trump.

E a voz mais marcante nesse grupo é a do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, muito conhecido no Ocidente por seu veemente discurso antiamericano, a negação do Holocausto e a vitória suspeita em uma eleição contestada há uma década, que desencadeou as piores convulsões políticas no Irã desde a revolução islâmica.

O ex-presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad - Lucas Jackson/Reuters

"Trump é um homem de ação", disse Ahmadinejad em uma longa entrevista por telefone ao New York Times. "Ele é um homem de negócios e, portanto, é capaz de calcular os custos-benefícios e tomar uma decisão. Dizemos a ele: vamos calcular o custo-benefício em longo prazo de nossos dois países, e não ser míopes."

As declarações de Ahmadinejad estão entre os vários sinais de diferentes extremos do espectro político iraniano que as autoridades do país querem discutir, pois o risco de conflito armado com os Estados Unidos aumentou.

As tensões foram pontuadas na quinta-feira (18) pela revelação, pelo Irã, de que havia apreendido um navio-tanque estrangeiro no Golfo Pérsico e pela afirmação de Trump de que as forças navais dos Estados Unidos na região derrubaram um drone iraniano.

As autoridades de Teerã negaram na sexta-feira (19) que os americanos tivessem derrubado um de seus drones. (Ahmadinejad, que falou antes que os americanos informassem pela primeira vez sobre o drone, disse por meio de um assessor na sexta que não mudou sua opinião de que os dois lados devem conversar.)

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, que já havia insistido que não poderia haver negociações com os Estados Unidos, a menos que o país voltasse ao acordo nuclear que Trump abandonou no ano passado, declarou na quinta-feira estar disposto a se reunir com senadores dos EUA para discutir possíveis saídas da crise nuclear.

Pela primeira vez, Zarif sugeriu passos modestos que Teerã estaria disposta a dar em troca da suspensão simultânea das sanções que Trump reimpôs.

Dentro das rivalidades que permeiam a hierarquia política do Irã, Zarif, formado nos Estados Unidos, faz um grande contraste com Ahmadinejad, que, quando presidente, tirou o agora chanceler do governo. No entanto, ambos estão buscando maneiras de se comunicar com o governo Trump.

A demagogia autopromocional de Ahmadinejad, de certa forma, faz com que ele seja a versão iraniana de Trump, na opinião de alguns iranianos.

Mas ele ainda comanda seguidores no país de 80 milhões de habitantes, principalmente entre pessoas de baixa renda que associam seu mandato a melhores tempos econômicos e subsídios em dinheiro do governo.

Ele também tem um assento no Conselho de Expediente, órgão de elite nomeado pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, para supervisionar o trabalho das autoridades eleitas.

Na entrevista ao Times, que durou mais de uma hora, Ahmadinejad disse que Teerã e Washington deveriam resolver diretamente a ladainha de disputas que começou com a revolução de 1979, a invasão da embaixada dos EUA, a tomada de reféns americanos, as acusações mútuas de interferência regional e todo o resto.

Imagem divulgada pelo Irã mostra navio apreendido no estreito de Hormuz - Guarda Revolucionária do Irã/AFP

Ahmadinejad disse que o Irã deve abandonar a abordagem de recrutar a Europa e outros intermediários para influenciar Trump sobre sua hostilidade ao acordo nuclear de 2015.

Isso seria possível, disse Ahmadinejad, se Trump primeiro atenuasse parcialmente suas táticas de "pressão máxima", mais notadamente as sanções onerosas que ele impôs após ter abandonado o acordo, chamado Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA na sigla em inglês), entre o Irã e as grandes potências.

"A paz mundial, a economia e a cultura se beneficiariam muito de nosso trabalho conjunto", disse Ahmadinejad. "Os EUA querem abordar questões mais amplas que o JCPOA. As questões em jogo são mais importantes e mais amplas do que se o JCPOA deve viver ou morrer. Precisamos de uma discussão fundamental."

Ahmadinejad disse que escreveu três cartas a Trump: em fevereiro de 2017, parabenizando-o pela eleição; em junho de 2018, depois que Trump saiu do acordo nuclear; e no mês passado, quando forças de ambos os países se enfrentaram no Golfo Pérsico.

Ahmadinejad disse que enviou as três cartas, que ofereceram longas reflexões filosóficas e conselhos governamentais, por correio aos cuidados do embaixador suíço em Teerã, por mensagem para a conta de Trump no Twitter e para um endereço de e-mail da Casa Branca. A Embaixada da Suíça cuida dos interesses dos EUA no Irã na ausência de laços diplomáticos diretos.

Não ficou claro se Trump recebeu as cartas. Autoridades da Casa Branca disseram que precisam de mais informações sobre exatamente como e quando foram enviadas, mas ressaltaram que Ahmadinejad não poderia ter enviado mensagens diretamente via Twitter porque Trump não o segue. A embaixada da Suíça em Teerã não quis comentar, segundo um porta-voz.

Ahmadinejad disse que não foi repreendido por tentar se corresponder com Trump, e que Khamenei pode mudar de ideia e aprovar as negociações com Washington se o governo americano mudar sua abordagem.

Ele ressaltou que Khamenei, que tem a última palavra sobre as relações do Irã com os Estados Unidos, permitiu negociações nucleares com os americanos sob o governo do presidente Barack Obama.

O momento das mensagens de Ahmadinejad e Zarif foi notável: o governo Trump enviou vários sinais nos últimos dias de que quer iniciar negociações com o Irã "sem condições prévias".

E pela primeira vez desde que Trump abandonou o acordo nuclear ambos os lados falam sobre a necessidade de negociar, mesmo que cada um tenha estabelecido demandas unilaterais que o outro deve cumprir.

Não há garantia, é claro, de que ambos os lados encontrarão um caminho. Khamenei descreveu Trump como um trapaceiro maligno e proibiu conversas com ele sob quaisquer circunstâncias.

E o general Qassem Suleimani, comandante da Força Quds, a elite da Guarda Revolucionária, citado como um possível futuro presidente, disse que conversar com Washington seria como se render.

Ahmadinejad admitiu que, para as negociações acontecerem, em sua opinião, os Estados Unidos precisariam suavizar sua abordagem.

"Se você apertar a garganta de qualquer pessoa no mundo e disser 'venha conversar', não será válido", disse ele. "As negociações devem ocorrer em condições mais calmas e mais respeitosas para que possam ser duradouras."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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