Filipinas deixam de atualizar dados de mortos em operações policiais

Novo site monitora crimes ligados à guerra contra as drogas promovida pelo presidente Duterte

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São Paulo

Alejandro Canoza foi visto pela última vez em 9 de junho. Andrea Mercado, 15, desapareceu no dia 20. No dia 23 de junho, um corpo foi encontrado num lago e identificado como Jonie Santos, 41. Bryan Conje, 22, desapareceu em 2 de julho e reapareceu morto no dia 5, após reagir à polícia, segundo a versão oficial. Na semana passada, Kateleen Ulpina, morta aos 3 anos, foi enterrada.

Esses e outros casos povoam a Nights Watch, novo site criado por jornalistas que cobrem a guerra às drogas nas Filipinas desde que o presidente Rodrigo Duterte tomou posse, em meados de 2016.

As vítimas da campanha presidencial já passam de 27 mil, segundo a organização internacional Human Rights Watch.

A filipina Maria Theresa Conje chora no enterro do filho Bryan, morto no contexto da guerra às drogas do país, em Manila
A filipina Maria Theresa Conje chora no enterro do filho Bryan, morto no contexto da guerra às drogas do país, em Manila - AFP

O governo filipino, que deixou de atualizar as estatísticas há dois anos, divulgou em maio 6.600 mortos em operações policiais —na versão oficial, guardas agem em legítima defesa, reagindo a ataques.
“Assassinatos continuam acontecendo todo dia, promovidos por policiais e homens não identificados que suspeitamos estarem ligados à polícia”, diz Carlos Conde, pesquisador da Human Rights Watch.

O jornalista Vincent Go, que é cofundador da Knights Watch e cobre a guerra às drogas desde a posse de Duterte, relata uma mudança recente: “Em vez de suspeitos baleados nos bairros pobres de Manila, passaram a acontecer sequestros, ocultação de cadáveres e desaparecimentos.”

Segundo Go, advogados e ativistas de direitos humanos que se opõem à política de Duterte também têm sido ameaçados e agredidos.

Para Conde, o governo filipino “lançou uma campanha incansável contra defensores de direitos humanos, membros da sociedade civil, jornalistas e líderes da Igreja Católica” e tem bloqueado qualquer tentativa de transparência.

Apesar dos relatos, o Brasil se absteve neste mês de votação que pedia investigação sobre assassinatos e abusos do governo filipino no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A Folha teve acesso a comunicado interno no qual o Itamaraty orienta a abstenção e justifica a posição para “evitar a politização e a seletividade das atividades do Conselho”.

O ministério afirma no texto que, “a despeito dos desafios e problemas de direitos humanos enfrentados pelo país, a situação local não parece comparável àquela da Venezuela, Nicarágua ou Eritreia” 
—ditaduras que podem ser identificadas com a esquerda.

Com um governo de políticas classificadas tanto de esquerda como de direita, o presidente Duterte é descrito por analistas como populista e conhecido por discursos e ações linha-dura contra traficantes e usuários de drogas.

Na justificativa para a abstenção, o Brasil diz que as Filipinas “têm reconhecidamente se engajado com o Conselho de Direitos Humanos e os seus mecanismos”, inclusive o de revisão periódica, pelo qual foi avaliado em 2017.

O conselho da ONU afirmou não comentar as posições tomadas pelos países membros, mas disse ser impossível comparar as Filipinas com outros países, como os três citados no documento do Itamaraty.

Segundo o órgão, os três também se submeteram às revisões periódicas do conselho. “Nem todos, porém, abriram suas portas para inspetores independentes”, inclusive no caso das Filipinas, ressalva a nota do órgão da ONU.

“O que o governo filipino faz nas revisões em relação à guerra às drogas é espalhar mentiras e desinformação”, diz Conde, da Human Rights Watch.

Segundo ele, o governo Duterte estimula a impunidade: “Entre centenas de casos de policiais acusados de assassinato ilegal nesses anos, só um resultou em condenação”.

A guerra às drogas agrava também problemas sociais, afirma o pesquisador, já que a maioria absoluta dos mortos são homens pobres, o que deixa as famílias e crianças sem condições de se sustentar.

A resolução da ONU para investigar as Filipinas acabou aprovada com 18 votos a favor e 14 contra —além do Brasil, 14 países também se abstiveram, incluindo o Japão. 

“Nenhum país está isento de violações a direitos humanos, por isso nenhum Estado deveria estar imune a escrutínio de observadores”, afirma Rolando Gómez, do Conselho de Direitos Humanos.

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