Descrição de chapéu The New York Times

Governador de Porto Rico demorou a notar raiva que fermentava contra ele

Ricardo Rosselló renunciou ao cargo após vazamento de mensagens no Telegram

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Patricia Mazzei Frances Robles
San Juan (Porto Rico) | The New York Times

A população de Porto Rico o conheceu primeiro como Ricky, o jovem bonito que se mudou para a residência do governador quando tinha apenas 13 anos.

Seu pai era o governador, e Ricardo A. Rosselló cresceu como uma criança privilegiada na histórica La Fortaleza, mansão palaciana do século 16 com cortinas pesadas e grossas portas de madeira, a poucos passos do mar do Caribe.

Hoje governador, Rosselló vive na mesma fortaleza colonial de sua juventude, com sua própria família.

Mas a propriedade se transformou em uma gaiola, guardada por policiais de uniforme antimotim e cercada por manifestantes que querem que ele vá embora.

Ricardo Rossello, que renunciou ao cargo de governador de Porto Rico
Ricardo Rossello, que renunciou ao cargo de governador de Porto Rico - Alex Wong - 20.dez.17/AFP

Rosselló anunciou na quarta-feira (24) que ia renunciar ao cargo, do qual sairá em 2 de agosto, medida sem precedentes na história de Porto Rico e que leva a um fim vergonhoso uma carreira política até agora promissora.

Demorou apenas duas semanas para que seu governo atingisse o ponto de colapso, minado por uma revolta popular que o governador inicialmente achou que poderia suportar.

No entanto, Rosselló interpretou mal a raiva que fermentava entre a população após anos de estagnação econômica e promessas descumpridas.

Depois de passar grande parte de sua carreira política perseguido por acusações de ser um menino de ouro cujo sucesso veio por meio da rede de influência política que herdou do pai, Rosselló acabou sendo vítima de uma crise de sua própria autoria.

Evitando os veteranos do partido, ele se cercou de um grupo de amigos jovens e influentes, e o estilo arrogante e sarcástico de fraternidade que compartilhavam às custas dos que estavam fora de seu círculo tornou-se sua ruína.

Os problemas do governador começaram após a publicação de centenas de páginas de uma conversa em grupo privado que vazaram no aplicativo de mensagens Telegram, um fato embaraçoso que, em condições diferentes, poderia ser superado na política moderna.

Mas a conversa elitista refletia o estilo de governo de Rosselló, dependendo de um grupo fechado de parceiros que rejeitavam o conselho de pessoas de fora, muitos dos quais disseram ter assistido de longe enquanto o governo se aprofundava em problemas.

Ele foi criticado por ter um Chevrolet Suburban de US$ 245 mil e por ter passado os dias brutais após o furacão Maria, em 2017, no centro de operações de emergência, com ar-condicionado.

"Ricky adorava o sucesso", lembrou Yosem E. Companys, ex-sócio e mentor de Rosselló. "E ele amava especialmente que as pessoas se encantassem por ele. Adorava estar cercado por pessoas servis."

Com a crise envolvendo seu governo, o governador se viu cada vez mais isolado, tendo perdido o apoio do público, dos líderes de seu partido político e de muitos de seus próprios assessores, que apresentaram suas renúncias e deixaram Rosselló, 40, quase completamente sozinho.

"Você tinha um governador isolado, cujo gabinete está renunciando, com os prefeitos de seu partido pedindo que ele renuncie e com as pessoas na rua pedindo que ele renuncie", disse Antonio Sagardía, ex-secretário de Justiça de Porto Rico. "Era impossível governar assim."

Sagardía disse que conversou com Rosselló na terça-feira e lhe disse que não tinha escolha a não ser deixar o cargo de governador depois que o Departamento de Justiça de Porto Rico emitiu mandados de busca para celulares pertencentes a Rosselló e 11 de seus assessores atuais e antigos como parte de uma investigação criminal do grupo de bate-papo.

As mensagens vazadas, além de rudes e obscenas, sugeriam que o governo estava favorecendo inadequadamente seus amigos com conexões políticas, poucos dias depois que autoridades federais prenderam dois ex-altos funcionários e quatro outras pessoas em uma investigação de corrupção.

Para as pessoas que achavam que conheciam Rosselló, ler seus comentários grosseiros lhes apresentou um lado que ele parecia mostrar apenas a seus amigos homens.

"Ele era muito respeitoso, sempre muito gentil, muito cavalheiro", disse a deputada Jenniffer González-Colón, comissária residente de Porto Rico no Congresso dos Estados Unidos, que exigiu publicamente a renúncia de Rosselló na última sexta-feira. "Eram duas personalidades completamente diferentes."

Quando concorreu em 2016, o currículo de Rosselló parecia excelente para um candidato estreante com conexões familiares de longo alcance na política: tenista no MIT; doutorado em engenharia biomédica em Michigan; pesquisa de pós-doutorado na Duke.

González-Colón e Sagardía descreveram Rosselló quando foi eleito como um trabalhador metódico e incansável. Ele dormia pouco e gostava de traçar seus próprios gráficos e tabelas —às vezes com canetas de várias cores que levava no bolso.

"Ele é muito organizado, como são os médicos e cientistas", disse Sagardía, que conhece Rosselló desde a adolescência. "Não estamos falando sobre qualquer um."

Mas Rosselló encheu sua equipe com amigos de confiança que, em muitos casos, tinham tão pouca experiência de governança quanto ele. Veteranos de seu Partido Novo Progressista, que apoia a independência de Porto Rico, sentiram que Rosselló os esnobava, recusando-se a pedir ou seguir seus conselhos.

"Eu acho que esta é uma combinação infeliz de um grupo de pessoas que podiam ser muito trabalhadoras e bem-intencionadas, mas eram inexperientes, e havia muita arrogância no ar", disse Luis G. Fortuño, ex-governador do Novo Progressista que não era amigo de Rosselló.

Yosem Companys deu a Rosselló seu primeiro cargo na política a pedido de Pedro J. Rosselló, pai de Ricardo e ex-governador, que também fora mentor de Companys.

Em 2004, Companys dirigiu a campanha latina de Wesley Clark, candidato presidencial democrata, e levou ao Arizona um Rosselló ansioso para ajudar.

Rosselló pai não queria que o filho seguisse seus passos, disse Companys.

"Pedro me disse: 'Ouça, eu não quero meu filho na política —acho que é um negócio sujo, e não quero que minha família sofra ainda mais—, mas ele é muito persistente'", lembrou Companys.

Alguns anos depois da campanha, Rosselló se aproximou de Companys, então estudante de doutorado em Stanford, para somar forças em uma startup do Vale do Silício.

Rosselló e Companys decidiram desenvolver um software de pesquisa política em tempo real, por uma firma chamada Bullitics. Quando Companys mencionou que precisariam de um capital significativo para começar, Rosselló lhe disse para não se preocupar que ele tinha recursos suficientes.

A startup não deu em nada, e as pessoas que Companys trouxe para o empreendimento não foram pagas, disse.

Cameron Brown, que havia contratado desenvolvedores para escrever o código do software, disse que Rosselló enviou alguns pagamentos iniciais, "mas basicamente me embrulhou".

Quase dez anos depois, Brown disse que recebeu alguns pagamentos de Rosselló em 2017 e 2018, depois que ele se tornou governador.

Companys afirmou que cobriu parte da dívida de Rosselló com dinheiro próprio e depois declarou falência.
"Ele vive numa bolha", disse Companys sobre Rosselló. "É assim que foi toda a sua vida."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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