Descrição de chapéu The New York Times

Incêndio no Japão matou principalmente mulheres, em estúdio conhecido por contratá-las

Quase dois terços das vítimas eram mulheres, tendência de contratação da Kyoto Animation

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KYOTO | The New York Times

Ele não consegue tirar as mulheres da cabeça.

Um dia depois que um incêndio aparentemente criminoso matou 33 pessoas em um estúdio de animação na cidade japonesa de Kyoto, um vizinho, Ken Okumura, 81, lembrou-se de ter visto várias mulheres saltarem do segundo andar do prédio.

 

Elas estavam tão gravemente queimadas que o sangue saía por seus narizes, e todas as suas roupas, exceto as roupas íntimas, tinham sumido.

"Foi simplesmente horrível", disse Okumura na sexta-feira (19), enquanto o cheiro de queimado ainda pairava no ar úmido.

Bombeiro inspeciona o interior do prédio da produtora Kyoto Animation
Bombeiro inspeciona o interior do prédio da produtora Kyoto Animation - Kim Kyung-Hoon/Reuters

Muita coisa ainda era desconhecida sobre o incêndio da véspera, que parece ter sido o pior assassinato em massa no Japão em décadas.

A polícia identificou Shinji Aoba, 41, como suspeito no caso, com base em declarações que ele teria feito quando foi preso.

A polícia disse que Aoba passa por tratamento de queimaduras graves e não foi preso.

Reportagens na imprensa japonesa, citando fontes policiais não identificadas, relataram que o suspeito havia dito à polícia que provocou o incêndio porque acreditava que o estúdio, Kyoto Animation, "roubou um romance" dele.

A emissora pública NHK relatou que Aoba havia cumprido pena por assalto e que estava sendo tratado de uma doença mental não especificada.

O relatório, que citou uma fonte não identificada, disse que ele morava na cidade de Saitama, perto de Tóquio.

Na sexta-feira não haviam sido divulgados os nomes das 33 pessoas mortas no incêndio. O que se sabia era que quase dois terços delas (20) eram mulheres.

Isso parece refletir uma tendência na indústria de animação do Japão, bem como as práticas de contratação da Kyoto Animation.

Há cerca de duas vezes mais mulheres do que homens trabalhando como animadores, na faixa dos 20 anos, de acordo com Daisuke Okeda, advogado e conselheiro da Associação Japonesa dos Criadores de Animação.

Os animadores masculinos ainda lideram o setor, e superam as mulheres entre os profissionais com mais de 35 anos, disse Okeda.

Mas a Kyoto Animation —chamada de KyoAni pelos fãs— é conhecida por empregar mais mulheres, especialmente mais jovens.

Mais da metade dos funcionários no prédio queimado eram mulheres, segundo números divulgados pelos bombeiros de Kyoto sobre os mortos, assim como dezenas de feridos.

Na sexta-feira, um homem preocupado com sua neta de 21 anos que trabalhava na Kyoto Animation disse à NHK que não conseguiu encontrar seu nome nas listas de pessoas levadas para hospitais locais.

"Ela era o meu orgulho", disse Kazuo Okada, 69, sobre sua neta, Megumu Ohno.

"Seu nome começou a aparecer nas telas de filmes de anime. Fiquei muito feliz ao ver isso. Eu estava orgulhoso dela. Quero vê-la logo."

A Kyoto Animation foi cofundada por Yoko Hatta e seu marido, Hideaki Hatta, em 1981, e passou a produzir trabalhos de alta qualidade, meticulosamente detalhados.

Eles incluem "A Melancolia de Haruhi Suzumiya", uma série de ficção científica baseada em uma escola secundária, e "Lucky Star", cuja protagonista feminina inteligente se distrai dos estudos devido a animes e videogames.

O Kyoto Animation também é incomum entre os estúdios de anime, pois paga salários aos seus funcionários em vez de honorários de freelancers.

O setor de animação do Japão foi acusado de explorar os profissionais, que trabalham muitas horas por salários baixos.

Ironicamente, o sistema da KyoAni pode ter exposto seus funcionários a um risco maior, ao concentrar tantos deles em um estúdio.

"É um sistema raro na indústria", disse Okeda. Acredita-se que o incendiário tenha comprado cerca de 40 litros de gasolina em um posto próximo ao estúdio, aproximadamente meia hora antes de iniciar o incêndio.

De acordo com relatórios da polícia, o homem levou o combustível para o estúdio em duas latas, num carrinho de mão, depois o despejou no primeiro andar do prédio e acendeu um isqueiro.

"Vimos ontem que qualquer um pode causar massacres e prejuízos tremendos com ferramentas baratas e fáceis, que qualquer um pode obter no dia a dia", disse Daiju Wada, professor de segurança na Universidade de Seiwa, em Chiba, Japão, e consultor de segurança.

"É difícil não vender gasolina para as pessoas." Hatsumi Yamashita, 74, professora de dança em um centro comunitário próximo, onde os bombeiros atenderam alguns feridos em uma garagem, lembrou-se de ter visto uma mulher sentada numa escada, usando o que Yamashita pensou ser uma roupa preta.

"Mas quando ela se deitou no chão vi que estava tão queimada que estava quase nua", disse ela.

"Nunca poderei esquecer essa jovem", disse Yamashita.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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