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Indicação de Eduardo Bolsonaro não é negócio de família e rompe ciclo vicioso no Itamaraty, diz chanceler

Presidente decidiu nomear filho como embaixador do Brasil em Washington

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Londres | BBC News Brasil

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, diz acreditar que a indicação do filho do presidente da República à embaixada mais importante do Brasil no exterior ajuda o Itamaraty a "romper um ciclo vicioso onde nós trabalhamos só para nós mesmos e esquecemos a sociedade do lado de fora".
 
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, o chanceler afirma que a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro ao cargo de embaixador em Washington (EUA) não configura nepotismo —tema levantado por autoridades como o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.

O chanceler Ernesto Araújo recebeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Itamaraty nesta sexta - Arthur Max/Itamaraty

"Não há nepotismo nenhum se realmente for essa a decisão do presidente porque será, se for o caso, a nomeação de uma pessoa que tem um comprometimento com as linhas de política externa do presidente da República e minhas, no caso. Então essa é a razão que levaria a essa nomeação. Não é por ser filho do presidente da República, é por ter capacidade de atuação política e ideias que são as que a gente considera que são corretas", diz.
 
Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que quer indicar seu filho para o cargo de embaixador na capital americana. "Da minha parte, eu me decidi agora, mas não é fácil uma decisão como esta estando no lugar dele e renunciando ao mandato", afirmou o presidente a jornalistas, em Brasília.
 
"Apesar de ser meu filho, ele tem de decidir", acrescentou. O cargo está vago há três meses, desde que o antigo embaixador, Sérgio Amaral, indicação de Michel Temer, foi removido a pedido do presidente da República.
 
Bolsonaro também comentou o assunto em transmissão ao vivo pelo Facebook. "O meu filho Eduardo, ele fala inglês, fala espanhol, há muito tempo roda o mundo todo. E goza da amizade dos filhos do presidente Donald Trump. Existe a possibilidade, mas depende do garoto. E depende do Senado aprovar também", disse.
 
Ernesto Araújo se reuniu com o deputado Eduardo na manhã desta sexta (12). "Conversamos sobre uma pauta nossa de coordenação de temas de política latino-americana, muito especialmente a questão do Foro de São Paulo, que vai se reunir no final do mês e é um tema que nos preocupa e a outras pessoas também", disse o chanceler à reportagem.
 
Questionado sobre a possível nomeação, Araújo reiterou diversas vezes total apoio à sugestão.
 
"Eu confirmei ao deputado Eduardo que vejo com muito bons olhos essa ideia. Depende da confirmação por parte do presidente —ele que faz evidentemente a designação—, então seria um excelente sinal para a relação Brasil-EUA, que é importantíssima para nós."

Nepotismo

A indicação gerou demonstrações de apoio vindas da base do presidente e também críticas —principalmente centradas na relação familiar dos Bolsonaro.

Questionado pelo Broadcast Estadão sobre a possibilidade de nepotismo, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, mostrou-se convencido.
 
"Não tenha a menor dúvida. Sob a minha ótica, não pode, é péssimo. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato falho, um tiro no pé", disse o magistrado.
 
Ainda segundo o jornal, o ministro disse que o presidente Jair Bolsonaro "chegou para nos governar e governar bem, não para proporcionar o Estado aos familiares".
 
Eduardo Bolsonaro acaba de completar 35 anos, idade mínima para o cargo de embaixador. Formado em direito, ele fez intercâmbio nos Estados Unidos, onde trabalhou em uma lanchonete, e como escrivão da Polícia Federal após voltar ao Brasil.

Nas últimas eleições, ele foi o deputado federal mais votado do país —na Câmara, ele ocupa o posto de presidente da Comissão de Relações Exteriores.
 
"Não é um negócio de família evidentemente", diz Ernesto Araújo à BBC News Brasil. "Será, tenho certeza, um excelente movimento de política externa."

Nos bastidores, comenta-se que a preferência de Ernesto para o cargo seria o diplomata Nestor Forster, que já trabalha em Washington e no fim do ano passado apresentou o atual chanceler ao escritor Olavo de Carvalho, tido como espécie de guru ideológico do governo Bolsonaro.
 
Recém-promovido a ministro de primeira classe do Itamaraty, Forster ocupa um cargo conhecido como o "número 2" da embaixada na capital americana e foi um dos articuladores da agenda oficial da visita de Jair e Eduardo Bolsonaro a Washington, em março, quando os três se reuniram a portas fechadas na Casa Branca.
 
A BBC News Brasil perguntou se Eduardo seria a primeira opção do chanceler, caso ele tivesse poder de escolha.
 
"A embaixada em Washington é evidentemente um dos postos mais importantes da nossa diplomacia, e é um tema sobre o qual venho conversando com o nosso presidente da República desde que assumimos em janeiro. Há ótimos nomes, né? Como digo, o deputado Bolsonaro seria um ótimo nome em Washington. Basicamente depende da decisão do presidente da República, ele que nomeia os embaixadores. Já conversei muito com o presidente sobre isso e continuamos conversando", respondeu. 

"Ciclo vicioso"

O anúncio causou forte reação entre diplomatas, que foram pegos de surpresa com a sugestão do presidente.
 
A nomeação de políticos para cargos de embaixador não é inédita no Brasil, mas não ocorria desde o fim do primeiro mandato do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando o então petista Tilden Santiago assumiu o posto em Havana.
 
Antes, o ex-presidente Itamar Franco foi embaixador em Lisboa, Roma e na OEA (Organização dos Estados Americanos) durante a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.
 
Em Washington, porém, o cargo sempre foi reservado a diplomatas, por conta de seu prestígio e da complexidade de sua administração.
 
A BBC News Brasil pergunta se a ruptura nesse padrão não cria constrangimento entre o chanceler e seus colegas no Itamaraty.
 
"Grande parte do esforço que estamos fazendo é ter um Itamaraty que corresponda ao que quer o povo brasileiro. Ter uma indicação política no caso para uma embaixada como Washington até ajudaria nisso, porque mostra que a diplomacia não é necessariamente algo por e para diplomatas", afirmou Araújo à reportagem.
 
"Claro que nós temos uma excelente equipe de carreira, que continua e continuará sendo nesse caso 99% da nossa equipe, que é extremamente capacitada. Ao mesmo tempo, é uma instituição que, como eu sempre digo, precisa estar aberta para a sociedade brasileira. Precisamos fazer coisas que sejam importantes para a sociedade brasileira e não apenas para outros diplomatas."
 
O chanceler conclui: "Acho que ter nessa hipótese um embaixador não de carreira em uma embaixada como Washington ajudaria esse processo muito necessário de romper um ensimesmamento do Itamaraty e romper um ciclo vicioso onde nós trabalhamos só para nós mesmos e esquecemos a sociedade do lado de fora."

"Eu aceitaria"

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) disse no começo da noite desta quinta-feira (11) que aceitará a indicação de seu pai, o presidente da República Jair Bolsonaro, para ser o embaixador brasileiro em Washington, nos Estados Unidos.
 
"Se for da vontade do presidente, ele realmente, de maneira oficial, me entregar essa missão, eu aceitaria", disse Eduardo em entrevista a jornalistas no escritório da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Credn) da Câmara. Eduardo é o atual presidente da Comissão.
 
"Se o presidente Jair Bolsonaro me confiar esta missão, eu estaria disposto a renunciar ao mandato", disse.
 
Eduardo Bolsonaro foi irônico ao dizer que a indicação no dia seguinte ao seu aniversário é uma "coincidência".
 
"É uma coincidência. Assim como também foi uma coincidência o fato de o vereador Carlos Bolsonaro ter 17 anos quando foi eleito vereador no Rio de Janeiro. Completou 18 anos em dezembro, tomou posse em janeiro. Parece que papai do céu fez a gente no ano certinho para completar as idades mínimas no futuro", disse.

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