Onda de protestos reforça identidade de Hong Kong

Cresce no território parcela da população que não se vê como chinesa

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Luiza Duarte
Hong Kong

A onda de protestos em Hong Kong contra o projeto de lei de extradição expõe mais uma vez uma fratura entre gerações. 

Atos radicais, como a invasão ao Parlamento, em 1º de julho, têm maior apoio entre manifestantes mais jovens, enquanto a população mais velha se sente especialmente próxima da China. A divisão já era visível no Movimento dos Guarda-Chuvas, em 2014. 

Idosos carregam faixa em ato em apoio aos protestos liderados por jovens em Hong Kong 
Idosos carregam faixa em ato em apoio aos protestos liderados por jovens em Hong Kong  - Anthony Wallace 17.jun.19/AFP

Mais da metade da população se identifica como honconguesa, enquanto cerca de 10% se considera chinesa, segundo a última pesquisa de opinião divulgada pela Universidade de Hong Kong. 

 

Um salto em relação a números do ano passado, que mostravam 40% de honcongueses. O sentimento de valorização da identidade local é ainda mais forte entre jovens. 

Uma enquete com estudantes secundaristas publicada por um grupo político pró-Pequim, o New People’s Party, mostra que essa percepção identitária não se dá por falta de conhecimento sobre a China. A pesquisa sinaliza que, apesar de os jovens consumirem filmes, livros, música e conteúdo online chinês, terem visitado cidades chinesas e aprenderem mandarim nas escolas, eles não se identificam como parte do país.

Hong Kong é uma ex-colônia britânica e retornou a domínio chinês em 1997 sob o arranjo “um país, dois sistemas”, que permite manter certo grau de autonomia.

Há controle de fronteira e passaporte separado. Os sete milhões de habitantes vivem sob regras distintas, graças a um judiciário independente.

Em 2018, 42 mil chineses se tornaram residentes de Hong Kong, segundo o Departamento de Estatísticas —menos do que os 47 mil que imigraram para o território em 2017. 

Hong Kong é ainda o destino no exterior mais procurado pelos turistas vindos da China continental. Um recorde de 65 milhões de chineses visitaram o território no ano passado, de acordo com dados do Departamento de Turismo. 

Uma presença que traz benefícios econômicos e atrito social. O discurso anti-Pequim em Hong Kong, não raro, é carregado de preconceito contra visitantes chineses.

No ano passado, a inauguração de grandes projetos de infraestrutura ampliou a conexão física com o continente. A ponte ligando Hong Kong, Macau e Zhuhai, na China, e a integração à rede de trens de alta velocidade chinesa são dois episódios recentes que levantaram o debate sobre a crescente influência política, econômica e cultural da vizinha.

Atualmente, nas regiões chinesas de Tibete e Xinjiang, o governo adota política de repressão em larga escala contra minorias étnicas vistas pela China como um desafio para a unidade territorial do país.

A mobilização civil em Hong Kong segue forte, mesmo depois de cinco semanas consecutivas de manifestações desencadeadas pela tentativa do governo de aprovar a controversa proposta de lei. 

Na quarta-feira (17), 8.000 idosos, segundo o número divulgado pelos organizadores, saíram às ruas em defesa dos protestos em que jovens estão na linha de frente.

As principais demandas das ruas são a retirada do projeto de lei que permitiria o envio de suspeitos para serem julgados na China, a libertação de manifestantes presos, a formação de uma comissão independente para investigar abuso policial, e o voto direto universal, além da renúncia da chefe-executiva, Carrie Lam.

“A conexão entre o protesto político e a identidade de Hong Kong é fundamental. Honcongueses veem sua identidade como única, distinta do restante da China, baseada nos direitos e liberdades do território”, diz Antony Dapiran, autor de “City of Protest: A Recent History of Dissent in Hong Kong” (cidade de protesto: uma história recente da dissidência em Hong Kong).

A efervescência política domina os diálogos cotidianos na cidade, seja no táxi ou na fila. O espaço urbano está minado de referências às manifestações em mensagens, pichações, pôsteres ou nas grades de metal usadas pela polícia. 

A deterioração das condições de vida é combustível para a mobilização social. Hong Kong é hoje o mercado imobiliário mais caro do mundo, de acordo com o último relatório da empresa de consultoria Demographia. O aumento do custo de vida, a desaceleração da economia e o aumento da desigualdade social atingem em cheio os jovens.

Para Dapiran, longe de perder fôlego, a mobilização continua se desenvolvendo e crescendo. “Hong Kong tem um déficit de democracia. É um sistema parcialmente democrático, mas as pessoas não podem expressar suas vozes pelo voto”, diz.

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