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Oposição venezuelana debate concessões para saída de Maduro em negociações em Barbados

Entre opções estaria permanência de ditador no poder enquanto eleições são preparadas

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The Washington Post

Enquanto representantes do governo da Venezuela procuram neutralizar a crise política em uma nova rodada de negociações com a oposição, uma questão permanece central para qualquer perspectiva de avanço: o destino do ditador Nicolás Maduro.

As conversas na ilha caribenha de Barbados, que estão sendo mediadas pela Noruega, ocorrem após duas rodadas fracassadas em Oslo. Publicamente, os dois lados permanecem afastados.

O governo venezuelano insiste que as sanções internacionais dos EUA devem ser suspensas, enquanto as autoridades da oposição exigem eleições presidenciais novas e verificáveis, e o fim do que elas chamam de "ditadura de Maduro".

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro (dir.), recebe o líder espiritual indiano Sri Sri Ravi Shankar no Palácio de Miraflores, em Caracas - Presidência da Venezuela - 8.jul.19/AFP

Nos bastidores, porém, membros graduados da oposição estão debatendo internamente uma oferta que alguns afirmam que poderá ajudar a superar o impasse: a possibilidade de que Maduro permaneça temporariamente no poder enquanto se organizam novas eleições, caso certas condições sejam cumpridas.

Alguns até mesmo sugerem a ideia de que Maduro possa concorrer à reeleição, calculando que seus índices de aprovação são tão baixos que ele quase não teria chance de ganhar uma disputa livre e justa.

Pessoas familiarizadas com as negociações —falando sob condição do anonimato para discutir deliberações internas— advertem que as ofertas ainda estão em debate e talvez nunca cheguem à mesa de negociações.

Para começar, o governo Maduro, segundo essas pessoas, ainda não sinalizou sua intenção de realizar uma nova eleição presidencial. E a questão do destino de Maduro, insistem os líderes de oposição, só seria discutida depois que tal compromisso fosse alcançado.

Além disso, alguns na oposição permanecem fortemente contrários a um acordo que não envolva a saída imediata de Maduro.

O líder oposicionista da Venezuela Juan Guaidó - Yuri Cortez - 9.jul.19/AFP

No entanto, as discussões internas sugerem até onde a oposição poderá ir para garantir um acordo no momento em que tanto Maduro quanto seus inimigos sofrem crescente pressão para chegar a um entendimento que comece a tratar da vasta crise humanitária que se desenrola na Venezuela.

"O cenário preferido da maioria dos venezuelanos é acabar com essa crise por meio de eleições livres e justas", disse um importante líder da oposição. "É secundário se Maduro permanecerá no poder por um período temporário."

Existem incentivos para se chegar a um acordo em ambos os lados.

As duras sanções dos EUA e o crescente isolamento internacional golpearam duramente o governo Maduro, transformando a Venezuela em um Estado pária apoiado em grande parte por Rússia, China e Cuba.

Essas sanções —particularmente uma proibição estrita dos EUA sobre as importações de petróleo bruto e acesso restrito aos mercados financeiros americanos— abalaram o setor petrolífero já decadente da Venezuela, agora em seu nível de produção mais baixo desde a década de 1940.

As reuniões em Barbados acontecem dias depois que a comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, publicou um relatório denunciando a erosão do estado de direito sob Maduro, incluindo mais de 6.000 assassinatos extrajudiciais desde 2018.

O relatório também cita a tortura de opositores políticos, a repressão à imprensa e o uso de alimentos e água como armas políticas.

As reuniões desta semana tinham sido marcadas para a semana passada, mas foram adiadas depois da suposta tortura e morte de um capitão da Marinha detido, Rafael Acosta.

Acosta morreu enquanto estava sob custódia de forças de contrainteligência militar, horas após comparecer ao tribunal em cadeira de rodas e ser enviado a um hospital por ordem do juiz.

Antes da morte de Acosta, o ministro das Comunicações de Maduro, Jorge Rodríguez, afirmou na televisão nacional ter descoberto uma suposta nova tentativa fracassada de golpe contra o governo.

No entanto, a oposição —liderada por Juan Guaidó, que foi reconhecido por mais de 50 países, incluindo os EUA, como o governante legítimo da Venezuela— também está perdendo tempo e, potencialmente, força.

Suas tentativas de fazer altos funcionários de Maduro se voltarem contra ele falharam, e a oposição foi atingida no mês passado por denúncias de que dois de seus membros desviaram mais de US$ 60 mil (R$ 225 mil) em ajuda destinada a soldados venezuelanos que fugiram para a Colômbia.

"Na Venezuela, a premissa do 'tudo ou nada' desapareceu", disse Jesus Seguias, analista político e diretor da agência de pesquisas Datincorp. "Ambos os lados não têm alternativa senão sentar-se para negociar."

Nos últimos anos, o governo de Maduro se envolveu repetidamente em negociações com a oposição, sem resultado.

Às vezes, as conversas atuais também se aproximam do bizarro. No dia 1º deste mês, por exemplo, Maduro deu uma entrevista coletiva em que elogiou o envolvimento do guru indiano Ravi Shankar, que segundo ele agora está ajudando no processo de diálogo, com seu "conhecimento de meditação".

Maduro culpou a oposição na segunda-feira (8) pelos fracassos do passado, mas insistiu que a sessão de abertura de cinco horas foi bem sucedida.

"Estabelecemos um cronograma de seis pontos de discussão", disse. "Estou muito otimista."

Durante meses, Guaidó e outros da oposição pareciam insistir que Maduro precisaria renunciar imediatamente como parte de qualquer acordo, dadas as alegações verossímeis de fraude na eleição de 2018.

Críticos das negociações, incluindo altos representantes da oposição, dizem que o governo Maduro está simplesmente ganhando tempo e não tem a intenção de aceitar uma nova votação presidencial. Até agora, ele só ofereceu novas eleições legislativas, proposta que a oposição considera inaceitável.

"Que diabos é isso? Diálogo de novo?", disse o ex-líder da oposição e ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, em um tuíte no domingo. Ele acrescentou: "Não há pior ofensa do que pensar que as pessoas são burras".

Mas outros na oposição dizem que um compromisso talvez seja possível. Uma opção: que um Maduro "sem dentes" permaneça no cargo por, digamos, nove meses, durante os quais a comissão eleitoral será renovada, monitores internacionais alinhados e novas iniciativas de registro de eleitores realizadas.

Caso Maduro se recuse, dizem representantes da oposição, isso os ajudará a impor sua exigência de que os parceiros internacionais façam mais para forçar sua saída.

A questão do que acontecerá com Maduro a longo prazo é mais complexa.

Muitos na oposição insistem que ele deve pagar pelos crimes de seu governo e não deve ser incluído em ofertas de anistia. Outros sugerem que sua melhor opção talvez seja buscar refúgio fora da Venezuela, na República Dominicana ou em Cuba.

"Mas primeiro precisamos chegar até aí", disse uma pessoa envolvida na estratégia da oposição.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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