Paris atinge temperatura mais alta desde 1947 durante onda de calor na Europa

Calor espantou turistas das ruas; Disneyland Paris cancelou parada

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Paris

Socorro, os turistas sumiram. A onda de calor que levou os termômetros à marca de 42,6 ºC às 16h32 desta quinta (25), recorde histórico em Paris, deixou ruas e pontos turísticos com cara de cenário pós-apocalíptico, quase desertos.

Além da capital francesa, índices nunca antes vistos derreteram Alemanha (42,6 ºC), Holanda (40,7 ºC) e Bélgica (40,6 ºC) —nas duas últimas, antes do bafo desta semana, as máximas perduravam desde a década de 1940.

Na Inglaterra, a temperatura chegou aos 38,1 ºC em Cambridge, a mais alta de todos os tempos para um mês de julho, enquanto os londrinos tiveram de suportar até 37,9 ºC. O pico histórico de 38,5 ºC não parece ter sido batido, porém.

O calorão é obra do chamado efeito ômega, uma área de alta pressão que se assenta sobre determinada região por vários dias, criando uma espécie de escudo que muda a circulação das correntes de ar.

O que ocorre agora é que um sopro canicular vindo do Saara ficou “preso” sob esse domo estacionado em cima da Europa ocidental.

Em Paris, o recorde anterior datava do verão de 1947: 40,4 ºC. A noite de quarta (24) e a madrugada de quinta também foram as mais quentes que a cidade já viu, segundo contas preliminares de meteorologistas.

O ar pesado, aliado ao vento quente, fez com que as margens do Sena ficassem vazias. Mesmo nos trechos em que havia sombra, as aglomerações eram muito inferiores ao normal para uma tarde de verão.

Na pitoresca Île de la Cité, a dois passos da catedral Notre-Dame, nem as sorveterias que vivem apinhadas de turistas em busca de alívio para andanças sob o sol conseguiram atrair a clientela. “Nunca vi isso. Parece um dia de inverno”, disse um vendedor de uma delas.

Por ali estava a pedagoga brasileira Henriette Barreto, 39, com o marido, Xavi, o filho, Luca, e a mãe, Valdira, por volta das 18h30 de quinta. Pela manhã, quando os termômetros já ultrapassavam com folga os 30 ºC, a família tinha encarado a subida aeróbica da colina que conduz à basílica de Sacré Coeur, no bairro de Montmartre.

“Fomos pela sombra, devagarzinho. Estávamos tentando pagar nossos pecados. Sobraram alguns”, brincou Henriette, dizendo que, nos restaurantes da zona turística, garçons ofereciam sprays de água aos fregueses e ambientes umidificados com mangueiras.

“Já tínhamos comprado ingresso para ir ao Louvre amanhã [sexta]. Se não fosse por isso, teríamos adiantado a visita para aproveitar o ar-condicionado”, afirmou.

Nas varandas de cafés e bistrôs, onde parisienses e forasteiros adoram se sentar para ver e ser vistos, a mesma terra arrasada (ou seria estorricada?). Pouquíssima gente se aventurou nos ônibus de dois andares (sem teto no segundo) que ajudam a cumprir a peregrinação das atrações de maior apelo.

Na Disneyland Paris (antiga EuroDisney), na periferia leste, a tradicional parada de carros alegóricos com personagens do estúdio foi cancelada pela primeira vez em ao menos 15 anos.

Para quem mora em Paris, o calor desmedido trouxe fechamento de creches (as escolas e universidades estão em férias) e a quase impossibilidade de achar táxis livres ou ventiladores à venda, tal era a demanda por qualquer tipo e duração de refrigeração.

Os canais de notícias a cada hora ressuscitavam o fantasma do verão de 2003, quando 15 mil pessoas morreram na França em consequência do calor, saldo imputado à suposta negligência do Executivo nacional. Para evitar qualquer estatística dessa ordem de grandeza, o governo Emmanuel Macron armou uma blitz ministerial na mídia e em terreno nos últimos dias.

Além da capital, a temperatura subiu a patamares inéditos em Estrasburgo, Lille e Rouen, entre outras. Na Normandia (noroeste), os bombeiros ainda tentavam controlar incêndios de grandes proporções na noite de quinta —mesmo desafio enfrentado em Zaragoza, norte da Espanha, que vê seus piores incidentes com fogo em 20 anos.

Em Paris, visitantes e locais se refugiaram do mormaço no refresco de lojas de departamentos com refrigeração turbinada ou onde era possível pôr os pés na água, quando não mergulhar.

Foi assim que o casal paulistano Carolina, 47, e Flavio Mello, 51, foi parar nas galerias Lafayette, onde vendedores ouvidos pela reportagem contavam ter percebido um aumento no fluxo de pessoas, mas não no de clientes —só o gerente do café no 3º andar comemorava o faturamento do dia, decorrente em 90% da venda de bebidas geladas.

“Tínhamos tíquete para ir ao segundo andar da torre Eiffel, mas nossa filha de nove anos sentiu o calor e acabamos desistindo”, lamentou Flavio.

Aos pés da torre, fontes e chafarizes da esplanada do Trocadéro, transformadas em enorme piscina ao ar livre, borbulhavam de crianças (mas não só) no fim da tarde.

Também não faltavam banhistas na bacia de La Villette (noroeste da capital), prolongamento do canal Saint-Martin. A proibição de entrada na água (fora das piscinas naturais com guarda-vidas) não inibiu grupos de jovens, que chegavam a se atirar no leito do alto de uma ponte que cruza o canal.

Quem não se refrescava na água ou bebendo à beira dela devia estar em um dos cinemas que margeiam a bacia. O caixa de um deles disse que o movimento tinha sido bastante acima do normal na quinta. “A primeira coisa que as pessoas perguntam é: ‘Tem ar-condicionado na sala?”, contou.

Entre os filmes mais buscados ali, segundo o funcionário, estavam um sul-coreano premiado no Festival de Cannes e uma comédia romântica sobre um mundo sem os Beatles. Da animação japonesa “Wonderland”, que em francês ganhou subtítulo que se traduz como “O Reino sem Chuva”, ninguém queria muito saber.

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