Peru não sabe o que fazer com 'Cristo da Corrupção' dado pela Odebrecht

Estátua foi inaugurada pelo então presidente Alan García

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Luis Jaime Cisneros
Lima | AFP

Um enorme monumento que representa o Cristo Redentor carioca se transformou no pomo da discórdia no Peru, onde milhares de cidadãos exigem que a estátua seja retirada por se tratar de "um símbolo da corrupção".

O Cristo do Pacífico foi inaugurado em 29 de junho de 2011 na colina de Chorrillos, na costa sul de Lima, pelo então presidente Alan García, e financiado pela construtora brasileira Odebrecht, ambos protagonistas de um mega escândalo de corrupção que atinge outros ex-chefes de Estado peruanos.

Há algumas semanas, uma ONG iniciou uma campanha para que o monumento seja retirado do país.

estátua de um Cristo em cima de uma colina; ao fundo, o mar
'Cristo do Pacífico', em Lima, no Peru; estátua foi doada pela empreiteira brasileira Odebrecht e inaugurada pelo então presidente Alan García - Cris Bouroncle - 15.jul.2019/AFP

"Pedimos a retirada do monumento Cristo do Pacífico, conhecido como 'Cristo do Roubo, Cristo da Odebrecht', porque é um símbolo da corrupção, que foi doado por Marcelo Odebrecht a Alan García", afirma Cristhian Rojas, líder do movimento É o Momento.

Desde que a Odebrecht se tornou sinônimo de corrupção no Peru, o monumento é uma pedra no sapato do governo.

A empresa brasileira admitiu que pagou propinas milionárias para vencer licitações de obras públicas em vários governos, incluindo o segundo de García (2006-2011).

De acrílico e concreto, o monumento de 37 metros de altura custou US$ 800 mil (cerca de R$ 2,97 milhões no câmbio atual). Foi financiado principalmente pela Odebrecht. García contribuiu com US$ 30 mil (R$ 111 mil).

"É um Cristo parecido com o do Corcovado, que eu chamei de Cristo do Pacífico. Juntei um grupo de amigos e empresas e também coloquei minhas economias, porque gostaria que fosse uma figura que abençoasse o Peru", disse García à época.

Quando foi inaugurado, um mês antes do término do mandato do então presidente, a Odebrecht se preparava para iniciar a Linha 1 do Metrô de Lima, obra que, como se sabe agora, custou US$ 7 milhões em subornos para a construtora brasileira vencer a licitação.

Sem recursos

O grupo enviou ao governo o pedido de retirada do monumento um mês após o suicídio de García, em 17 de abril, quando seria preso no âmbito de uma investigação por receber doações da Odebrecht. A petição tinha a assinatura de 4.700 pessoas.

Sem se pronunciar sobre o mérito do assunto, o governo de Martín Vizcarra respondeu, dizendo que falta o orçamento para retirar a controvertida estátua.

"O governo não tem recursos suficientes para cobrir as despesas que seriam necessárias para o desmantelamento e a transferência do monumento", afirma a Presidência do Conselho de Ministros em carta oficial enviada em 10 de julho ao movimento "É o Momento".

Rojas diz que sua organização não procura demolir o monumento, mas transferi-lo para um local religioso.

Muito pouco visitada, a obra não tem uma placa que indique que foi doada pela Odebrecht.

Além disso, parece negligenciado e sujo, em contraste marcante com o brilho de dois monumentos militares aos heróis da guerra contra o Chile (1879-1883) localizados a cerca de 200 metros de distância.

'Cristo da Corrupção' está coberto de musgo e é pouco visitado
'Cristo da Corrupção' está coberto de musgo e é pouco visitado - Cris Bouroncle - 15.jul.2019/AFP

Os ativistas de "É o Momento" evitaram confrontar a igreja, em um país predominantemente católico e conservador.

"Não é nossa intenção demolir ou atacar o aspecto religioso do monumento, mas atacar o simbolismo da corrupção", diz Rojas. "García usou uma imagem religiosa para limpar um símbolo de corrupção."

Quando foi inaugurado, o papa Bento 16 enviou uma mensagem de felicitações.

Já o cardeal ultraconservador peruano Juan Luis Cipriani convidou os fiéis a torná-lo "um objeto de peregrinação para milhares de pessoas", algo que não aconteceu.

Agora, os bispos preferem se manter em silêncio sobre o pedido de retirada do monumento. A questão é delicada, disse uma fonte da Conferência Episcopal peruana.

Em meio à polêmica, o monumento também conta com a simpatia de pessoas comuns.

"Acho que deveria ficar porque, desde que o trabalho foi concluído, muitas famílias o visitam, principalmente no verão", comentou o taxista Elio Olázabal.

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