Descrição de chapéu Venezuela

Regime de Maduro impõe restrições a presos políticos recém-libertados

Ditadura mantém limitações a juíza e jornalista, que não podem sair do país nem se manifestar

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Buenos Aires

Para presos políticos libertados na última sexta-feira (5) na Venezuela, a decisão da ditadura de Nicolás Maduro não passa de um teatro. 

O movimento, visto inicialmente como gesto de boa vontade do regime após visita ao país da Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, não foi interpretado dessa maneira pelos libertados e seus familiares.

A juíza Maria Lourdes Afiuni ao lado de seu irmão, Nelson Afiuni, em Caracas 
A juíza Maria Lourdes Afiuni ao lado de seu irmão, Nelson Afiuni, em Caracas  - Adriana Loureiro/Reuters

“Nos tiraram da jaula, mas nos colocaram uma correia no pescoço”, denunciou o jornalista chileno-venezuelano Braulio Jatar, um dos libertos, ao conhecer, na segunda (8), que sua liberdade não seria total. 

A cada 15 dias, ele terá de comparecer diante de um tribunal. Também não pode dar entrevistas nem manifestar opiniões em redes sociais.

O mesmo ocorreu com a juíza Maria Lourdes Afiuni. A Folha a contatou no sábado (6), dia seguinte à sua libertação. 

“Eu ainda não fui notificada sobre as condições da minha causa nem sobre o que ocorrerá com ela.” Cautelosa, preferiu adiar a entrevista para a segunda-feira (8). 

Neste dia, ao comparecer a um tribunal por ordem judicial, recebeu a notificação de que seu processo segue aberto, assim como a condenação que recebera em março. 

Ou seja, terá de cumprir as mesmas condições impostas a Jatar. Ainda que fora da prisão, a juíza não poderá sair do país, conceder entrevistas ou se manifestar em redes sociais. A cada 15 dias, terá de ir a um tribunal se apresentar.

Jatar e Afiuni são os presos políticos mais conhecidos desta leva de libertações. Os outros 20 são estudantes detidos em protestos. Jatar estava preso desde 2016 por publicar uma série de vídeos em que era possível ver que a população de uma vila na Ilha Margarita —parte do território venezuelano— vaiava Maduro.

Já Afiuni foi presa em 2009. É uma das presas políticas mais antigas e seguramente a mais famosa, conhecida como “presa de Chávez”. O então presidente mandou prendê-la depois que a juíza ordenou a libertação de um empresário que ele considerava corrupto. 

Na ocasião, Hugo Chávez disse que ela havia recebido suborno, o que Afiuni nega. Ela argumenta que a libertação de Eligio Cedeño foi concedida porque o banqueiro estava preso de forma preventiva há mais tempo do que o permitido pela lei. Portanto, poderia aguardar o processo em liberdade. 

Em 2011, Afiuni foi levada ao Instituto Nacional de Orientação Feminina, onde afirma ter sido estuprada e torturada. Em março deste ano, foi julgada e condenada a mais cinco anos de prisão, sob a acusação de “corrupção espiritual”.

Nelson Afiuni, irmão da juíza, diz que os libertados, assim como Bachelet, “foram enganados”. “Os presos políticos não estão de fato livres”.

A advogada de Afiuni, Thelma Fernández, afirma que, do modo como a libertação foi concedida, a juíza “pode voltar a ser presa em qualquer momento, porque o processo não foi dado como encerrado”. 
“Portanto, se a Justiça decidir que ela contrariou orientações ou se simplesmente quiser, pode levá-la de volta à prisão.” 

Bachelet ainda não se pronunciou sobre as reclamações feitas pelas defesas de Jatar e Afiuni. A organização Human Rights Watch condenou a libertação parcial de ambos e vem pedindo há dez anos o fim do processo contra a juíza.

O modo de libertar presos políticos da ditadura venezuelana tem semelhanças com o modelo usado pelo também ditador Daniel Ortega, na Nicarágua. 

Desde a crise de abril do ano passado, em que morreram 325 pessoas, prisões de manifestantes —a maioria estudantes— têm sido comuns. 

Nos últimos meses, numa tentativa de negociar com a oposição, Ortega mandou soltar dezenas de presos políticos, mas com as mesmas restrições impostas pela Justiça venezuelana, além de alguns requintes de crueldade. 

Ex-presos políticos vêm denunciando saques a suas casas. Também reclamam de vigilância 24 horas e ameaças a familiares. Muitos foram proibidos de trabalhar, o que traz ainda mais dificuldades econômicas a suas famílias.

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