Descrição de chapéu Venezuela

Após relatório da ONU, Venezuela liberta juíza, jornalista e 20 estudantes

Vice-ministro chama de 'criminoso' documento que aponta esquadrões da morte no país

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Genebra | Reuters

Após a divulgação de relatório da ONU que apontava o uso de esquadrões da morte e tortura contra detidos pela ditadura de Nicolás Maduro, a Venezuela soltou, na noite desta quinta (4), 22 prisioneiros: 20 estudantes, a juíza Maria Afiuni e o jornalista chileno-venezuelano Braulio Jatar. 

A informação foi divulgada pela chefe do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que visitou Caracas em junho e publicou o relatório na quinta (4). 

Um porta-voz afirmou que Bachelet havia pedido a soltura dos 22 presos a Maduro.

Ela considerou o ato "o começo de um engajamento positivo [do governo] nas muitas questões humanitárias do país". Disse ainda que outras 62 pessoas foram soltas em junho. 

A juíza Maria Lourdes Afiuni ao lado de seu irmão, Nelson Afiuni, em Caracas
A juíza Maria Lourdes Afiuni ao lado de seu irmão, Nelson Afiuni, do lado de fora de sua casa, em Caracas - Adriana Loureiro/Reuters

O caso de Afiuni ganhou ampla repercussão internacional e foi considerado uma das maiores ingerências do Executivo venezuelano no poder Judiciário. Após sua prisão, jornais locais noticiaram que juízes se sentiram intimidados a proferir decisões que desagradassem o governo de Chávez.

A magistrada estava em prisão domiciliar desde 2011. Ela foi presa em 2009, sem mandado judicial, por ordem do ex-presidente Hugo Chávez, em represália à sua decisão de mandar soltar Eligio Cedeno, banqueiro acusado de evasão de divisas.

Os promotores acusaram a juíza de aceitar suborno para libertar Cedeno, o que ela nega. Segundo Afiuni, a libertação ocorreu porque o banqueiro aguardava julgamento por mais tempo do que o permitido por lei.

Ela foi denunciada por corrupção, abuso de autoridade e favorecimento para a liberação do empresário.

À época, o então presidente defendeu num programa de televisão transmitido para todo o país que ela ficasse presa por 30 anos.

Em março, seu processo finalmente foi julgado e Afiuni foi condenada a cinco anos de prisão por "corrupção espiritual", um crime que não está previsto na lei do país.

A legislação venezuelana, de forma similar à adotada pelo Brasil, pune a corrupção ativa e passiva, tanto nos casos em que o funcionário público recebe alguma vantagem quanto naqueles em que aceita a promessa de receber. Nenhuma das duas hipóteses ficou comprovada no processo de Afiuni. 

Segundo o jornal venezuelano El Nacional, os juízes a sentenciaram por "sentir prazer" ao decidir de forma favorável a Cedeno —mas nenhuma prova dessa reação de Afiuni foi apresenta pelo Ministério Público, segundo o periódico.

A juíza havia dito que foi estuprada enquanto estava na prisão, entre 2009 e 2011, e que teve tratamento de saúde recusado pelas autoridades. Líderes chavistas rejeitaram as alegações, considerando-as uma farsa em busca de simpatia. 

Em depoimento publicado na Folha em 2010, ela relatou que estava havia nove meses sem tomar sol —a diretora da penitenciária a proibira de deixar sua cela. 

Um dos advogados de Afiuni, Juan Carlos Goitia, afirmou em uma entrevista por telefone que a ONU havia entrado em contato para informar que sua cliente tinha sido libertada. Ele disse, porém, não tinha recebido nenhuma comunicação oficial sobre a soltura da juíza. 

Segundo o advogado, a decisão retirou a exigência de que ela se apresentasse periodicamente à Justiça, mas a manteve proibida de sair da Venezuela. 

Jatar, um proeminente jornalista e advogado preso na ilha de Margarita, na Venezuela, foi detido depois de divulgar um protesto contra Maduro, além de ter sido acusado de lavagem de dinheiro.

Nesta sexta (5), o vice-ministro das Relações Exteriores, William Castillo rechaçou no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra o documento de Bachelet que cita a existência de esquadrões da morte no país para assassinar jovens.

Castillo disse que a Venezuela rejeita tais "acusações criminosas".

"Além de certo excesso ocasional, parece que o Estado deve ficar parado enquanto sérios riscos à segurança e um golpe de Estado estão sendo planejados, incluindo a intervenção estrangeira, como o presidente Trump ameaçou", disse.

Castillo disse ainda que as sanções impostas pelos EUA contra o país impediram o refinanciamento da dívida externa, bloquearam importações essenciais de alimentos e remédios e custaram bilhões de dólares em ativos perdidos de petróleo.

"Hoje, os Estados Unidos confiscaram US$ 30 bilhões em ativos da PDVSA [estatal de petróleo] enquanto 40 bancos detêm cerca de US$ 5,4 bilhões, impedindo a Venezuela de comprar alimentos e medicamentos", disse ao organismo em Genebra.

"A Venezuela não pode refinanciar sua dívida, e os petroleiros e empresas estão sendo punidos", acrescentou, afirmando que a receita de exportação de petróleo despencou de US$ 40 bilhões para US$ 5 bilhões ao ano.

O país sul-americano tem dívidas no valor de US$ 200 bilhões com um grupo de detentores de títulos, fornecedores comerciais e empresas cujos ativos foram desapropriados. Com a inadimplência, os credores estão relutantes em negociar devido às sanções dos EUA.

O governo Maduro diz que a Venezuela é vítima de um plano dos EUA para derrubá-lo, erradicar o socialismo e entregar as maiores reservas de petróleo do mundo para multinacionais.

O governo do presidente Donald Trump chama Maduro de ditador ilegítimo e reconheceu o líder da oposição, Juan Guaidó, como presidente interino, além de impor sanções sobre o setor de petróleo e aos aliados de Maduro.

A crise da Venezuela tem gerado protestos que muitas vezes se tornaram mortais nos últimos anos. Quatro milhões de venezuelanos fugiram do país, sendo 700 mil deles desde o final de 2015, segundo a ONU.

Em manifestação nesta sexta (5), o líder opositor Juan Guaidó pediu a seus apoiadores para manter a pressão para tirar Maduro do poder.

“Não se rendam. Vamos conseguir! Não tenham dúvida”, disse Guaidó, chefe da Assembleia Nacional, órgão de maioria opositora, e reconhecido como presidente interino da Venezuela por mais de 50 países.

A mobilização, que ocorreu no mesmo dia da proclamação da independência da Venezuela, celebrou as denúncias de detenções arbitrárias e tortura presentes no relatório da ONU.

Os protestos no país vinham perdendo força após uma série de manifestações desde o começo do ano e a frustrada tentativa de depor Maduro liderada por Guaidó e Leopoldo López, em 30 de maio.

A marcha desta sexta se dirigiu à sede da Direção de Contrainteligência Militar, onde estava detido um militar que morreu em meio a denúncias de “torturas selvagens”, mas foi bloqueada por forças policiais.

Por outro lado, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, chamou os venezuelanos para acompanharem o desfile do Exército em Caracas em comemoração aos 208 anos da independência. 

 

DADOS DO RELATÓRIO DA ONU

Violência

  • 14 mortes em protestos em 2018, segundo ONG, e 0 segundo o governo; 66 mortos em protestos em 2019, segundo a ONU, e 29 segundo o governo
  • 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre 2014 e 2019, a maioria em protestos, segundo a ONG Foro Penal
  • De acordo com o governo, houve 5.287 mortes por "resistência à autoridade" em 2018, mas o número é de 7.523 para a ONG Observatório Venezuelano da Violência
  • 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre janeiro de 2014 e maio de 2019; 527 em 2018 e 2.091 até maio de 2019
  • 7.523 mortes violentas registradas como “resistência à autoridade” em 2018 (5.287 segundo o governo); em 2019, até 19 de maio, 2.124 mortes nessa categoria (1.569 segundo o governo)
  • A Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) foram responsáveis pelo uso excessivo da força em manifestações desde 2014 e as Forças de Ações Especiais (Faes) foram supostamente responsáveis por numerosas execuções extrajudiciais em operações de segurança
  • Presos submetidos a torturas e tratamentos cruéis como: aplicação de choques, asfixia com sacos plásticos, simulação de afogamento, espancamentos, violência sexual, privação de água e comida, posturas forçadas e exposição a torturas extremas
  • Mulheres detidas submetidas a serem arrastadas pelos cabelos, toques inapropriados, ameaça de estupro, nudez forçada e insultos sexistas

Alimentação

  • US$ 7 por mês era o valor do salário mínimo em abril deste ano, que cobria 4.7% do custo da cesta básica
  • 10 horas é o tempo médio diário passado em filas para obtenção de alimentos
  • Mulheres obrigadas a terem relações sexuais em troca de comida

Saúde

  • 1.557 mortes devido à falta de suprimentos em hospitais, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019
  • 40 mortos em hospitais devido aos apagões de março deste ano
  • De 60% a 100% de escassez em remédios essenciais em quatro cidades, incluindo Caracas
  • 100% de escassez de contraceptivos em diversas cidades, o que aumenta os riscos de transmissão de HIV e outras doenças, além de gravidez na adolescência
  • 65% de aumento no número de adolescentes grávidas desde 2015
  • Retorno de doenças erradicadas, como sarampo e difteria

Liberdade de imprensa e internet

  • 24 pessoas detidas ou punidas em 2018 por publicações em redes sociais
  • Diminuição da velocidade de acesso à internet, devido à falta de investimentos em infraestrutura
  • Fechamento forçado pelo governo de dezenas de veículos de mídia impressa, estações de rádio e TV
  • Detenção e perseguição de jornalistas, alguns dos quais forçados a deixar o país
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