Descrição de chapéu The New York Times

Após treinar e contratar imigrantes, Alemanha passa a deportá-los

País intensifica esforços para expulsar migrantes que não se qualificam como refugiados

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Melissa Eddy
Tettnang (Alemanha) | The New York Times

Quatro anos depois de desembarcar de um trem em Munique para pedir asilo, Abdoulie Barry hoje fala alemão, aluga um apartamento e tem um emprego em tempo integral numa fábrica de artigos esportivos.

Ele é pontual e, diz seu chefe, paga seus impostos e suas contribuições previdenciárias devidas.

Mas tanto ele quanto seu empregador sabem que, não obstante seus esforços, policiais federais podem entrar a qualquer momento e deportar Barry, 37, que veio da Gâmbia, porque seu pedido de asilo foi rejeitado.

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Abdoulie Barry, 37, vindo da Gâmbia, que teve pedido de asilo negado e trabalha em Tettnang, Alemanha - Gordon Welters/The New York Times

“Me sinto muito bem fazendo meu trabalho”, disse Barry durante uma pausa do trabalho com uma máquina que fabrica mochilas à prova d’água para ciclistas. “Se eu pudesse, gostaria de permanecer na Alemanha.”

Barry é um exemplo do que muitos especialistas descrevem como a integração bem-sucedida de cada vez mais migrantes na Alemanha. Em vez disso, porém, sua situação reflete os impulsos conflitantes que acabaram por caracterizar a política imigratória do país.

A Alemanha integrou grande número de candidatos a asilo. Muitas empresas que precisam desesperadamente de mão de obra querem muito que eles permaneçam. Ao mesmo tempo, porém, o país está intensificando esforços para deportar os migrantes que não se qualificam como refugiados.

Essas duas tendências opostas definem uma abordagem em duas frentes. O governo da chanceler Angela Merkel procura satisfazer uma necessidade urgente de mais migrantes para manter a força de trabalho, e, ao mesmo tempo, enfrentar os desafios lançados pela extrema-direita nacionalista.

Barry chegou ao país no auge da crise de migração na Europa, em 2015, com mais 1,2 milhão de candidatos a asilo. Nem todos eram refugiados, mas muitos estavam fugindo de guerras em Afeganistão, Iraque e Síria ou de perseguição e dificuldades econômicas na África.

Angela Merkel os acolheu, dizendo aos alemães: “Somos capazes de fazer isso”. Sua decisão desencadeou uma discussão intensa sobre o que significa ser alemão e intensificou uma reação contrária por parte da extrema-direita. E vai ajudar a definir o legado da chanceler depois de 14 anos no poder.

Mas, no meio da angústia existencial suscitada pela decisão de Merkel, uma coisa que se perdeu de vista é o fato de que o país está em grande medida fazendo o que a chanceler lhe pediu. Para especialistas, as estatísticas de emprego indicam que a Alemanha está cumprindo sua promessa de encontrar casa, emprego e aulas de alemão para os candidatos a asilo.

Entre os migrantes que chegaram ao país em 2015, cerca de 20% haviam encontrado trabalho até o final de 2017, segundo cifras governamentais. Até o final do ano passado, esse número já subira para 35%.

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Noura Baterdouk, 38, vinda da Síria, durante almoço em Tettnang, Alemanha - Gordon Welters/The New York Times

​“Quanto mais tempo os migrantes vivem no país, mais deles passam nos exames de língua alemã e ingressam no mercado de trabalho”, explicou Yuliya Kosyakova, uma das pesquisadoras que fizeram o estudo. “Em muitos casos isso está acontecendo em menos tempo do que prevíamos.”

A última vez que centenas de milhares de pessoas chegaram à Alemanha em busca de proteção foi na década de 1990, em consequências das guerras na antiga Iugoslávia. Elas receberam abrigo e alimento, mas pouca formação ou assistência para entrar no mercado de trabalho.

“Desta vez o país disse ‘vamos olhar que tipo de perspectiva para o futuro podemos oferecer a eles, se vamos conseguir lhes dar uma formação profissional para que possam exercer um papel ativo na sociedade”, disse Constantin Terton, da Câmara de Comércio e Indústria de Berlim.

“Houve um esforço consciente para integrar as pessoas, com aulas de língua, estágios e emprego, para que não fossem condenadas a não fazer nada e pudessem voltar a seus países com uma qualificação profissional quando chegasse a hora.”

A lei alemã é clara: um candidato a asilo pode ganhar o direito de trabalhar enquanto seu pedido está sendo processado, mas se a rejeição for final, ele terá que deixar o país.

No Estado de Baden-Wurttemberg, onde Abdoulie Barry trabalha, empregadores estimam que cerca de 35 mil migrantes de status incerto trabalham em tempo integral e pagam impostos.

Muitos deles querem permanecer na Alemanha, e seus empregadores, que já investiram alguns anos formando-os para o trabalho, dizem que gostariam de conservá-los no país.

Antje von Dewitz, chefe de Barry e executiva-chefe da empresa onde ele trabalha, a Vaude, faz parte desses empregadores.

“Olhando para trás, fica claro que eles já estavam sendo checados para verificar se qualificariam-se para o asilo”, disse Von Dewitz, falando dos seis funcionários que permanecem no limbo entre os 11 refugiados que ela emprega.

“Na época, não havia processos fixos” relativos ao emprego de migrantes recém-chegados, disse, “mas o clima em todo o país era a favor da integração.”

Barry contestou a rejeição de seu status de asilado e aguarda a decisão do recurso. Por enquanto, diz que vai trabalhar enquanto puder, apesar de o fato de ter emprego fixo facilitar sua localização pelas autoridades se quiserem deportá-lo.

Susanne Wegele conhece esse trauma em primeira mão. No início de março, quatro policiais federais apareceram e algemaram o também gambiano Ebrima Gassama, que fizera um treinamento com ela e seu marido e trabalhava para eles em sua firma de encadernação de livros, em Neusdadt, no oeste da Alemanha.

Gassama, 25, trabalhava para a firma desde 2017, embora seu pedido de asilo também tivesse sido rejeitado. Os policiais o detiveram e o levaram diretamente ao aeroporto, deixando seus colegas e patrões atônitos, disse Wegele.

Gassama foi um dos mais de 26,1 mil estrangeiros deportados da Alemanha no ano passado (em 2017 foram 25,6 mil), cumprindo parcialmente uma promessa do ministro do Interior para assegurar que imigrantes que estão no país ilegalmente não possam permanecer.

O Parlamento alemão aprovou em julho uma lei para facilitar às empresas a contratação de funcionários qualificados vindos de fora da União Europeia. A lei inclui medidas para estender esse direito a migrantes em situações semelhantes à de Barry e Gassama, desde que se enquadrem em critérios específicos.

Mas a lei, que entrará em vigor em janeiro, está repleta de obstáculos, visando impedir que migrantes utilizem o sistema de asilo como “porta dos fundos” para entrarem no mercado de trabalho alemão.

As medidas visam combater desafios de partidos oposicionistas, incluindo o nacionalista AfD (Alternativa para a Alemanha), que ganhou votos retratando os migrantes como elementos que roubam recursos e prosperidade do país.

“A lei é fortemente influenciada pelo medo subjacente de que o sistema será abusado”, explicou Terton, responsável por ajudar empresas de Berlim a integrar refugiados em empregos. “Sempre há o receio de que pessoas queiram vir ao país apenas para viver às custas da Previdência alemã.”

Tradução de Clara Allain

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