Associado a massacre em Ohio, heavy metal tem histórico controverso com ideias extremistas

Artistas e pesquisadores descartam ligação das músicas com ataques nos EUA e na Europa

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São Paulo

Pouco depois da 1h de domingo (4), um jovem de 24 anos vestindo uma máscara, um colete à prova de balas e um moletom preto da banda de death metal Acacia Strain abriu fogo contra pessoas que estavam em bares e restaurantes da cidade de Dayton, Ohio.

Munido de um fuzil calibre 223 comprado legalmente, Connor Betts matou nove pessoas e feriu outras 27.

O moletom que o jovem vestia trazia na parte da frente os dizeres “o inferno são outros” e, atrás, os versos “sem coração para sentir” e “sem alma para roubar”, da música “Ramirez”, junto a uma foto da banda de Massachusetts.

Logo após o massacre, Jim Heath, jornalista de um canal de TV local, insinuou em uma rede social que as letras “cheias de ódio e de vingança” do grupo poderiam ter influenciado o atirador. Betts se definia em sua conta na rede social como “metaleiro”.

Ao saber que o atirador usava um moletom de sua banda, Vincent Bennett, vocalista do Acacia Strain, disse que se sentia enojado, que o episódio era horripilante e que “ninguém tem o direito de tirar a vida de outra pessoa.”

Esta não é a primeira vez na história recente dos EUA que bandas de heavy metal e seus derivados —como os subgêneros thrash, black e death— são associadas a chacinas com armas de fogo. Também não é inédito que músicos neguem terem influenciado comportamentos do tipo.

O cantor Marilyn Manson durante show em Bucareste (Romênia) em 2007
O cantor Marilyn Manson durante show em Bucareste (Romênia) em 2007 - Mihai Barbu 1º.jul.07/Reuters

Há 20 anos, no crime que inaugurou a era moderna de chacinas nos EUA, o da escola de ensino médio Columbine, parte da culpa respingou no cantor Marilyn Manson

De acordo com reportagens da época, estudantes afirmaram que os dois atiradores responsáveis pela morte de 12 estudantes e um professor eram fãs do cantor, famoso por declarações e apresentações polêmicas.

Em 1995, Manson cortou o próprio peito com uma garrafa de cerveja quebrada durante um show em San Francisco; no mesmo ano, em uma entrevista à revista que cobre o universo da maconha High Times, alegou ter remexido covas e fumado ossos humanos.

A fama de “freak” só aumentou com seu segundo disco, “Antichrist Superstar” (superstar anticristo), de 1996. Tornou-se então a face pública do mal: “Era impensável para a sociedade que aqueles jovens não tivessem uma razão simples, preto no branco, para as suas ações. Um bode expiatório era necessário”, disse o cantor. 

Ao fim, descobriu-se que os atiradores não tinham qualquer relação com a música de Manson. O músico escreveu um editorial para a revista Rolling Stone reclamando da glorificação dos agressores pela mídia. 

Assim como o presidente americano Donald Trump culpou “a cultura da violência” dos videogames pelos massacres em Dayton e El Paso, grupos de música extrema que pretendem chocar de alguma forma podem facilmente se tornar bodes expiatórios para crimes que desafiam a lógica.

Causar polêmica com letras, som e atitudes é “uma parte integral da cultura do heavy metal — é praticamente natural do gênero ser controverso”, escreve o sociólogo britânico Keith Kahn-Harris, professor associado do Birkbeck College (Universidade de Londres).

“O heavy metal explora tudo o que a sociedade hegemônica não quer reconhecer, o lado escuro de um mundo adulto esclarecido”, diz o musicólogo Robert Walser, diretor do Centro de Estudos de Música Popular na universidade Case Western Reserve, em Cleveland.

Surgido no final dos anos 1960 como música da classe trabalhadora inglesa, o heavy metal do Black Sabbath se inspirava em temas como ocultismo e demonismo para tratar, de maneira metafórica, do declínio das cidades industriais britânicas.

Ao ganhar fama nos Estados Unidos em meados dos anos 1980, o thrash metal de grupos como Slayer versava sobre violência, destruição, morte e nazismo. Devido a uma de suas letras, a banda da Califórnia foi acusada de elogiar Josef Mengele, o médico que realizava experimentos em judeus enviados a Auschwitz.

A associação com Hitler e, por consequência, ideias da extrema direita, seria levada ao limite no início da década seguinte com as bandas de black metal da Escandinávia.

Por um lado, havia a glorificação da iconografia nazista, como o canhão do exército de Hitler mostrado na capa do disco “Panzer Division”, dos suecos do Marduk. Por outro, houve um crime de ódio, quando o baterista da norueguesa Emperor esfaqueou um homem gay em um parque da pequena Lillehammer.

No começo dos anos 1990, incêndios criminosos de igrejas cristãs na Noruega terminariam com a prisão do fundador da banda Burzum, Varg Vikernes. Um dos nomes mais influentes do gênero, ele argumentava que era necessário defender uma suposta pureza viking contra a invasão do catolicismo.

Em 2011, já em liberdade após 21 anos de prisão, Vikernes foi um dos destinatários do manifesto do atirador Anders Breivik, responsável pela chacina que vitimou 77 pessoas em Oslo. O músico, conhecido por sua ideologia de extrema direita, se distanciou do assassino: “Os verdadeiros nacionalistas não matam as crianças de seu próprio país. Mas Breivik matou mais noruegueses do que os muçulmanos fizeram na Noruega por 40 anos”.

Para o jornalista Vince Neilstein, do site MetalSucks, referência para a cobertura jornalística do gênero, a conexão feita entre massacres com armas de fogo e bandas de metal é uma “narrativa preguiçosa”.

“A questão real aqui é clara: um homem mentalmente doente, imerso em uma cultura de violência, privilégio branco e patriarcal, tinha acesso fácil a armas de guerra”, escreveu em editorial publicado na segunda (5), referindo-se a Connor Betts, o atirador de Ohio.

Para Neilstein, falta vontade política para mudar a situação, em meio a um cenário no qual a National Rifle Association (NRA, na sigla em inglês) faz doações a congressistas, particularmente republicanos, o que influencia a aprovação ou não de leis mais rigorosas em relação à posse de armas.

“Infelizmente, não parece provável que algo mude em breve, uma vez que os políticos continuam enviando ‘pensamentos e orações’ e forçam uma retórica da mudança enquanto aceitam dinheiro da NRA e se recusam a agir. Outro dia na América em 2019.”

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