O cancelamento do acordo energético pelo qual o Paraguai se comprometia a aumentar o volume de energia contratada em Itaipu deve aprofundar a disputa sobre uma dívida de US$ 50 milhões (cerca de R$ 95 milhões) em aberto na usina e que, segundo governo brasileiro, precisa ser paga por Assunção.
Nas contas de técnicos do governo, sem o acordo a conta "pendurada" deve aumentar para US$ 130 milhões (R$ 505 milhões) até o final de 2019.
Para evitar o impeachment do presidente Mario Abdo Benítez, as autoridades paraguaias tornaram sem efeito nesta quinta-feira (1º) uma ata diplomática assinada em maio em que a empresa de eletricidade do país vizinho prometia aumentar paulatinamente a potência contratada de Itaipu até 2022.
O acordo energético agora suspenso era considerado necessário pelo Brasil porque existem dois tipo de energia em Itaipu: a comercializada a partir da potência contratada (sobre a qual incidem encargos da dívida da construção da usina) e a excedente (mais barata).
A queixa de Brasília é que o Paraguai nos últimos anos vem contratando de propósito uma potência muito inferior à que realmente utiliza, o que lhe dá acesso preferencial à eletricidade excedente com preços mais atrativos. Na prática, isso significa que o Brasil acaba subsidiando parte da eletricidade consumida pela nação vizinha.
Um interlocutor do governo que acompanhou as conversas argumenta que nos últimos quatro anos a Ande (Administração Nacional de Eletricidade) do Paraguai aumentou em 6,7% a sua potência contratada, enquanto sua demanda efetiva pela eletricidade de Itaipu cresceu 47,4%.
No ano passado os paraguaios chegaram a esgotar toda a energia excedente de Itaipu e tiveram de usar uma cota que, por contrato, era destinada à Eletrobras.
Como a empresa brasileira se recusou a pagar por uma energia que não utilizou, ficou em aberto uma conta de US$ 50 milhões (R$ 95 milhões) que o Brasil desde então tenta fazer com que seja paga por Assunção.
O valor deve aumentar neste ano com a anulação do acordo, alertam técnicos do governo Bolsonaro.
Além de corrigir parte do desequilíbrio entre o que o Paraguai contratava e o que de fato consumia, integrantes do governo dizem que o acordo fechado em maio tinha como objetivo evitar que a Ande recorresse novamente ao estoque da Eletrobras.
Eles argumentam, no entanto, que sem o acerto diplomático, o Paraguai muito provavelmente precisará entrar mais uma vez na parcela de eletricidade reservada ao Brasil. Os cálculos ainda estão sendo feitos, mas a estimativa é que a conta "pendurada" neste ano seja de outros US$ 80 milhões (R$ 311 milhões).
A ata diplomática agora anulada estabelecia que ao longo dos próximos quatro anos o Paraguai deveria contratar, em média, cerca de 50% mais potência do que os níveis atuais. Isso representaria um aumento de aproximadamente US$ 200 milhões (R$ 778 milhões) na fatura paga hoje pela Ande à Itaipu.
O documento cancelado nesta quinta tratava inclusive dos valores que deveriam ser contratados em 2019.
Na avaliação de membros do governo brasileiro, dificilmente haverá tempo para acertar novos valores a tempo de evitar que o Paraguai precise recorrer à energia da cota brasileira neste ano.
Isso porque nesta quinta os governos do Paraguai e do Brasil estabeleceram que a Ande e a Eletrobras terão de se sentar à mesa novamente para discutir o novo cronograma de contratação de potência.
"As altas partes contratantes [Brasil e Paraguai] coincidiram em que a falta de acordo sobre o cronograma de potência a ser contratada de Itaipu afeta negativamente a faturação dos serviços de eletricidade da entidade binacional e, neste sentido, destacaram a importância de encontrar uma solução para o problema no curto prazo", afirma o documento assinado nesta quinta por representantes dos dois governos.
Embora o governo Bolsonaro tenha se negado a endossar a anulação da ata diplomática de maio —algo que seria apenas simbólico, uma vez que basta que o Paraguai o faça para tornar o documento sem efeito—, a avaliação em Brasília foi que era preciso baixar a temperatura no país vizinho para salvar o mandato de Abdo Benítez.
Ao ajudar um aliado alinhado ideologicamente com seu governo, Bolsonaro repete uma ação tomada pelo ex-presidente Lula.
Em 2007, o petista aceitou pagar pelo excedente energético vendido pela Bolívia ao Brasil, sob o argumento de que era preciso ter “generosidade” e “solidariedade” com economias menores.
O presidente da Bolívia à época era Evo Morales, aliado próximo do PT.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.