Descrição de chapéu The New York Times

Caso de Epstein parecia ter acabado até uma repórter entrevistar as vítimas

Julie K. Brown passou mais de 2 anos entrevistando mulheres que foram exploradas por financista

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Tiffany Hsu
The New York Times

A reportagem abaixo foi publicada originalmente pelo jornal The New York Times em 9 de julho de 2019. O texto passou por atualizações depois de o corpo de Jeffrey Epstein ter sido encontrado em uma cadeia em Nova York neste sábado (10).

Julie K. Brown, repórter investigativa do Miami Herald, previa passar a semana debruçada sobre o mesmo trabalho brutal em que estava empenhada havia mais de dois anos: entrevistar mulheres que dizem que, quando eram garotas, foram sexualmente exploradas pelo financista milionário Jeffrey Epstein.

Meses atrás ela publicou uma série de artigos cuidadosamente pesquisados sobre um acordo judicial sigiloso, arquitetado por um agora ex-membro do gabinete do presidente Trump, que ajudou Epstein a burlar indiciamentos federais relacionados às acusações das mulheres. 

O trabalho de Brown identificou cerca de 80 supostas vítimas e lhe valeu vários prêmios de jornalismo, incluindo um George Polk na categoria de Reportagem de Justiça. Cooperou com ela na série premiada a jornalista visual Emily Michot, também do Miami Herald.

A repórter Julie K. Brown, do Miami Herald, deixa corte federal, em Nova York, que julgou pedido de pagamento de fiança de Jeffrey Epstein
A repórter Julie K. Brown, do Miami Herald, deixa corte federal, em Nova York, que julgou pedido de pagamento de fiança de Jeffrey Epstein - Drew Angerer - 15.jul.19/Getty Images/AFP

Enquanto Epstein se movimentava livremente, alegadamente construindo uma nova mansão nas Ilhas Virgens, Brown continuou a investigar, acumulando documentação suficiente para encher um quarto em sua casa na Flórida.

A situação mudou em julho, quando Epstein foi detido no Aeroporto Teterboro, em Nova Jersey, onde pousara vindo de Paris em seu jatinho particular. 

O Daily Beast e outros veículos noticiosos informaram que ele estava sendo acusado de tráfico sexual. Policiais invadiram sua mansão de 1.950 metros quadrados em Manhattan e encontraram centenas de fotos de meninas e mulheres jovens nuas ou seminuas.

No indiciamento, revelado por promotores federais, Epstein, 66, foi acusado de orquestrar “uma vasta rede de vítimas menores de idade” envolvendo meninas, algumas de apenas 14 anos.

Ele foi acusado de praticar atos sexuais com menores de idade em sessões de massagem a nu na mansão da Upper East Side e em uma mansão em Palm Beach, Flórida, entre 2002 e 2005.

Se fosse condenado, Epstein poderia ser sentenciado a até 45 anos de prisão.

Os artigos de Brown não demoraram a reaparecer nas redes sociais. “É isso que acontece quando uma jornalista se recusa a desistir de uma pauta”, escreveu no Twitter o Columbia Journalism Review.

Em entrevista coletiva, o promotor federal Geoffrey Berman disse que sua equipe “recebeu a assistência de um ótimo trabalho de jornalismo investigativo”.

Julie Brown, 57, e Emily Michot, 50, viajaram a Nova York para cobrir os novos desdobramentos do caso.

Passou o primeiro dia percorrendo a cidade às pressas, com escalas para fazer reportagem e uma participação na CNN.

Na manhã seguinte, enquanto tomava o café da manhã no restaurante do hotel na Baixa Manhattan onde estava hospedada, Brown se esquivou de elogios ao seu trabalho, enquanto seu telefone tocava repetidamente.

“Esta história não diz respeito a mim”, disse Brown, enquanto uma tela de TV ao lado mostrava a deputada democrata Debbie Wasserman Schultz, da Flórida, falando sobre o caso na CNN. “O importante aqui são as vítimas.”

Julie Brown não foi a primeira jornalista a investigar as acusações feitas a Epstein, que em 2008, na Flórida, confessou ser culpado de aliciar uma menor de idade para a prática da prostituição e cumpriu 13 meses de uma sentença de prisão de 18 meses. 

Ela começou a trabalhar no tema em 2017, pouco depois de Trump ter nomeado Alexander Acosta para secretário do Trabalho. Brown sabia que Acosta, na época em que era promotor federal em Miami, havia cuidado da acusação contra Epstein.

“Às vezes um tema merece ser reexaminado”, explica ela. “Havia todos esses pedaços de um quebra-cabeça aí fora. Se você juntasse todos os pedaços, com o passar do tempo via uma história realmente tenebrosa emergir.”

Como parte de seu trabalho, ela tentou persuadir policiais e mulheres que tinham feito acusações contra Epstein a conversar com ela. Algumas resistiram, contou Brown, temendo que ela enfocasse sobretudo os elementos mais escandalosos da história ou que o resultado de suas investigações nunca fosse publicado. 

Disseram que a história já era velha, estava passada. Mas, analisando o processo contra Epstein que levara ao encarceramento dele na década passada, a jornalista descobriu que em 2007 Acosta comandou uma equipe de advogados federais que negociaram em segredo um acordo que deu ao financista imunidade contra as acusações federais de tráfico sexual.

Em fevereiro um juiz federal decidiu que os promotores violaram as leis federais pelo fato de não terem levado o acordo com Epstein ao conhecimento das vítimas.

No mesmo mês o Departamento de Justiça anunciou ter aberto uma investigação sobre o tratamento que a equipe de Acosta deu ao caso, para averiguar se ocorreram erros de conduta profissional. Acosta enfrentou pedidos para se demitir e acabou renunciando.

Julie Brown comparou seu trabalho na série de reportagens sobre Epstein ao trabalho feito pela polícia ao investigar crimes cometidos no passado. 

No início do processo ela recebeu um relatório policial com muitos trechos deletados. O relatório tinha mais de cem páginas e mencionava mais de cem vítimas anônimas. Ela vasculhou o documento à procura de nomes e outros detalhes identificadores que não tivessem sido riscados, criando planilhas para rastrear seus avanços.

Conversou com especialistas em trauma sexual, incluindo psicólogos e um investigador do FBI. Mas não foi fácil entrevistar as acusadoras de Epstein. “Elas se culpam pelo que aconteceu”, explica Brown. “Essa foi a coisa mais difícil que eu tive que enfrentar.”

Em abril, o advogado e comentarista social Alan Dershowitz, que ajudou a mediar o acordo judicial de Epstein, mandou uma carta aberta aos administradores do Prêmio Pulitzer, pedindo que não premiassem algo que descreveu como “fake news e jornalismo de baixa qualidade”. A série de Brown não esteve entre os trabalhos finalistas.

Na manhã em que seria publicada sua primeira reportagem sobre Epstein, Brown levou bagels à Redação do Miami Herald. Quando o texto se tornou o artigo mais lido no site do jornal, passando à frente de uma reportagem sobre uma mulher com gases numa loja de conveniência, seus colegas irromperam em aplausos.

Brown pretendia continuar a cobrir Epstein e seu círculo social, que já incluiu Donald Trump, o ex-presidente Bill Clinton e o príncipe Andrew, do Reino Unido.

Na semana em que Epstein foi preso, em meio a apelos do Miami Herald, The New York Times e outros veículos, um tribunal federal de recursos de Nova York ordenou a abertura de 2.000 páginas de documentos judiciais sobre o caso que estavam selados.

“Esta é uma busca da verdade”, disse Brown. “Diz respeito a abuso sexual, poder e as pessoas que acobertam tudo isso. O abuso sexual não é exclusivo de nenhum partido político.”

Na audiência para decidir sobre o pedido de fiança de Epstein, Brown chegou o mais perto que já esteve do homem que passou anos investigando. Vendo-o sentado diante do juiz usando o macacão azul de presidiário, ela o achou pequeno.

Tradução de Clara Allain 

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