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Com vácuo de poder na UE, Macron usa Bolsonaro como trampolim para se fortalecer

Francês aproveita erros do brasileiro para relançar seu governo e ganhar prestígio internacional

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Lisboa

Catapultado à Presidência aos 39 anos, Emmanuel Macron tinha algumas lacunas no currículo. Na politica externa, sua experiência se limitava ao inglês fluente, a um estágio na Nigéria e a um recheado caderno de endereços no mundo financeiro.

E a despeito do discurso de ruptura, optou pela continuidade ao indicar como chanceler Jean-Yves Le Drian, longevo barão do Partido Socialista.

Com estátua de um nobre cavaleiro francês ao fundo, o presidente Emmanuel Macron desce as escadas do Castelo de Chantilly, ao norte de Paris, antes de encontro como o premiê indiano, Narendra Modi
Com estátua de um nobre cavaleiro francês ao fundo, o presidente Emmanuel Macron desce as escadas do Castelo de Chantilly, ao norte de Paris, antes de encontro como o premiê indiano, Narendra Modi - Pascal Rossignol - 22.ago.19/AFP

Durante a primeira metade do seu mandato de cinco anos iniciado em 2017, quase todas as tentativas de imprimir um novo ritmo na diplomacia fracassaram. 

De início, Macron tentou se promover como um grande chefe de Estado, convidando Vladimir Putin para um encontro no palácio de Versalhes e Donald Trump para o tradicional desfile militar de 14 de Julho. Eles adoraram a parafernália, mas recusaram a mão estendida do jovem francês.

Com efeito, Macron se deparava com um problema inédito. Pela primeira vez em 50 anos, a União Europeia não tinha uma politica externa coerente em uníssono. 

Com o Reino Unido em fase de saída do bloco, a Alemanha no fim do reinado de Angela Merkel e a Itália governada por uma coalizão de partidos anti-europeus, Macron pregou no deserto quando proferiu o seu discurso sobre o futuro do continente em setembro de 2017.

O ano seguinte foi ainda pior. Consumido pelo escândalo Benala —um segurança de Macron envolvido em todo tipo de crime— e pela revolta dos “coletes amarelos”, a França virou o saco de pancada da direita populista mundial. 

Para a turma de Trump, Putin, Viktor Orbán e Jair Bolsonaro, a suposta revolta do campesinato francês contra o globalismo de Macron era um sinal claro de que a ordem liberal estava esgotada. 

Numa questão de meses, o francês passou de símbolo de uma nova geração de centristas radicais a rosto da crise do sistema internacional.

Por isso, 2019 tinha de ser o ano da resposta. Macron, queria evitar a todo custo o regresso ao discurso militarista de François Hollande e à retórica perversa sobre o mundo árabe-muçulmano de Nicolas Sarkozy. 

Acabou encontrado o vilão ideal na América Latina, abandonada pelos franceses desde François Mitterand. Apesar de economicamente diminuído, o Brasil continua tendo uma presença forte no imaginário francês, formada por mais de um século de relações artísticas, intelectuais e fronteiriças.

A repulsa a Jair Bolsonaro é um dos raros temas que reúnem consenso na França —até Marine Le Pen, líder da ultradireita, o considera demasiadamente radical. Nesse contexto, a investida de Macron atinge três objetivos: unir a classe politica em torno de uma causa, reafirmar a liderança da França na arena global e colocar a questão ambiental no primeiro plano.

Legitimada pelos erros amadores do governo brasileiro, sem os quais a sua ação não teria credibilidade, o presidente francês está usando a crise na Amazônia para relançar o seu mandato.

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