Descrição de chapéu The New York Times

De Lennon a Bruce Lee, cultura pop influencia manifestantes em Hong Kong

Protestos contra o governo local são marcados por gritos com referências a filmes e canções

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Katherine Li Mike Ives
Hong Kong | The New York Times

Um hino da Broadway. Uma citação de Bruce Lee. Acenos para John Lennon e Quentin Tarantino.

Legiões de manifestantes contra o governo encheram as ruas de Hong Kong neste verão, na pior crise política do território desde que o Reino Unido o devolveu à China, em 1997. Mesmo com o aumento das tensões, porém, os manifestantes estão sendo motivados nas ruas (e nas redes sociais) por memes, slogans, canções e obras de arte.

Como a própria Hong Kong, a iconografia do movimento é baseada em uma ampla gama de influências asiáticas e ocidentais. Veja aqui algumas das expressões criativas e inspirações da cultura pop que estão motivando os manifestantes durante um verão quente e contencioso.

Acenos aos animes

Os manifestantes lançaram vídeos que promovem sua causa enquanto prestam homenagem aos tradicionais desenhos animados japoneses, os animes, que muitas vezes apresentam imagens surreais e comentários sociais mordazes.

Em um vídeo popular, jovens manifestantes marcham em seu uniforme típico —capacetes e máscaras amarelas— enquanto um deles carrega um guarda-chuva amarelo, símbolo do movimento de protesto desde 2014, quando os manifestantes bloquearam as principais ruas de Hong Kong para exigir eleições mais democráticas. "Não importa quão difícil seja o caminho a seguir, continuaremos caminhando juntos", diz um narrador.

Em outro vídeo, uma pessoa lê as cinco principais demandas dos manifestantes —incluindo a demissão da executiva-chefe, Carrie Lam, e a retirada completa de um projeto de lei que permitiria a extradição para a China continental— em meio a um tumulto furioso, num cenário de confrontos de rua.

O clipe evoca a estética de animes populares, como "Cowboy Bebop", de Shinichiro Watanabe, em que os personagens lutam por justiça em um universo sem lei.

Frases de Hollywood

Referências a Hollywood estão em muitos dos slogans e memes que circulam nos protestos.

Um slogan popular —"se a gente queimar, você queima junto"— é uma frase pronunciada pela personagem de Jennifer Lawrence na franquia "Jogos Vorazes", baseada nos romances distópicos de Suzanne Collins.

Outro, "ideias não morrem", apareceu em um cartaz homenageando um manifestante que morreu neste verão, junto com uma imagem da capa de chuva que ele usava quando caiu de um prédio.

Essa frase parece referir-se a uma frase do filme "V de Vingança" (2005), em que um vingador mascarado que luta contra um regime totalitário profere a frase "ideias são à prova de balas".

Outro cartaz de protesto que circula online mostra a cabeça de Carrie Lam no corpo da atriz Uma Thurman, estrela de "Kill Bill", de Quentin Tarantino.

Nesse caso, o "bill" (projeto de lei) em questão não é uma pessoa, mas o projeto de lei de extradição de Lam, que foi o gatilho inicial dos protestos. Lam suspendeu o projeto e disse que ele está "morto", mas evitou retirá-lo formalmente, como os manifestantes exigiam.

Ecos da dissidência tcheca

Uma característica visual recorrente nos protestos tem sido os Muros de Lennon, formados por centenas ou mesmo milhares de slogans —principalmente em adesivos— espalhados em espaços públicos pela cidade.

O nome vem de um muro em Praga, capital da República Tcheca, onde apareceram homenagens a John Lennon após seu assassinato, em 1980. Evoluiu para lugares onde jovens tchecos expressavam apoio à democracia e apresentavam queixas contra o regime comunista da Tchecoslováquia.

Durante os protestos de 2014 em Hong Kong, os manifestantes criaram seu próprio Muro de Lennon, cobrindo de papéis com slogans uma parede perto do edifício legislativo.

E neste verão as paredes parecem ter brotado em toda parte. São diversos post-its denunciando a polícia, pedindo mais democracia e expressando frustração com Lam. Alguns "muros" foram destruídos por pessoas contrárias aos protestos, mas continuam voltando.

"Venham juntos, saiam juntos", diz um post-it em chinês —evocando uma canção dos Beatles, embora talvez não deliberadamente. "Sem retratação, sem recuo."

Um herói da cidade natal

Durante os confrontos de rua com a polícia neste verão, alguns manifestantes se encorajaram gritando a frase "seja água" (ou postando no Twitter).

É uma referência a uma famosa frase proferida por Bruce Lee, o ator e ícone de artes marciais de Hong Kong, em um episódio de 1971 da série de televisão americana "Longstreet".

No taoísmo chinês, a água representa poder e flexibilidade diante dos obstáculos.

"A água pode fluir ou penetrar, pingar ou esmagar", disse Lee. "Seja água, meu amigo." Muitos manifestantes veem a frase como um símbolo de desobediência civil, permeando a sociedade de Hong Kong como a água escorre sobre uma pedra.

Um hino cristão

Alguns manifestantes que invadiram o edifício legislativo de Hong Kong no início do verão cantavam versões de "Cante Aleluia ao Senhor", um hino de 1974 da compositora americana Linda Stassen.

A escolha reflete em parte como os cristãos de Hong Kong, cerca de 1 em cada 9 dos 7,5 milhões de habitantes, tendem a ser atuantes no movimento pró-democracia.

Também é uma escolha estratégica: desde que as manifestações em massa em Hong Kong exigem aprovação da polícia, alguns manifestantes cantam hinos porque as assembleias religiosas, que não estão sujeitas às mesmas regras, são mais difíceis de reprimir.

Hino da Broadway

Outro refrão popular neste verão tem sido o de "Do You Hear the People Sing?", do musical da Broadway "Os Miseráveis" (que foi adaptado do romance de 1862 de Victor Hugo).

Na peça e num filme de 2012 estrelado por Anne Hathaway e Hugh Jackman, a frase "você ouve as pessoas cantarem?" é um grito de mobilização anti-establishment para os manifestantes na França do século 19.

Mas, em uma noite recente em Hong Kong, Harold Tsai, um manifestante que estava tocando a canção em um alto-falante, na direção de uma barricada policial próxima, disse que nem todos os policiais parecem ver a música como um gesto antagônico.

"Alguns cantam", acrescentou Tsai, 28. "Eu vejo suas bocas se movendo."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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