Em conversa reservada com Trump sobre Venezuela, Bolsonaro rejeita ação militar

Diálogo entre líderes de EUA e Brasil ocorreu em reunião bilateral no G20, no Japão

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro deixou de lado sua postura de alinhamento a Donald Trump ao descartar a consulta do mandatário americano sobre apoio brasileiro a eventual ação militar na Venezuela.

Em sua principal reunião bilateral durante a cúpula do G20, no Japão, Bolsonaro disse a Trump que era preciso pensar no dia seguinte e afirmou que o Brasil não pode adotar essa linha na América do Sul.

No encontro reservado, Bolsonaro se afastou da idolatria manifestada publicamente ao americano e adotou postura pragmática ao apresentar suas preocupações com a empreitada sugerida pelo aliado.

O diálogo mostra um agir diferente do presidente brasileiro em suas declarações públicas e em privado, na qual a objetividade eventualmente parece se sobrepor a ideologias e alinhamentos preferenciais do governo brasileiro.

Os presidentes de EUA, Donald Trump, e Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro no G20, em Osaka, no Japão
Os presidentes de EUA, Donald Trump, e Brasil, Jair Bolsonaro, durante encontro no G20, em Osaka, no Japão - Kevin Lamarque - 28.jun.19/Reuters

A reunião ocorreu em 28 de junho, no segundo encontro entre os dois líderes. O primeiro deles foi em março, quando Bolsonaro deixou a Casa Branca com as promessas de que o Brasil contaria com o apoio americano para ingressar na OCDE, o clube dos países ricos, e de que o país se tornaria aliado prioritário extra-Otan, o que se confirmou na última semana.

A Folha reconstituiu o diálogo entre os líderes com pessoas presentes no encontro. Na presença de auxiliares, os presidentes trataram de temas como as eleições na Argentina e a busca de uma solução para pôr fim ao regime do ditador venezuelano Nicolás Maduro.

De acordo com os relatos feitos à reportagem, Trump se mostrou disposto a fazer uma ação conjunta com o Brasil para provocar mudanças no país sul-americano em crise. Ele sondou então se o brasileiro via a possibilidade de uma intervenção militar conjunta.

Bolsonaro prontamente descartou essa alternativa. O presidente brasileiro argumentou que as Forças Armadas do Brasil foram enfraquecidas nas últimas duas décadas e ponderou que a topografia do país vizinho favorece o regime, porque beneficia a atuação de guerrilhas locais.

Bolsonaro destacou ainda que o patrocínio do Brasil a esse tipo de ação traria “problemas sérios” à região.

Militares que auxiliam o presidente já o aconselharam diversas vezes a se manter distante de uma solução que envolva o emprego de força. Há um temor de que isso possa resultar em retaliações internacionais, desaprovação por parte da população brasileira e até mesmo derrota.

Bolsonaro costuma se dirigir ao regime venezuelano com fortes críticas, associando o governo do país vizinho a Cuba, e os filhos do presidente com frequência ligam a ditadura de Maduro ao tráfico de drogas.

Um deles, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, indicado pelo pai para o cargo de embaixador do Brasil em Washington, já defendeu a intervenção militar na Venezuela.

Ainda no encontro no Japão, Trump elogiou a ajuda do Brasil e disse que Bolsonaro tem agido “com mão firme” na busca de uma alternativa a Maduro, mas o presidente brasileiro alertou o americano de que o país está “no seu limite”.

Como alternativa, Bolsonaro diz que sanções econômicas ao regime de Maduro “são bem-vindas”. Nesta segunda-feira (5), o governo americano intensificou as ações desse tipo e ordenou o congelamento total de ativos do regime do ditador venezuelano.

Essa é uma prática dos americanos imposta a nações adversárias, como Cuba e Irã.

A possibilidade de que o Brasil patrocine restrições econômicas à Venezuela foi abordada ainda durante o G20 pelo porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros.

“Num conceito mais amplo, que é de se imaginar que, por meio da pressão econômica, nós vamos conseguir viabilizar a democracia na Venezuela, poderá, eventualmente, ser analisada alguma ação para que haja a desidratação do suporte de atores que possam introduzir algum suporte econômico na Venezuela”, disse ele durante o encontro.

Rêgo Barros, porém, tratou o tema como uma possibilidade remota e não deu detalhes sobre o que poderia ser feito.

Durante a conversa reservada com Trump, Bolsonaro e o americano ainda trataram das eleições na Argentina em tom de preocupação de uma eventual derrota de Maurício Macri pela chapa de Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice.

O brasileiro propôs que Trump visitasse a Argentina antes das eleições, em outubro, em sinal de apoio a Macri. Também sugeriu uma reunião com outros líderes latino-americanos de direita e a apresentação de “um pacote” de soluções para evitar o que chamou de “surgimento de uma nova Venezuela na América do Sul”.

Em demonstração de empatia, Trump se desculpou pelas críticas dirigidas a Bolsonaro pelo prefeito de Nova York, Bill De Blasio. Protestos liderados pelo democrata levaram ao cancelamento de um prêmio que o presidente brasileiro receberia na cidade.

Depois de uma série de idas e vindas, o evento foi transferido para Dallas, no Texas, onde Bolsonaro foi homenageado com o prêmio “Pessoa do Ano”.

Embora mantenha tom aguerrido e anti-esquerda em seus discursos, Bolsonaro tem cedido ao pragmatismo em alguns pontos que envolvem a política externa brasileira.

Durante o G20, deixou de fora críticas à Venezuela em sua fala na reunião dos líderes dos Brics. O bloco, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem dois de seus integrantes como apoiadores de Maduro: russos e chineses.

Não quis polemizar com [Vladimir] Putin, uma potência nuclear”, admitiu o presidente ao ser questionado sobre o tema, em entrevista coletiva.

Nas últimas semanas, Bolsonaro tem dirigido elogios ao presidente Evo Morales, da Bolívia. Morales chegou ao poder em 2006, em meio a uma onda de esquerda que predominou na política da América do Sul no início dos anos 2000.

O mandatário boliviano também apontou para uma postura pragmática ao comparecer à posse de Bolsonaro, em janeiro.

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