Caso o Brasil inclua empresas chinesas de tecnologia como a Huawei em sua rede 5G, os EUA podem reavaliar o compartilhamento de informações que mantêm com o país.
Esse é o alerta de Robert L. Strayer, vice-secretário assistente de Estado dos EUA para comunicações internacionais e cibernéticas. Ele tem viajado o mundo para alertar governos sobre os perigos que Washington vê na participação de companhias chinesas nas redes 5G.
Segundo Strayer, essas empresas são obrigadas, pela lei de segurança nacional chinesa, a seguir determinações do Partido Comunista —e, portanto, não seriam confiáveis.
A telefonia de quinta geração —o chamado 5G—, que deve entrar em operação no país até 2022, terá velocidades até cem vezes superiores às das redes atuais, facilitando o uso de carros autônomos e cidades com controle inteligente. A Huawei nega que seus equipamentos representem uma ameaça à segurança.
Por que os EUA se preocupam com certos serviços e produtos tecnológicos da China? Temos um cuidado especial em relação à tecnologia 5G porque ela será o alicerce de toda a infraestrutura crucial no futuro, incluindo transportes autônomos e também de infraestrutura atual, como distribuição de energia e abastecimento de água.
Vamos depender de equipamentos que estarão conectados à rede 5G, então é preciso ter os fornecedores mais seguros possíveis. Com o 5G, haverá um uso muito maior de software, o que aumenta a vulnerabilidade a ciberataques.
Uma única linha entre as milhares de linhas de código de cada uma das atualizações diárias de software pode causar interrupções no sistema ou levar informação a ser modificada ou retirada sem o conhecimento do governo local ou das empresas de telefonia.
A China tem uma lei de segurança nacional que exige que fornecedores cumpram determinações do Partido Comunista, sem a intervenção de um judiciário independente. A inexistência de um judiciário independente que possa ser acionado por empresas é diferença crítica entre o que há em democracias como Brasil e EUA e China.
E há várias outras questões em relação à confiabilidade das empresas. As empresas têm uma estrutura acionária transparente, conseguimos entender quem e o que influencia essas empresas?
Empresas como Huawei e ZTE têm longo histórico de corrupção em vários países e de roubo de propriedade intelectual. Também violaram nossas sanções contra o Irã.
Há indícios ou provas de vazamento de informações por parte dessas empresas? Devido à lei de inteligência nacional da China e do fato de que as empresas são geralmente controladas pelo Partido Comunista, para nós empresas e governo chinês são a mesma coisa. Houve muitos anos de roubo sistemático de propriedade intelectual por parte da China para obter ganhos comerciais.
Em dezembro do ano passado, os EUA e outros 14 países afirmaram que o maior roubo de propriedade intelectual da história foi cometido pelo ministério de segurança nacional da China e empresas privadas chinesas, principalmente aquelas que fornecem infraestrutura de tecnologia de informação e computação na nuvem.
A China leva o tráfego da internet a ser desviado de volta para a China em muitas ocasiões quando não o seria. Com o 5G, eles terão autoridade legal e oportunidade para fazer coisas que contrariam os interesses dos EUA e de outros países, porque terão controle sobre os fornecedores da rede.
Recentemente, o sr. afirmou que, se aliados dos EUA incluírem equipamentos da Huawei em suas redes 5G, isso pode impactar o compartilhamento de inteligência entre o governo americano e esses países. Nossa relação de compartilhamento de informações de governo com países aliados e parceiros, como o Brasil, é muito importante.
Queremos manter a capacidade de compartilhar informações de forma franca e rápida.
Mas nós avaliamos que é importante proteger essas informações privadas de governos ou do setor privado.
Se essa informação é transmitida por canais que usam fornecedores não confiáveis no 5G, isso causa vulnerabilidades, e pessoas nas quais não confiamos podem se aproveitar.
Se o Brasil comprar equipamentos de empresas chinesas consideradas não confiáveis, isso impactará o compartilhamento de informações que os EUA fazem com o país? Nós iremos reavaliar a maneira como compartilhamos informações.
Alguns governos argumentam que não existem alternativas com preço razoável para substituir a Huawei no 5G. Se um país não deve comprar da Huawei, o que ele pode fazer? Segundo o setor privado, o preço oferecido pelas empresas chinesas é comparável ao da [finlandesa] Nokia, da [sueca] Ericsson e da [sul-coreana] Samsung.
Em alguns casos, os chineses também oferecem financiamento. Mas não é sustentável, porque muitos países contraem empréstimos enormes e ficam muito endividados por anos. Há muitas alternativas práticas à Huawei.
Os EUA estariam dispostos a oferecer financiamento? Estamos trabalhando em opções de financiamento para aquisição de tecnologia. Temos programas que aumentam a capacidade dos países de comprar tecnologia e outros tipos de infraestrutura.
Até agora, quais países seguiram os EUA e baniram a Huawei e outras empresas chineses de suas redes, além de Taiwan e Austrália? Todas as empresas do Japão afirmaram que não comprarão de Huawei e ZTE, e há inúmeros outros países que declararam a mesma intenção, só não disseram isso em público. Outros países estão discutindo vetar a Huawei pelo menos nas principais redes, por motivos de segurança.
O governo americano espera que o Brasil faça o mesmo? Brasil tomará sua decisão soberana no leilão de 5G [que deve ocorrer em 2020]. Nós continuaremos a conversar com o governo sobre o perigo de ter um fornecedor não confiável nessas redes.
Há ressalvas em relação a outros investimentos externos da China, por exemplo, na área de infraestrutura? Nós focamos o 5G e o impacto que pode ter na nossa economia e na privacidade de nossos cidadãos. Mas também queremos que os países entendam que tipo de investimento em infraestrutura a China está fazendo.
Normalmente, os países que aceitam investimentos chineses em infraestrutura contraem dívidas imensas e ficam vulneráveis a coerção.
Sri Lanka ficou com um endividamento insustentável e teve de entregar, como garantia, um porto para concessão. Os países precisam entender que tipo de transação e dívida eles estão contraindo com a China.
ROBERT STRYER
Vice-secretário assistente de Estado dos EUA para comunicações internacionais e cibernéticas. Antes, era assessor jurídico do Comitê de Relações Exteriores do Senado americano. É formado em economia pela Denison University e em direito pela Vanderbilt University
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