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Governo Bolsonaro

Falas de Bolsonaro tiram radicais da habitual solidão em que se encontram

Declarações geram incertezas que dificultam aferição de riscos de investir no Brasil

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Cambridge (EUA)

Nelson Mandela, líder do movimento contra o regime do apartheid e primeiro presidente negro da África do Sul, vestiu a camisa 6 do capitão François Pienaar para assistir à vitória da seleção sul-africana na Copa do Mundo de Rugby de 1995.

Com tal gesto, ofereceu àquela sociedade até recentemente segregada um sinal de que o principal líder do novo regime estava aberto à reconciliação.

Aquele momento ecoa no Brasil de hoje não porque o presidente tem o hábito de assistir a jogos de futebol vestindo camisas do time da casa, mas porque à robustez das instituições democráticas e à relativa modernidade da sociedade brasileira se contrapõe uma série de sinais de caráter profundamente autoritário enviados por Bolsonaro.

Cumpre saber se os sinais emitidos importam aqui também. Para o público, um presidente que diz as coisas que Bolsonaro diz ajuda a normalizar ideias e ações que antes eram vistas como impróprias.

Para o cidadão que hesitava em vocalizar seus pensamentos, as declarações são um sinal duplo. Por um lado, indicam que o presidente da República pensa da mesma forma, o que tira os radicais da solidão em que normalmente se encontram.

O presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress

Por outro, como o presidente não será punido pelas coisas que diz, suas declarações sinalizam para o cidadão radical que expressar posições antes consideradas inaceitáveis se tornou um comportamento impassível de punição pela sociedade.

Qual é, senão essa, a origem do mito de “Bolsonaro como mito”? O homem que diz, veemente e impunemente, o que “todos” pensam mas ninguém diz.

Juntas, as duas faces desse sinal empoderam cidadãos com preferências radicais a se tornarem cada vez mais veementes e entusiasmados na defesa e promoção de suas ideias. Eles criam seus próprios partidos e votam em candidatos radicais como eles.

Como sabem húngaros e venezuelanos, é no sucesso dessa empreitada que mora o perigo: não há modernidade social, instituições democráticas ou controles internacionais que sejam capazes de parar um eleitorado disposto a entregar todo o poder aos autoritários.

Talvez o presidente do Itaú não se preocupe com isso, afinal no dia em que os autoritários estiverem no poder eles poderão fazer as reformas econômicas sem perturbação. Ainda assim, as declarações de Bolsonaro têm efeitos sobre os agentes econômicos.

Que sinal elas emitem? Ao sugerir políticas inconstitucionais e rejeitar atestados de óbito emitidos pelo Estado brasileiro, ele indica aos agentes econômicos que tem pouco apreço pelos contratos —sociais ou não— assumidos pelos seus antecessores. Com isso, o Presidente gera incerteza e essa incerteza paralisa parte dos agentes econômicos pois dificulta a aferição dos riscos de investir no Brasil. 

Considere o caso de um empreendedor que esteja decidindo se vai investir em uma startup de jogos nacional. Como pode ele saber se amanhã o presidente, após interagir com um fã nas redes sociais, não vai baixar as tarifas sobre jogos produzidos no exterior? 

Não há como saber e, portanto, não há como investir com segurança. 

Ainda que existam regras que limitem o estrago que as volições do Presidente tenham, suas declarações emitem sinais para os agentes econômicos que indicam, se não uma mudança de curso, uma intenção desestabilizadora que aumenta o risco e influencia a equação pela qual tais agentes decidem quando e onde investir.

Consequentemente, ainda que seus efeitos sejam indiretos, o que o presidente da República diz importa muito, principalmente na medida em que ajuda o público e os agentes econômicos a definir como funciona a sociedade, a política, e a economia no Brasil e a prever como será o futuro.

Doutorando no Departamento de Governo da Universidade Harvard e pesquisador associado do Centro David Rockefeller de Estudos Latino Americanos   

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