Família de brasileira morta na Nicarágua pedirá anulação de caso na Justiça

Homem que confessou crime foi solto 1 ano depois; advogado vai entrar com recurso

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São Paulo

Advogados da família da brasileira Raynéia Gabrielle Lima, morta na Nicarágua em 2018, vão entrar com um recurso de anulação do processo judicial contra o homem que confessou o homicídio e que foi solto um ano após o crime. 

O vigilante Pierson Gutiérrez Solís foi condenado a 15 anos de prisão pelo homicídio da estudante de medicina de 31 anos, morta com um tiro de fuzil quando dirigia seu carro em Manágua, capital do país. Porém, no último dia 23, a Justiça ordenou que ele seja solto e arquivou definitivamente o caso com base na Lei de Anistia —criada em junho pelo ditador Daniel Ortega e que deveria ser aplicada a presos políticos. 

A estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima
A estudante de medicina brasileira Raynéia Gabrielle Lima, morta na Nicarágua - Reprodução/Facebook

Ao pedir a anulação do processo, os advogados vão alegar que houve uma série de “vícios e arbitrariedades". Por exemplo, a família da estudante não foi notificada do julgamento nem esteve presente nas audiências. 

“A mãe dela, Maria José da Costa, deveria ter sido procurada pelo Ministério Público desde o início, para que pudesse ser escutada no processo penal, o que não ocorreu”, diz Roberto Fúnez, advogado que representará Maria José. Ele faz parte de uma organização chamada Acción Penal, que atende gratuitamente vítimas da repressão do regime, e que começou a representar a família de Raynéia neste mês. 

Outro problema do julgamento, segundo Fúnez, é que não houve confirmação por parte do juiz e do Ministério Público de que a confissão do acusado fosse verdadeira. “O juiz não lhe fez nenhuma pergunta para garantir que ele era de fato responsável pelo crime nem solicitou ao Ministério Público as provas necessárias para comprovar a admissão dos fatos”, afirma. 

A Folha não conseguiu contato com o advogado de Solís.

A mãe de Raynéia vem se queixando de não ter podido acompanhar o processo. O julgamento com a condenação de Solís durou apenas 35 minutos e foi a portas fechadas, segundo a imprensa nicaraguense. 

Na época da morte da estudante, a Nicarágua vivia o auge de uma onda de protestos contra Daniel Ortega e uma forte repressão a opositores que deixou centenas de mortos e milhares de feridos. 

De acordo com investigação do jornal Confidencial, Solís é militante da Frente Sandinista de Libertação Nacional, de Daniel Ortega, e trabalhava como segurança na Albanisa, uma parceria do governo com a petroleira estatal venezuelana PDVSA. 

Maria José, mãe de Rayneia, com fotos da filha em sua casa em Pernambuco
Maria José, mãe de Rayneia, com fotos da filha em sua casa em Pernambuco - Adolfo Santos Sonteria/Folhapress

A região da sede da companhia, a 500 metros de onde Raynéia foi morta, era um dos pontos de confronto de estudantes com as forças de Ortega e estava ocupada por paramilitares —homens encapuzados que, segundo vários relatos, ajudam a defender o governo de forma extraoficial e usam o tipo de arma que matou a brasileira. 

A defesa também afirma que Solís não pode ser beneficiado pela Lei de Anistia, que deveria ser aplicada apenas aos presos por terem se manifestado politicamente contra a ditadura de Ortega.

A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), considera que crimes como esse não deveriam ser anistiados. “As graves violações aos direitos humanos não podem ser submetidas a processos de anistia. Isso é um standard jurídico interamericano consolidado em diferentes decisões da Corte”, afirmou o secretário-executivo Paulo Abrão, acrescentando que a decisão “escancara a falência do Estado de Direito e da independência judicial na Nicarágua”.

Abrão diz que a notícia explicita “a contradição do governo, que sempre defendeu que o assassinato não se vinculava aos protestos, objeto da lei [de anistia]”, para manter boas relações com o Brasil.

Se o tribunal de apelações admitir o recurso da família de Raynéia, o processo teria que começar do zero. “Em um contexto normal, se o sistema de Justiça da Nicarágua estivesse funcionando com autonomia, se reabriria a causa, mas cuprindo com todas as garantias legais”, diz o advogado da família.

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