Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Governo brasileiro estuda classificar milícia libanesa Hizbullah como terrorista

Medida faz parte dos esforços do presidente Jair Bolsonaro para fortalecer apoio aos EUA

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Samy Adghirni
Bloomberg

O Brasil estuda classificar a organização libanesa Hizbullah como terrorista, em um esforço do presidente Jair Bolsonaro para intensificar o alinhamento da política externa de seu governo à dos Estados Unidos.

As autoridades brasileiras estão analisando as opções para levar adiante a ideia, que está sendo discutida nos escalões mais altos do governo, mas não tem apoio geral, de acordo com três pessoas diretamente informadas sobre o assunto.

Não seria fácil implementar a medida, devido às particularidades da lei brasileira, acrescentaram as fontes ouvidas, que solicitaram que seus nomes não fossem mencionados porque as discussões não são públicas.

Integrantes do Hizbullah fazem desfile de moto carregando a bandeira do grupo em homenagem ao aniversário de 13 anos do fim da conflito armado com Israel
Integrantes do Hizbullah fazem desfile de moto carregando a bandeira do grupo em homenagem ao aniversário de 13 anos do fim da conflito armado com Israel - Mahmoud Zayyat - 15.ago.19/AFP

A ideia é parte dos esforços de Bolsonaro para criar laços mais fortes com Donald Trump, com quem ele também deseja um acordo comercial. O movimento se enquadra à visão de mundo do presidente direitista brasileiro e de seus assessores mais próximos.

A milícia libanesa Hizbullah (partido de Deus, em árabe) surgiu em 1985 como um movimento de resistência a Israel, que àquela época ocupava o sul do Líbano.

A facção segue o ramo xiita do islã e se alinha ao Irã e ao regime da Síria. Há inúmeros atentados atribuídos ao Hizbullah, incluindo o ataque na Argentina em 1994, razão pela qual EUA, Israel e Argentina, mais recentemente, descrevem a organização como terrorista.

Durante a campanha presidencial do ano passado, Eduardo, filho de Bolsonaro, que pode se tornar o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, já advogava que o governo assumisse uma posição forte em relação ao Hizbullah e ao grupo palestino Hamas.

Mas a medida pode desgastar o relacionamento com o Irã, aliado do Hizbullah, que importa US$ 2,5 bilhões (R$ 10,1 bilhões) de produtos brasileiros ao ano, e desagradar a influente comunidade libanesa no Brasil.

O governo também se preocupa que isso possa fazer do país alvo de ataques terroristas, disse uma das pessoas ouvidas pela reportagem. Uma decisão pode ser anunciada antes da visita de Bolsonaro, em outubro, aos Emirados Árabes Unidos (EAU) e à Arábia Saudita, dois países que fazem forte oposição ao Hizbullah.

Contatado pela Bloomberg, o Ministério de Relações Exteriores brasileiro disse não considerar o Hizbullah  uma organização terrorista e que não existem planos para alterar seu status por enquanto.

O gabinete do presidente, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal, responsáveis pela aplicação das leis de combate ao terrorismo, recusaram-se a comentar o assunto

Atualmente, o Brasil só considera como terroristas organizações classificadas como tal pelo Conselho de Segurança da ONU, entre as quais a Al Qaeda e o Estado Islâmico. As autoridades brasileiras estão autorizadas a impedir a entrada, deter e congelar ativos de pessoas suspeitas de pertencer a essas organizações.

O líder brasileiro está sendo pressionado pelos Estados Unidos a colocar o Hizbullah na lista de organizações terroristas.

Em reunião em novembro de 2018 com o então presidente eleito Bolsonaro, o assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, disse que Trump esperava cooperação do Brasil no combate ao terrorismo, incluindo ações contra o Hizbullah, o Hamas e outras organizações.

A temperatura aumentou ainda mais no mês passado, quando a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a classificar o Hizbullah como terrorista.

"O Brasil está sob pressão internacional há anos para designar o Hizbullah como organização terrorista", diz Jorge Lasmar, especialista em terrorismo e professor de relações internacionais na PUC de Minas Gerais.

"Pode haver sérias consequências, como a criação de fricção com o Irã e outros países com populações xiitas relevantes, como o Líbano."

Como parte de sua estratégia contra o Irã, os Estados Unidos estão instando os países latino-americanos a denunciar o Hizbullah.

A Argentina enfim o fez no 25º aniversário do atentado contra um centro comunitário judaico que matou 85 pessoas. Tanto a Argentina quanto os Estados Unidos atribuem a culpa pelo ataque ao Hizbullah e ao Irã. Os dois acusados negam. O Brasil recentemente reconheceu que o grupo está presente na América do Sul.

Entre os obstáculos a levar o plano adiante está o fato de que a lei brasileira é vaga na definição de terrorismo.

No momento, o Brasil define atos de terrorismo de maneira restrita, mas o mesmo não se aplica a organizações terroristas. Também ignora completamente a motivação política por trás de ataques. Isso significa que o Congresso pode ter de aprovar quaisquer medidas específicas contra o Hizbullah.

"A definição legal de terrorismo brasileira é restrita; os conceitos internacionais e nacionais sobre esse assunto tendem a entrar em conflito", disse Rogerio Sanches Cunha, pesquisador de questões legais e especialista em leis antiterroristas brasileiras.

O Hizbullah é ao mesmo tempo uma organização armada, um partido político e uma organização social.

Tem representantes no gabinete libanês e seu poder geopolítico é considerável. É considerado organização terrorista por muitos países, entre os quais Estados Unidos e Arábia Saudita.

A Alemanha considera a parte militar do Hizbollah como terrorista, mas não suas alas política e social. Rússia e China não consideram a organização como terrorista.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.