Descrição de chapéu The New York Times Venezuela

Maduro reprime seus próprios militares em esforço para se manter no poder

Além de morte de capitão em julho, outras autoridades militares sofrem perseguição

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Maracay (Venezuela) | The New York Times

Uma semana depois de as forças de inteligência venezuelanas terem detido um capitão aposentado da Marinha, ele apareceu em um tribunal militar curvado, em cadeira de rodas e mostrando sinais de ter sido torturado. “Ajude-me”, pediu a seu advogado, sussurrando.

O capitão Rafael Acosta morreu nesse mesmo dia. Foi sepultado três semanas mais tarde, em 10 de julho, contra a vontade de sua esposa, cercado por guardas, num lote reservado pelo governo.

Os cinco familiares autorizados a acompanhar o enterro não puderem vê-lo: o corpo estava envolto em plástico marrom.

O ditador Nicolás Maduro participa de cerimônia militar em Caracas
O ditador Nicolás Maduro participa de cerimônia militar em Caracas - 10.jul.19/Palácio de Miraflores via Reuters

Acosta foi eletrocutado e sofreu traumatismo por força contundente, segundo trechos vazados do relatório de sua autópsia, e o governo admite que foi empregada força excessiva contra ele.

Sua morte é um sinal de como o governo de Nicolás Maduro, atacado por todos os lados, vem usando um aparato repressivo brutal contra seus próprios militares em um esforço desesperado para conservar o controle sobre as forças armadas, e, por meio, delas, o Estado.

Altos dirigentes militares já declararam várias vezes sua lealdade à administração de Maduro.

Mas nos últimos dois anos, à medida que a economia rica em petróleo foi desabando e que a maioria dos venezuelanos começou a sofrer falta de alimentos e medicamentos, facções no interior das forças de segurança já lançaram pelo menos cinco tentativas para afastar ou assassinar o presidente.

O governo afirma ter frustrado pelo menos uma dúzia de complôs nesse mesmo período, incluindo um do qual Acosta e cinco outros militares detidos foram acusados de participar.

A mídia estatal venezuelana descreve o fluxo de ameaças reais e imaginadas como “um golpe contínuo”.

Segundo as Nações Unidas, defensores dos direitos humanos e famílias das vítimas, o Partido Socialista de Maduro utiliza essa ideia de estar vivendo sob assédio para justificar vigilância constante, detenções arbitrárias e tortura de quem vê como sendo seus inimigos, incluindo figuras das Forças Armadas, que têm 160 mil membros.

“Os abusos cometidos contra oficiais militares vêm aumentando, porque esses oficiais representam uma ameaça real ao governo de Maduro”, disse o general Manuel Christopher Figuera, o ex-chefe de inteligência da Venezuela, que desertou em abril e falou ao NYT nos Estados Unidos.

Hoje há 217 oficiais da ativa e da reserva presos em cadeias venezuelanas, entre eles 12 generais, segundo informou a Coalizão para os Direitos Humanos e a Democracia, uma ONG de Caracas que representa vários deles.

A coalizão documentou 250 casos de tortura cometidos desde 2017 pelas forças de segurança venezuelanas contra oficiais militares, seus familiares e ativistas oposicionistas.

Muitas das vítimas estão na prisão há anos sem ir a julgamento. Alguns poucos foram condenados criminalmente, mas a maioria nem sequer foi indiciada, segundo a organização.

Quanto mais fraco é o governo, “mais forte é a tortura ao qual ele submete pessoas que vê como perigosas”, disse uma advogada da coalizão, Ana Leonor Acosta (sem parentesco com Rafael Acosta).

A ONU estima em 4 milhões o número de venezuelanos que já abandonaram o país para fugir das condições deterioradas.

Enquanto Maduro procura garantir a lealdade dos altos escalões das forças armadas com promoções e contratos lucrativos, os oficiais de médio e baixo escalão se veem cada vez mais afetados pela crise. E isso os deixa agitados.

“A fome chegou aos quartéis, e a dissidência infestou as fileiras dos militares”, comentou Ana Acosta. “As Forças Armadas estão corroídas por paranoia, desconfianças e divisões entre os militares que apoiam este governo e os que são contra.”

O ministro da Informação venezuelano não respondeu a perguntas detalhadas sobre alegações de tortura enviadas a ele pelo NYT para esta reportagem.

A Procuradoria da República, que lida com investigações criminais e de direitos humanos, negou-se a dar declarações. No passado, o governo negou acusações de que teria promovido a tortura sistemática, atribuindo casos específicos a excessos isolados cometidos por militares de baixa patente.

No caso de Rafael Acosta, o governo deteve os dois soldados que assinaram sua ordem de prisão.

Diosdado Cabello, presidente do partido governista venezuelano, disse que uma investigação do poder público concluiu que os dois soldados usaram de força excessiva quando o capitão resistiu à ordem de prisão.

“Os dois são responsáveis, mas essa não é uma política seguida pelo Estado”, disse Cabello.

Críticos do governo de Maduro acham que os dois soldados são bodes expiatórios de decisões tomadas pelo palácio presidencial.

“Isto daqui foi decisão de Maduro”, disse Figuera, o ex-diretor de inteligência venezuelana. “É ele quem dá as ordens aqui.”

Para a família de Acosta, o que aconteceu ao capitão se encaixa no padrão de abusos cometidos pelo Estado.

“É tudo uma cortina de fumaça”, disse a esposa de Acosta, Waleswka Pérez. “O que aconteceu com meu marido é algo que vem ocorrendo há bastante tempo. Há muito medo no ar, porque eles são capazes de tudo.”

O uso crescente de tortura por Maduro representa uma reviravolta surpreendente, em se tratando de um governo socialista que chegou ao poder duas décadas atrás com a promessa de acabar com as violações dos direitos humanos cometidas por seus predecessores.

Em 2013, pouco depois de chegar à Presidência (após a morte de seu predecessor e mentor Hugo Chávez), Maduro firmou uma lei de combate à tortura.

Ana Acosta, a advogada, disse que Maduro vem recorrendo a táticas cada vez mais brutais para controlar as forças de segurança.

Juan Carlos Caguaripano, capitão da Guarda Nacional que em 2017 comandou um ataque fracassado contra uma base militar, sofreu ferimentos nos testículos depois de ser espancado na prisão, segundo seus familiares e advogados.

Ele disse aos advogados que ficou feliz por isso ter acontecido, já que a hemorragia forte decorrente lhe garantiu uma trégua dos interrogatórios.

Óscar Pérez, policial que liderou uma pequena unidade guerrilheira contra o governo, recebeu pelo menos 15 tiros disparados à queima-roupa por agentes de segurança em janeiro de 2018, mesmo depois de ter tentado se render, em tiroteio que transmitiu ao vivo nas redes sociais.

O clima de medo é mais palpável em Maracay, a capital militar da Venezuela e sede das principais bases aéreas e academias militares do país.

A importância dessa cidade no mundo militar fez dela um campo fértil para complôs. Foi a partir de Maracay que Hugo Chávez, então comandante dos paraquedistas, lançou uma tentativa de golpe contra o governo democrático da Venezuela, em 1992.

Ele fracassou, mas chegou à Presidência sete anos mais tarde. Em 2002 os paraquedistas de Maracay voltaram a se revoltar, desta vez em um contragolpe para reconduzir Chávez, que havia sido deposto, ao poder.

Hoje Maracay está no epicentro dos expurgos de Maduro nos quartéis. Seus residentes incluem pelo menos quatro dos cinco oficiais ativos e da reserva detidos juntamente a Rafael Acosta.

Uma prima de Acosta, Carmen Acosta –uma das poucas pessoas da família autorizada a estar presente ao seu enterro— disse que os militares acreditam que ele era inocente.

“Nem chegaram a acusá-lo de nada”, explicou. “Ele morreu indefeso, inocente e sozinho.”

Advogados de direitos humanos dizem que está cada vez mais difícil documentar e denunciar casos de tortura na Venezuela.

A campanha de terror do governo se estende para muito além dos oficiais acusados, semeando o medo entre familiares, representantes legais, sócios e comunidades inteiras.

Em Maracay, a família de Acosta diz que vive com medo. A mãe octogenária do oficial se isolou, apavorada, recusando-se a falar até mesmo com parentes próximos, por medo de colocá-los em risco.

Carmen Acosta, sua prima, disse que decidiu falar com a imprensa depois de passar semanas se angustiando sobre isso.

“Se ficarmos em silêncio, eles terão vencido”, ela falou, segurando lágrimas. “É isso que eles querem: fazer todo mundo viver com medo.”

Tradução de Clara Allain

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