Descrição de chapéu Financial Times

Movimentos em Hong Kong e Moscou mostram força de protestos que viram atos mais amplos

Rússia e China representam principais desafios ideológicos do liberalismo ocidental

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Gideon Rachman
Financial Times

Segundo Vladimir Putin, o presidente da Rússia, "a ideia liberal tornou-se obsoleta". Talvez. Mas o iliberalismo também não parece ir tão bem, a julgar por minhas recentes visitas a Moscou e Hong Kong. 

Entre as duas, Rússia e China representam os principais desafios geopolíticos e ideológicos do liberalismo ocidental. Mas ambos os países estão enfrentando protestos públicos que prejudicam as reivindicações de estabilidade, eficiência e apoio público de seus governos.

Em resposta, tanto o governo russo quanto o chinês recuaram para a paranoia autônoma, alegando que os protestos em massa em Moscou e Hong Kong estão sendo orquestrados por inimigos estrangeiros.

Com certeza existem diferenças significativas entre os acontecimentos nas duas cidades. Primeiro, há uma questão de escala. A maior manifestação em Hong Kong levou cerca de 2 milhões de pessoas às ruas; o protesto do fim de semana em Moscou, o maior até hoje, atraiu cerca de 50 mil pessoas. A polícia russa também recorreu à violência e às prisões em massa muito antes de seus homólogos de Hong Kong.

E enquanto Moscou é a capital da Rússia e sede do poder do Estado, Hong Kong tem um status de semi-independente na China e sua própria identidade. No entanto, chegando a Moscou uma semana depois de deixar Hong Kong, fiquei impressionado com os paralelos.

Primeiro, há a pura coragem dos manifestantes. Na quinta-feira passada (1º) conheci Lyubov Sobol, advogada de 31 anos que estava em sua quarta semana de greve de fome, em protesto contra a proibição de concorrer nas eleições para a Câmara municipal de Moscou.

Sobol agora anda com dificuldade, mas ainda assim foi presa no sábado para evitar que participasse da última manifestação.

Ela havia previsto com precisão que, apesar das prisões em massa em atos anteriores, os protestos deste fim de semana seriam os maiores e se estenderiam a cidades fora de Moscou. Ela afirma acreditar que "Moscou mudou, a Rússia mudou e as pessoas estão exigindo representação política".

A coragem dos manifestantes de Moscou me lembrou os estudantes e jovens profissionais que conheci em Hong Kong. Eles sabem que a detenção e o encarceramento podem arruinar seu futuro, mas continuam participando das manifestações.

A juventude dos movimentos de protesto é notável. Como um veterano liberal de Moscou me explicou: "Eu estive em todas as manifestações anti-Putin durante anos, e normalmente conheço todo mundo —mas nunca encontrei essa garotada".

Em Hong Kong, pesquisas sugerem que o sentimento anti-Pequim é mais forte entre os jovens. Ambos os movimentos têm como característica a falta de líderes e ser baseados na internet, o que torna difícil controlá-los.

Em Hong Kong, os manifestantes adotaram um slogan da lenda das artes marciais Bruce Lee, "seja água", para incentivar os manifestantes a evitar táticas fixas e previsíveis.

Em Moscou, a prisão de quase todo o círculo em torno de Alexei Navalny, o mais proeminente líder de oposição, não deteve os protestos.

As queixas dos manifestantes sobre a democracia fingida também são surpreendentemente semelhantes.

As manifestações de Moscou foram desencadeadas pela decisão das autoridades de proibir todos os candidatos independentes de participar das eleições municipais, em setembro.

Muitos em Hong Kong acreditam que um ponto de inflexão foi alcançado em 2016, quando políticos eleitos foram banidos do Legislativo da cidade por desrespeitarem um juramento de lealdade à China.

Tanto Hong Kong quanto Moscou também demonstram como os protestos podem mudar de uma única queixa para um movimento muito mais amplo.

Em Hong Kong, o gatilho inicial foi a proposta de uma lei para permitir a extradição de suspeitos de crimes para a China continental. Mas quando a lei foi suspensa as manifestações continuaram, com os manifestantes exigindo eleições totalmente democráticas.

Na Rússia, Sobol diz que a controvérsia sobre as eleições em Moscou ressalta um ponto mais amplo: "A sociedade aprendeu que não há nenhuma mudança positiva na Rússia sob o sistema liderado por Putin".

Os dilemas enfrentados pelas autoridades, ao considerarem responder com repressão ou concessão, também são semelhantes.

Ambos os rumos podem ter efeito contrário. Na Rússia, os liberais foram encorajados em junho, quando forçaram a libertação de Ivan Golunov, um jornalista anticorrupção preso por acusações forjadas. Em Hong Kong, o recuo parcial do governo sobre a extradição pode ter galvanizado os protestos.

Mas o caminho alternativo da repressão alimenta o sentimento de injustiça que persuadiu as pessoas a ocuparem as ruas, em primeiro lugar.

Tanto em Moscou quanto em Hong Kong uma das principais demandas dos manifestantes se tornou a libertação de pessoas presas em protestos anteriores.

Em ambos os lugares, as táticas do governo e dos manifestantes são influenciadas pelo conhecimento de que esta não é a primeira vez que os manifestantes saem às ruas.

Hong Kong experimentou o movimento Ocupem em 2014, enquanto Moscou testemunhou manifestações anti-Putin em massa em 2012. Esses movimentos anteriores acabaram se extinguindo. Isso pode ter convencido os governos russo e chinês a tentar ganhar tempo agora.

Mas, enquanto os protestos continuam, os riscos da repressão violenta estão aumentando claramente. Aconteça o que acontecer, o retorno dos protestos pró-democracia a Moscou e Hong Kong sugere que o liberalismo que Putin despreza é como uma febre recorrente.

A febre pode responder ao "tratamento" imposto pela polícia, mas vai voltar. Talvez a ideia autoritária tenha se tornado obsoleta?

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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