Descrição de chapéu The New York Times

Por dentro da confusa revolução dos veículos elétricos na Índia

Um milhão de riquixás elétricos surgiram e estão sendo usados por 60 milhões de pessoas por dia

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Nova Déli | The New York Times

É a hora do rush de manhã na estação de metrô Nawada, na capital da Índia, e dezenas de riquixás elétricos se espremem para atravessar o portão estreito até o estacionamento.

Uma vez lá dentro, cada um deles deixa seus quatro ou cinco passageiros antes de pegar outros.

Mais da metade dos táxis de três rodas compartilhados são tecnicamente ilegais, e os motoristas normalmente não têm licenças. Acidentes são comuns.

Quase todos os riquixás são alimentados por baterias de chumbo-ácido embaixo dos assentos dos passageiros. E a eletricidade usada para recarregá-las é frequentemente roubada.

"Não é nada seguro", disse Suman Deep Kaur, que trabalha em uma agência de crédito e usa um e-riquixá duas vezes por dia entre a estação e sua casa.

"Mas este é o único meio de transporte que me leva até em casa."

Pedestres e veículos lotam uma rua em Nova Déli
Pedestres e veículos lotam uma rua em Nova Délhi - Saumya Khandelwal/NYT

Bem-vindo à linha de frente da revolução dos veículos elétricos na Índia. É confusa, improvisada e dirigida pela população.

O governo e os fabricantes de veículos estão tentando ganhar algum controle sobre ela.

Os e-riquixás da Índia compõem a segunda maior frota de veículos elétricos do mundo. Apenas a frota chinesa de várias centenas de milhões de motocicletas e bicicletas elétricas é maior.

Cerca de 60 milhões de indianos pegam um e-riquixá todos os dias, estimam analistas. Os passageiros pagam cerca de 10 rupias, aproximadamente R$ 0,56, por percurso.

Em um país com opções limitadas de trânsito compartilhado e uma vasta população de trabalhadores pobres, os veículos oferecem um serviço vital, bem como uma vida decente para os motoristas, que são, na maioria, analfabetos.

Zumbindo pelas ruas laterais de Déli e pelas pistas de terra, os e-riquixás deixam os passageiros com os pulmões cheios de poeira e os ossos sacudidos.

Os motoristas muitas vezes vão na contramão, driblando ônibus e caminhões que se aproximam. As laterais abertas dos veículos, práticas para se entrar e sair, exigem que os passageiros se segurem ou corram o risco de cair.

As baterias às vezes superaquecem, deixando as pessoas com o assento quente. No entanto, para milhões de indianos, tudo vale a pena.

Nas cidades do norte do país, onde os e-riquixás estão concentrados, os veículos estão suplantando os auto-riquixás, os mais conhecidos veículos de três rodas que servem como táxis de bairro, acomodam até três pessoas e operam com diesel, gasolina ou gás natural.

Motoristas de riquixás elétricos esperam que o tráfego diminua do lado de fora da estação de metrô de Nova Déli, na Índia,
Motoristas de riquixás elétricos esperam que o tráfego diminua do lado de fora da estação de metrô de Nova Deli, na Índia, - Saumya Khandelwal/NYT

Embora os auto-riquixás sejam mais seguros e mais rápidos, uma viagem em um deles custa de três a dez vezes mais que num riquixá elétrico, que é mais barato devido à energia mais barata dos veículos e à capacidade de acomodar quatro ou mais passageiros pagantes.

Para muitos pilotos, a opção elétrica é uma atualização dos antiquados ciclo-riquixás que eles pedalaram um dia.

Vinod Jha, 42, motorista de ciclo-riquixá que mudou para um modelo elétrico há dois anos, disse que agora tem mais negócios. Os passageiros preferem maciçamente os e-riquixás aos que usam motores humanos.

Mas há desvantagens. "Eu me sentia mais saudável", disse ele. "Agora sou preguiçoso."

Sanjeet Kumar dirige um e-riquixá durante as horas de rush como um acréscimo ao seu trabalho principal, como vendedor de medicamentos ayurvédicos. Pai de três filhos, Kumar disse que precisava da renda de dois empregos para pagar tratamentos de artrite para sua mulher.

"Eu tenho lutado muito", disse ele em uma entrevista no apartamento de um quarto que divide com o filho mais velho. "Mas agora ela pode usar as mãos. Agora ela pode andar."

A adoção de veículos elétricos na Índia tem sido desorganizada, como muitas outras coisas no país.

Os primeiros e-riquixás apareceram há cerca de uma década, quando pequenos fabricantes importavam kits prontos para montar da China, onde os veículos eram usados principalmente para transportar cargas.

O governo ignorou a ascensão dos e-riquixás até 2014, quando uma criança de 3 anos foi jogada em uma panela de óleo quente por um motorista que atingiu a mãe do menino. O Supremo Tribunal de Déli decidiu que os veículos eram ilegais e os proibiu.

Trabalhador da maior fabricante de riquexás elétricos de Saarthi monta veículo em um armazém em Nova Déli
Trabalhador da maior fabricante de riquexás elétricos de Saarthi monta veículo em um armazém em Nova Déli - Saumya Khandelwal/The New York Times

O Parlamento nacional entrou em cena e legalizou os e-riquixás em 2015, mas a maioria dos proprietários não obtém as licenças necessárias para eles.

Sunny Garg, que dirige a G&G Automotive, fabricante de e-riquixás de ponta em Nova Déli que custam cerca de US$ 2.000 cada, disse que as autoridades eleitas perceberam que os motoristas eram um eleitorado importante.

"Um e-riquixá tem pelo menos quatro a seis votos", disse ele, referindo-se aos membros da família de cada motorista.

Os e-riquixás reduzem a poluição do ar em lugares como Nova Déli, uma das cidades mais enevoadas do mundo. As autoridades de lá agora oferecem um subsídio de 30 mil rúpias, ou cerca de R$ 1.700, para motoristas que compram novos veículos.

Com o crescimento da popularidade dos e-riquixás, as empresas indianas modificaram os projetos chineses originais.

Novas marcas surgiram, como a Saarthi, uma das maiores fabricantes de e-riquixás na área de Déli, assim como um ecossistema de fornecedores de peças e estacionamentos onde os motoristas podem guardar e recarregar seus veículos durante a noite.

O governo central está tentando forçar os motociclistas e os fabricantes de auto-riquixás a se tornarem totalmente elétricos também.

Acaba de cortar impostos sobre veículos elétricos e propôs subsídios para baterias e estações de recarga.

Junto a essas atrações, há a exigência de que todos os novos veículos de três rodas sejam elétricos até 2023 e que os de duas rodas cumpram essa meta em 2025.

"Isso é bom para a Terra", disse Rajiv Kumar, vice-presidente da Niti Aayog, agência que conduz o plano.

A segurança continua sendo uma preocupação. Os e-riquixás, com sua velocidade lenta e design frágil, são propensos a acidentes.

Os motoristas devem evitar as ruas principais, mas muitos não o fazem. As concessionárias reclamam do roubo de energia com conexões ilegais.

Motoristas de riquixás do lado de fora da estação de metrô de Nova Déli, na Índia
Motoristas de riquixás do lado de fora da estação de metrô de Nova Déli, na Índia - Saumya Khandelwal/The New York Times

O clima quente da Índia também prejudica as baterias elétricas. Elas perdem a carga mais rapidamente do que nos países mais frios, e podem superaquecer e desligar.

As grandes empresas começam a ver potencial na solução desses problemas.

Ola, um concorrente do Uber na Índia, está experimentando e-riquixás que podem trocar baterias de íons de lítio rapidamente, para que não haja tempo de inatividade para os motoristas.

A Ola construiu uma estação de troca de baterias nos arredores de Déli e levantou US$ 250 milhões do conglomerado japonês SoftBank para investir em tecnologia de veículos elétricos.

"Não pode ser um caos para sempre", disse Anand Shah, chefe da Ola Electric Mobility. "Tem que melhorar."

A Mahindra & Mahindra, uma das principais produtoras de veículos comerciais, uniu-se à startup SmartE para construir um mercado para e-riquixás premium, que funcionam com baterias de íons de lítio.

A SmartE, cujos cerca de mil e-riquixás compõem a maior frota desses veículos, tem um contrato com o sistema de metrô de Déli para colocar seus veículos em locais privilegiados.

Ela também tem ambições de padronizar todo o ecossistema do e-riquixá.

A startup aluga e-riquixás de íons de lítio para os motoristas, cobrando e mantendo-os em seus próprios estacionamentos. Os motoristas devem seguir rotas definidas por um computador que avalia a demanda.

A SmartE ainda incentiva os motoristas a usar camisetas da empresa, para terem uma aparência mais profissional.

Parece que está funcionando. Em uma manhã recente em uma estação no subúrbio de Dwarka, em Déli, quase todos os passageiros que desciam de um trem foram em direção a um dos veículos verdes brilhantes da SmartE, em vez de procurar outros riquixás.

Goldie Srivastava, diretor-executivo da SmartE, disse que faz sentido que os veículos de três rodas estejam liderando a revolução elétrica na Índia.

"Entrar em um veículo de três rodas é um hábito para grande número de indianos de baixa e média renda", disse ele. "É elétrico, mas não é um elemento drasticamente novo na Índia." 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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