Primárias na Argentina orientam mercado e rumos de campanha à Presidência

Com voto obrigatório, as chamadas 'paso' funcionam como pesquisa eleitoral de disputa apertada

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Buenos Aires

Neste domingo de inverno (11), com temperaturas previstas entre 9ºC em Buenos Aires a 0ºC com possíveis geadas no sul da Argentina, 33 milhões de argentinos estão convocados a sair de suas casas para votar em uma eleição que... não vai eleger ninguém. 

Trata-se, porém, de um pleito importante, que domina os noticiários e já parece a eleição final em vários aspectos, com atos de candidatos que reúnem multidões, discursos inflamados e cidades cobertas de propaganda política.

As chamadas “paso” (primárias abertas, simultâneas e obrigatórias) foram criadas em 2009, com a intenção de diminuir o número de candidaturas que concorriam na eleição.

Apoiadores do candidato à Presidência Alberto Fernández em comício de Rosário, na Argentina
Apoiadores do candidato à Presidência Alberto Fernández em comício de Rosário, na Argentina - Agustin Marcarian - 7.ago.19/Reuters

Por um lado, elas funcionam, pois as chapas que obtêm menos de 1,5% de votos nesse estágio estão impedidas de concorrer no primeiro turno, em 27 de outubro. 

Porém, seu objetivo principal, que era fazer com que os partidos definissem, pelo voto popular, quais de seus pré-candidatos concorreriam, não deu certo.

Isso porque os políticos, quando percebem por meio das pesquisas que não ganharão as primárias dentro de suas próprias siglas, simplesmente as abandonam e fundam outras, para concorrer separadamente.

Isso faz com que eleição argentina seja disputada por coalizões fluidas, não por partidos sólidos.

Por exemplo, há muitos peronistas e membros da UCR (União Cívica Radical) nas candidaturas do governo de Mauricio Macri, assim como há dissidentes do macrismo e “radicais” em chapas que se apresentam como peronistas.

É uma coisa “de película” —típica de cinema—, como dizem os argentinos diante de fatos que parecem surreais.

“Na Argentina não há partidos políticos fortes como no Uruguai, então as primárias funcionam para outras coisas”, diz à Folha o analista político Sergio Berensztein. 

De fato, do outro lado do rio da Prata, os uruguaios já votaram em suas primárias (a eleição lá também é em 27 de outubro) e escolheram, dentro dos partidos, entre dois ou mais candidatos. Já na Argentina, cada coalizão tem apenas uma chapa presidencial que já está definida, ainda que saia mal votada nas primárias. 

Quais seriam, então, essas “outras coisas” definidas nas “paso”? Primeiro, pelo fato de o voto ser obrigatório, e porque as sondagens eleitorais na Argentina erram muito, elas são a única “pesquisa” confiável pré-eleição.

Por exemplo, a média das 11 pesquisas entre os maiores institutos da Argentina preveem um resultado muito apertado no primeiro turno.

A chapa kirchnerista (centro-esquerda) composta por Alberto Fernández e Cristina Kirchner tem 38,5% das intenções de voto, enquanto a de Mauricio Macri com Miguel Ángel Pichetto ficaria com 34,9%. O terceiro lugar, de Roberto Lavagna com Juan Manuel Urtubey, não chegaria nem a 10% . 

Só que essas pesquisas também apontam um alto número de indecisos: cerca de 9%. 

Ou seja, apenas nas “paso” será possível estimar para que lado irão os indecisos, que podem definir a eleição.

“Mas pode ocorrer o efeito contrário. Se as pessoas que rejeitam o kirchnerismo e em princípio votariam em partidos menores veem que Alberto Fernández ganhou arrasando nas ‘paso’, podem trocar de voto e ir diretamente a Macri em 27 de outubro”, explica Berensztein. “O mesmo pode ocorrer de forma inversa.” 

De fato, na última eleição, quem ganhou as “paso” e o primeiro turno foi o kirchnerismo, com Daniel Scioli. No segundo turno, o vencedor foi Macri.

Além desse “efeito termômetro”, há um grande interesse do mercado nas “paso”. 

Segundo economistas, uma vitória do kirchnerismo por diferença de até quatro pontos e que aponte para um segundo turno —o que as pesquisas indicam— não chega a assustar. 

Isso porque os números na contagem final serviriam a Macri: as outras candidaturas em disputa, que ficariam de fora do “ballotage”, são mais à direita do kirchnerismo, e seus eleitores são justamente os que demonstram mais rejeição a Cristina.

“O mercado em geral prefere que Macri ganhe, porque acredita que um retorno de Cristina, ainda que como vice, traria de volta as políticas protecionistas e assustaria os investidores”, diz Berensztein.

Portanto, se a diferença for maior que 5 pontos, o dólar pode subir na própria segunda. 

Mas nem todos pensam assim. O contador Mario Dobrossin, por exemplo, afirma crer que o período que vai de 12 de agosto a 24 de novembro —quando seria o segundo turno— é muito longo. “Ninguém está investindo nada enquanto não souber o que vai acontecer. Nem os investidores internos nem os externos.

Seria melhor que a eleição se definisse já no primeiro turno, seja quem for o ganhador.”

Na Argentina, para vencer no primeiro turno, o candidato precisa obter 45% dos votos, sem depender do desempenho do segundo colocado, ou mais de 40%, mas com diferença de dez pontos percentuais em relação ao segundo lugar.


Como é o sistema eleitoral argentino 

Senado 
País é dividido em 24 distritos eleitorais (8 deles têm votação em 2019), cada um com três senadores e o eleitor vota apenas no partido; a sigla mais bem votada em cada distrito tem direito a dois senadores e a segunda, a um Câmara  Estarão em jogo metade das vagas em cada um dos 24 distritos (um total de 130 das 257 cadeiras); o eleitor também vota apenas no partido, que tem uma lista fechada de candidatos; as vagas são então distribuídas de maneira proporcional de acordo com os votos recebidos pela sigla

Presidência
Sistema é semelhante ao brasileiro, em que cada eleitor vota em uma chapa formada por um titular e um candidato a vice; para vencer em 1º turno, o candidato precisa conseguir mais de 45% dos votos ou conquistar mais de 40% e ter uma diferença superior a 10% do segundo colocado; caso nada disso aconteça, há o segundo turno

Calendário eleitoral
11.ago (primárias)
Na votação realizada neste domingo, que é obrigatória, as chapas para o Legislativo e o Executivo precisam obter mais do que 1,5% dos votos para avançar para a próxima etapa

27.out (1º turno)
Além do pleito presidencial, eleitores também irão votar para renovar metade da Câmara, um terço do Senado e a maior parte dos governos locais

​24.nov (2º turno) 
Ocorre apenas nas votações para presidente, governadores de província e prefeito de Buenos Aires 
Fontes: Constituição da Argentina e Ministério do Interior 

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