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Réplica: Comparar diplomacias de Bolsonaro e Lula revela ignorância dos fatos

Ex-chanceler Celso Amorim responde a análise sobre relação do Brasil com países vizinhos

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Rio de Janeiro

​​Foi com surpresa que li o artigo de Fábio Zanini em que compara a diplomacia bolsonarista com a do governo Lula.

A política externa de Lula colocou o Brasil no centro do tabuleiro da política internacional, por meio de ações como a integração sul-americana, a aproximação com a África e países árabes, a criação de foros como Ibas e Brics, além de participação respeitada em foros como a OMC, a COP (mudanças climáticas), G20, e em temas como Oriente Médio e desarmamento nuclear.

O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à dir.) recebe Evo Morales, presidente da Bolíva, para assinatura de um acordo em 2007 - Alan Marques - 15.fev.07/Folhapress

Nossa atuação na região foi ditada por uma visão não arrogante e de busca de interesses comuns. No caso do gás da Bolívia, o reconhecimento do direito soberano daquele país sobre seus recursos naturais se fez sem prejuízo do interesse brasileiro.

Em um mundo em que a crise energética levou a situações de penúria, inclusive na Europa, o Brasil conseguiu manter intacto o fornecimento do combustível boliviano.

Tivemos comportamento semelhante em relação ao Paraguai tanto à época de Nicanor Duarte (centro-direita) quanto à de Lugo (esquerda), reconhecendo a necessidade de remunerar adequadamente a energia cedida pelo nosso sócio, por meio de acordo submetido ao Congresso brasileiro e por ele aprovado.

Quanto a “ditadores de estimação”, o governo de que fiz parte, sim, tinha boas relações com o “bolivariano” Chávez, da Venezuela, mas também com o direitista Álvaro Uribe, da Colômbia (ambos eleitos), o que nos permitiu trabalhar pela paz e pelo desenvolvimento da América do Sul.

A única estratégia do governo Bolsonaro em política internacional é a submissão total aos EUA. Até mesmo o celebrado acordo Mercosul-União Europeia corre risco ao menor aceno de contrariedade de Trump. Isso já começou a ocorrer com a desfeita acintosa imposta ao chanceler da França.

O apoio declarado aos governos de direita na região, além de refletir as inclinações do atual chefe de governo, se insere nesse quadro de subalternidade, assim como a atitude intervencionista em relação à Venezuela, que nos deixou à beira de uma guerra.

O episódio do “embargo” de combustível a navios iranianos teve o mesmo sentido de alinhamento incondicional a Washington.

Lula, ao contrário, buscou inserir o Brasil de forma independente no cenário internacional, recusando acordos que limitariam nossa possibilidade de desenvolvimento soberano (como a Alca), contribuindo para um mundo pacífico e multipolar, mais justo e menos sujeito a hegemonias.

Este papel foi reconhecido pelos mais importantes líderes do mundo na época, de George W. Bush e Barack Obama a Vladimir Putin, de Hu Jin Tao a Jacques Chirac.

Todos esses fizeram de Brasília parada obrigatória para a discussão de temas de interesse regional e global. A comparação com a antidiplomacia praticada pelos atuais governantes é totalmente infundada e revela não só ignorância dos fatos, mas visão altamente preconceituosa da realidade.

Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores (2003-2010, governo Lula) e da Defesa (2011-2015, governo Dilma)

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