Cidade do Cabo A persistência da desigualdade de renda na África do Sul pode levar o país a se manifestar de uma forma caótica se a sociedade não puder se questionar e organizar uma saída.
Depois de 25 anos do fim do apartheid (1948-1994), o país é considerado o mais desigual do mundo, com os 10% mais ricos se apropriando de dois terços da renda nacional.
Para Vimal Ranchhod, economista da Unidade de Pesquisas sobre Trabalho e Desenvolvimento da África do Sul, o país não tem um histórico voltado à coletividade. Segundo ele, a única “realidade empírica” conhecida lá é a do poder e da violência.
No sentido de as pessoas se cansarem e começarem a reagir?
Há uma geração ao redor dos 25 anos que foi muito paciente porque viu a libertação [do apartheid]. Acho que nossos jovens agora são muito mais assertivos. Eles não se importam com o que aconteceu nos anos 1990 porque a memória deles não chega lá.
E tudo o que veem é que a sociedade não oferece muitas coisas positivas. Não há muita esperança. Então acho que há riscos políticos reais. E o que vai acontecer é que ou as próprias forças do caos farão com que a tensão se torne tão grande e se manifeste de forma caótica ou a sociedade precisará questionar seriamente o que nós, enquanto coletividade, queremos realizar.
Porque a África do Sul nunca funcionou de fato como algo formado por uma coletividade. Toda a sua história se manifesta da seguinte forma: “Se tenho poder, faço uso dele e exploro esse poder; se você quiser me deter, terá que conquistar o poder primeiro”. Essa é a moral embutida na história da África do Sul.
Não se trata de um apelo à virtude, de valores morais, que se baseiam em princípios. Trata-se de poder. A história é toda sobre o poder. Se e quando eu tiver poder, vou fazer o que quiser. Essa é a única realidade empírica da história da África do Sul.
Já há sinais de reações mais incisivas, com agitação social?
Já há muitos conflitos hoje. Protestos em que as pessoas queimam pneus e atiram pedras. Coisas assim. Vimos um enorme protesto em 2015 e 2016 nas universidades. Os estudantes estavam extremamente descontentes com as mensalidades cada vez maiores e, efetivamente, todo o sistema universitário foi paralisado por cerca de dois meses devido a essas manifestações.
O movimento começou aqui na Universidade da Cidade do Cabo. Foi interessante porque não havia protestos como esses desde o fim do apartheid.
E as pessoas que estão na universidade, quando saírem, encontrarão empregos?
Nem todos, mas a taxa de desemprego é muito menor para pessoas com diploma universitário, cerca de 6%, enquanto para as pessoas que não terminam o ensino médio é de cerca de 30%. Não é zero para os formados, mas muito menor.
O que o senhor tem a dizer sobre a violência que isso gera, sobretudo diante da enorme disparidade nas condições de vida entre ricos e pobres?
A violência na África do Sul é alta, mas não excepcionalmente alta. Há outros países com taxas similares de violência. A diferença é que somos singularmente diferentes na porcentagem muito alta de crimes brutais. Então não é só a questão do crime. Há um tipo de violência no crime que é diferente aqui.
Você poderia dizer que isso se deve à desigualdade. Não tenho certeza. Talvez. Mas também há o fato de que a violência é cíclica; e nós temos uma história de violência.
Cada passo da história aqui está ligado ao poder, mas a um poder imposto por meio da violência. Se eu aprovasse uma lei com a qual você não concordaria, eu a aplicaria à força, porque tenho poder suficiente para tal. Toda a nossa história é violenta. Portanto, acho simplista dizer que temos uma sociedade violenta devido à desigualdade.
Vimal Ranchhod
Pesquisador da Southern Africa Labour and Development Research Unit na Universidade do Cabo, é doutor em economia pela Universidade de Michigan e foi professor nas universidades de Michigan e Yale
ACOMPANHE A SÉRIE DESIGUALDADE GLOBAL
A Folha publica uma série de reportagens e documentários em vídeo sobre as disparidades de renda no mundo e seus efeitos sobre os eleitores e o crescimento dos países. Veja mais aqui.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.