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The Washington Post Brexit

Boris Johnson pode partir Reino Unido se conseguir brexit que deseja

Irlanda e Escócia questionam possibilidade de saída da UE sem acordo

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ISHAAN THAROOR
The Washington Post

Em seu primeiro discurso na semana passada como novo líder do Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson exibiu sua pose costumeira: "As pessoas que apostam contra a Grã-Bretanha perderão até as roupas, porque vamos restaurar a confiança em nossa democracia", afirmou, reiterando sua promessa de conduzir o país para fora da União Europeia, "e vamos cumprir as repetidas promessas do Parlamento à população e sair da UE em 31 de outubro. Nada de 'se' ou 'mas'."

Mas é Johnson quem já começa a parecer um primeiro-ministro sem roupas.

Na terça-feira, a libra esterlina caiu ao nível mais baixo em dois anos, em reação ao crescente alarme sobre a probabilidade de o governo Johnson tirar abruptamente o Reino Unido da Europa, em um brexit "duro", ou "sem acordo".

Manifestantes pedem que seja respeitado o acordo de fronteira aberta entre as Irlandas - Paul Faith - 31.jul.2019/AFP

Seu gabinete está lotado de radicais que, como Johnson, querem ver o brexit acontecer quase a qualquer custo. Um ministro já indicou que o governo está operando sob a "suposição" de que deve se preparar para uma saída sem acordo, cenário em que seriam imediatamente aplicadas tarifas às exportações britânicas para o continente, haveria caos financeiro, filas e atrasos nas checagens de fronteira e uma infinita variedade de outros problemas (alguns deles ainda imprevistos).

Johnson, destemido, envolveu-se em um jogo de arrogância com Bruxelas e Dublin. No fim de semana, ele falou duramente sobre suas intenções sobre o brexit, expressando sua oposição à "cerca irlandesa" --o entendimento atual forjado entre o Reino Unido e a União Europeia que preservaria uma fronteira branda entre a Irlanda e a Irlanda do Norte e, portanto, teoricamente mantém todo o Reino Unido na união aduaneira da UE.

Diplomatas europeus insistem que o atual acordo de saída, incluindo as condições sobre a fronteira da Irlanda --assunto de meses de conversas meticulosas entre a antecessora de Johnson, Theresa May, e os 27 outros países membros da UE--, não está aberto a renegociação. Johnson se ressente de sua intransigência e disse que não vai se encontrar com líderes da UE até que reconsiderem sua posição sobre a fronteira.

Enquanto isso, as autoridades em Bruxelas podem estar esperando que Johnson seja obrigado a agir primeiro e que o Parlamento britânico atue para bloquear um brexit sem acordo. Esse também pode ser um cenário que Johnson na verdade deseje. Outro impasse em Westminster poderia levar a uma rápida eleição geral que poderia render um Parlamento mais inclinado a apoiar a agenda de Johnson.

"O cenário mais provável é que Boris parta para Bruxelas, Bruxelas diga que não, e Boris diga: 'Bruxelas está nos dominando. Queremos fazer um acordo, mas eles não nos deixam fazer um acordo'", disse o professor de política da Universidade de Nottingham, Steven Fielding, à agência Associated Press. "Ameaçar tudo isso e então dizer: 'Venham me apoiar no caminho do nosso glorioso brexit' --e convocar uma eleição."

Mas o quadro doméstico de Johnson não é nada otimista. Durante dois dias seguidos, o primeiro-ministro foi recebido por multidões de manifestantes de oposição quando embarcou em uma turnê pelos países do Reino Unido. Na segunda-feira (29), teve uma recepção gélida de Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia, e foi obrigado a deixar a residência dela em Edimburgo pela porta dos fundos para evitar as manifestações iradas.

"A população da Escócia não votou neste governo conservador, ela não votou neste novo primeiro-ministro, ela não votou no brexit e certamente não votou em um catastrófico brexit sem acordo, que Boris Johnson está planejando agora", disse Sturgeon antes que ele chegasse. 

Como relataram meus colegas do Washington Post, o caos e os prejuízos de um brexit "sem acordo" poderão acelerar os pedidos por um novo referendo sobre a independência da Escócia --causa apoiada pelo Partido Nacionalista Escocês de Sturgeon.

No dia seguinte, no País de Gales, Johnson encontrou um primeiro-ministro galês igualmente duvidoso. Mark Drakeford, membro do Partido Trabalhista, de oposição, advertiu em entrevista ao jornal The Guardian que um brexit sem compromisso colocaria em risco os setores agrícola e fabril do País de Gales e "todo um modo de vida que existe há séculos". Ele ressaltou que o "blefe e a arrogância" característicos de Johnson estão testando a unidade do próprio Reino Unido.

"Acho que a união que é o Reino Unido está mais em risco hoje do que em qualquer momento da minha vida política", disse ele, apontando que tanto a Escócia quanto a Irlanda do Norte votaram por permanecer na União Europeia.

Johnson viajou para Belfast (Irlanda do Norte) nesta quarta-feira (31), no trecho final de sua turnê nacional. Mas poucos estão impressionados com seu show itinerante.

"As ambições duplas do primeiro-ministro estão em rota de colisão perigosa", observou um editorial do "Financial Times", referindo-se ao desejo declarado por Johnson de fortalecer os laços entre as quatro nações britânicas e liderar o país a sair rapidamente da União Europeia. "O brexit de qualquer forma promete enfraquecer os laços entre as nações das ilhas britânicas. Na forma radical que parece ser a opção de trabalho do novo governo de Johnson, ele imporá tensões intoleráveis. Isso poderia dar início a um processo que terminará com a ruptura da união."

A tensão mais intolerável ficaria do outro lado do mar da Irlanda. Um brexit que não inclua um limite irlandês poderia alimentar antigas tensões, explicou meu colega Siobhán O'Grady: "A fronteira é uma questão altamente sensível na Irlanda, porque seu acordo atual foi negociado como parte do Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, que pôs fim ao período de 30 anos conhecido como 'os problemas'.

Durante esse período, a violência sectária entre os unionistas, que queriam que a Irlanda do Norte permanecesse parte do Reino Unido, e os nacionalistas, que queriam que ela pertencesse à República da Irlanda, deixaram mais de 3.500 mortos. Agora, há temores de que a reinstalação de controles rígidos na fronteira entre os dois lados possa inflamar uma nova onda perigosa de tensões remanescentes daquela época."

É por isso que as autoridades de Dublin e Bruxelas consideram a salvaguarda irlandesa inegociável. Na terça-feira, quase uma semana depois de assumir o cargo, Johnson fez seu primeiro telefonema ao primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar. A conversa foi supostamente nervosa e não particularmente produtiva. De acordo com uma leitura irlandesa, Varadkar lembrou a Johnson que a fronteira aberta é "uma consequência" da decisão política britânica de embarcar no brexit, e que a Irlanda teve o apoio total da UE.

Na sexta-feira (26), Varadkar sugeriu a possibilidade de a Irlanda do Norte cortar seus laços com o Reino Unido no caso de um brexit sem acordo. "Eu acho que cada vez mais você verá protestantes liberais e unionistas que começarão a perguntar onde eles se sentem mais em casa", disse ele. "Uma das coisas que ironicamente poderiam minar de fato a união do Reino Unido é um brexit duro, tanto para a Irlanda do Norte quanto para a Escócia, e esse é um problema que eles terão que enfrentar."

Não foi à toa que o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown comentou em um evento em Londres na semana passada que Johnson poderá ser lembrado "não como o 55º primeiro-ministro do Reino Unido, mas como o primeiro primeiro-ministro da Inglaterra".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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