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Financial Times

Tentativa do Facebook de provar imparcialidade parece destinada ao fracasso

Rede social vai criar conselho para decidir quais discursos devem ser permitidos em suas páginas

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Richard Waters
San Francisco | Financial Times

O Facebook vai concluir a qualquer momento sua busca global por 40 homens e mulheres suficientemente sábios e imparciais para decidir que tipos de discurso devem ser permitidos no ponto de encontro digital do mundo.

Mas qualquer esperança de que isso acabe com as críticas amargas de viés antidireita feitas à empresa provavelmente não se justifica.

Os 40 infalíveis do planejado Conselho de Supervisão do Facebook representam uma tentativa de adotar um novo tipo de governança supranacional.

Espécie de supremo tribunal do discurso social, preparado para determinar se o Facebook aplica de forma justa suas próprias regras sobre conteúdos, o Conselho visa criar um baluarte contra acusações de que a própria empresa exerce controle excessivo sobre o discurso no mundo.

Logo do Facebook exibido na tela de um tablet - Lionel Bonaventure/AFP

Se funcionar, pode aliviar as pressões sobre Mark Zuckerberg, cujo controle de 58% dos votos lhe confere a palavra final sobre o que pode ser dito na mais poderosa plataforma de mídia e comunicações que o mundo já teve.

As empresas de mídia dominantes frequentemente mantêm uma relação difícil com os políticos do momento, que tentam alternadamente cortejá-las ou garantir sua submissão pelo medo.

Numa era altamente sectária, e com plataformas monopolistas cujo próprio poder as deixa vulneráveis a ataques políticos, essa tendência chegou a um extremo.

Donald Trump, que elevou a posição de poder de um presidente americano a um novo nível, não perde nenhuma oportunidade de desancar os gigantes da internet de viés supostamente liberal.

Esta semana ele fez novas críticas ao Google, alegando que a empresa intencionalmente suprimiu fontes noticiosas conservadoras em seu motor de busca, algo que teria custado a ele, Trump, até 16 milhões de votos na eleição de 2016 (segundo o Google, a pesquisa na qual foi baseada sua alegação foi desmentida três anos atrás).

Uma revisão independente do potencial viés anticonservador do Facebook, encomendada pela própria empresa, acaba de intensificar a discussão. Em lugar de analisar discursos permitidos ou proibidos na rede, o autor do estudo –o ex-senador republicano Jon Kyl— simplesmente perguntou a 133 organizações conservadoras se achavam que havia algum problema com a plataforma.

Surpresa! As organizações apontaram para viés em toda parte, desde o modo como a empresa decide o que constitui “discurso de ódio” até uma suposta escassez de conservadores em seu conselho de direção (cujos membros incluem Peter Thiel, o defensor mais aberto de Trump no setor tecnológico, e Marc Andreeessen, um dos capitalistas de investimentos de pensamento mais libertário do Vale do Silício). Não surpreende que as plataformas estejam buscando novas maneiras de provar sua imparcialidade.

Mas estão fadadas ao fracasso nesse quesito.

Uma solução potencial –ser mais transparentes quanto a como são tomadas as decisões sobre conteúdos— enfrenta limites inevitáveis. Os algoritmos que determinam quem vê o quê em sites como Facebook e Google estão destinados a continuar impenetráveis.

Além disso, as tentativas de deixar mais claro como as empresas implementam suas regras sobre conteúdos sempre deixarão alguns insatisfeitos. As decisões são subjetivas por sua própria natureza; logo, não faz diferença quanto esforço o Facebook faz para explicar suas ações de implementação das normas.

Isso se aplica especialmente agora, na era da política pós-verídica. Respondendo ao relatório Kyl esta semana, o ex-vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg, hoje vice-presidente de assuntos globais do Facebook, disse que a rede social está trabalhando arduamente para eliminar “fraudes já desmascaradas e clickbait” (conteúdos criados apenas para atrair cliques).

Hoje em dia, porém, algo que para uma pessoa é uma fraude desmascarada, para outra é uma verdade fundamental. Se você duvida, pergunte ao presidente dos Estados Unidos.

Diante disso tudo, a ideia de empregar árbitros imparciais torna-se especialmente atraente. O Facebook vem se esforçando para criar seu próprio conselho de supervisão independente para ouvir recursos contra suas próprias decisões sobre conteúdos. Para isso, procura pessoas que garantam uma diversidade suficiente de pontos de vista para agradar a todos.

O risco, porém, é que isso apenas intensifique as disputas entre posições e visões diferentes. Decisões não unânimes por parte do conselho podem apenas expor as discordâncias em seu interior, ao invés de resolvê-las.

Com um conselho de 40 membros, o grande número de participantes pode diluir qualquer ponto de vista particular e reduzir o risco de guerra declarada. Pode também dar cobertura aos membros individuais do conselho, que de outro modo poderiam virar alvos de atenção intensiva da mídia.

Mas isso não significa que o novo painel de árbitros será visto como mais aceitável pelas pessoas que discordem de suas decisões, nem que o Facebook vai magicamente definir limites novos e acordados ao discurso público que satisfaçam a todas as partes.

E com certeza não vai acabar com a intimidação do Facebook por políticos, que não têm nada a perder quando transformam as plataformas de internet em seus sacos de pancada públicos.

Tradução de Clara Allain

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